sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Três madrilenhos

Publiquei esta semana, na Modo de Usar & Co. eletrônica, a tradução para um poema do madrilenho Pedro Casariego Córdoba (1955 - 1993), um dos poucos poemas "avulsos" dele, sempre afeito a serialidades. Seus livros de poemas apresentam personagens recorrentes, um senso de narrativa. Traduzi outros dois poemas independentes para o próximo número impresso da Modo de Usar & Co., na qual estou trabalhando com os companheiros Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia.

O poeta Pe Cas Cor, como é conhecido na Espanha, foi-me apresentado pela poeta Sandra Santana (Madri, 1978), coeditora de um dos projetos mais interessantes que conheço na Rede, chamado El águila ediciones, e autora de Es el verbo tan frágil (2008), um livro de que gosto muitíssimo e do qual traduzi vários textos. Eu a conheci em Berlim, através de nossa amiga em comum, a poeta argentina Silvana Franzetti (Buenos Aires, 1965). Em maio de 2008, quando me apresentei no festival de poesia Yuxtaposiciones, passamos uma tarde caminhando por Madri e visitamos a Feira do Livro da cidade, onde pude comprar a edição da Seix Barral com a poesia reunida de Pe Cas Cor, por sugestão de Sandra. Naquela tarde, havíamos conversado muito sobre outro madrilenho, o poeta Leopoldo María Panero (n. 1948), sua figura na poesia contemporânea espanhola, um poeta que não se encaixa facilmente na narrativa histórico-literária do pós-guerra, como o próprio Pedro Casariego Córdoba.

Mas estes são três madrilenhos que aprecio ler: Leopoldo María Panero, Pedro Casariego Córdoba e Sandra Santana.


O suicídio é só teu

Pedro Casariego Córdoba

Todos se deitaram
e chegou o medo

Meu coração conta suas batidas
e tua grande bunda rosa me protege

Tua grande bunda amável me defende do frio
mas atrai os pernilongos

Tua dor não é muito grande
se podes pedir ajuda

Uma bolsa d´água quente em minha cama
e toda a solidão do mundo

Aquele bar é o ninho de bocas domadas
e agora é noite e ranges os dentes

Indefeso como o espirro de um pássaro
vejo batidas que foram minhas

Se queres meter-te uma bala
eu te emprestarei meu revólver

Meu revólver é um manancial de esperança
tão seco como o ventre de uma anciã

Assina com meu revólver um cheque sem fundos
e compra um ingresso para o fundo da terra

Uma bala é um buraco no paladar
e um jejum eterno e barato

Tua grande bunda rosa e delicada
já não pedirá carne ou ar

Quem pintou de negro meus pulmões
para a torpe alegria da noite?

Se queres meter-te uma bala
eis aqui desinfetado meu revólver.

(tradução de Ricardo Domeneck)

"El suicidio es sólo tuyo" // Todos se acostaron / y llegó el miedo // Mi corazón cuenta sus latidos / y tu gran culo rosa me protege // Tu gran culo amable me defiende del frío / pero atrae a los mosquitos // Tu dolor no es muy grande / si puedes pedir ayuda // Una bolsa de agua caliente en mi cama / y toda la soledad del mundo // Aquel bar es el nido de las bocas domadas / y ahora es de noche y aprieta los dientes // Indefenso como el estornudo de un pájaro / veo latidos que fueron míos // Si quieres pegarte un tiro / yo te prestaré mi pistola // Mi pistola es un manantial de esperanza / tan seco como el vientre de una anciana // Firma con mi pistola un cheque sin fondos / y compra un billete para el fondo de la tierra // Una bala es un agujero en el paladar / y un ayuno eterno y barato // Tu gran culo rosa y sencillo / ya no pedirá carne ni aire // ¿Quién pintó de negro mis pulmones / para torpe alegría de la noche? // Si quieres pegarte un tiro / aquí tienes mi pistola limpia.

§


(Sandra Santana, lendo em Berlim)

§

Por que as bússolas não funcionam em interiores e como adivinhar a direção do ponteiro a partir dos olhos
Sandra Santana

Tratamos de perseguir seus movimentos
mas o final de cada traço
era vivido como um fracasso total na busca da figura.

Será a eternidade esquiva – perguntamo-nos, céticos – o que se oculta sob a cor de nossos atos?

(E a todos nós parecia havermos começado um caminho
mas ao acender a luz
encontramos de novo o muro em branco).

(tradução de Ricardo Domeneck)

"Por qué las brújulas no funcionan en el interior y cómo adivinar hacia dónde se dirige la aguja desde la mirada": Tratamos de perseguir sus movimientos / pero el final de cada trazo / era vivido como un fracaso total en la búsqueda de la figura. // ¿Será la eternidad esquiva –nos preguntamos escépticos– lo que se oculta tras el color de nuestros actos? // (Y a todos nos pareció entonces que habíamos iniciado un camino / pero al encender la luz / encontramos de nuevo el muro en blanco).

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(Filme de Ricardo Franco sobre Leopoldo María Panero. Primeira parte.)

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Um comentário:

João Filho disse...

Querido Domeneck,

mais uma vez obrigado pelas palavras e consideração. Estou melhor e a recuperação vai bem.

Recebi seu livro! Viva! Li e comentarei logo mais. Alguns poemas eu já conhecia, como "Mula" e "Corpo" do seu blog, e da Modo de Usar o longo título "Texto em que o poeta medita sobre algumas escolhas estéticas na companhia de Angélica Freitas em Buenos Aires".

Que a Berlimbo possa te agasalhar sempre com afeto.
Um grande abraço e vida longa,
João Filho.

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