quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

"Entre o fogo e a derme", um dos poemas publicados na página "Risco", do jornal carioca O GLOBO.



O poema abaixo, intitulado "Entre o fogo e a derme", foi um dos dois poemas inéditos meus publicados no fim-de-semana passado na página Risco do caderno Prosa & Verso, do jornal carioca O Globo. A página é editada por Carlito Azevedo desde abril de 2010, e já publicou poetas brasileiros contemporâneos como Lu Menezes, Juliana Krapp e Laura Liuzzi, assim como traduções para textos de poetas estrangeiros como os grandes Zbigniew Herbert (Polônia), Yehuda Amichai (Israel) e Saburô Kuroda (Japão).


Entre o fogo e a derme

Como quem sopra
a própria pele antes
para você queimar
melhor, mais
eficaz. Com você,
os pontos da sutura
são auxílio ao corte.
Deito e observo
o prazer com que
você me desinfecta
para proteger,
contra minha tez,
os seus insetos.
Eis-me aqui,
querido, todo pós-
utópico depois
que você confunde
pela centésima vez
sulco e charrua
durante o sexo
ou seu exagero
em buscar no dicionário
antes de me tocar
a etimologia de palavras
como amortecimento.
Quando você fala,
arreganho os ouvidos
e olvidos e Ovídios
e respondo
à attention span
de peixe dourado
que você me dedica
em nossa vida de aquário.
Sei que devo soar,
aos seus ouvidos,
como um conjunto
de erratas e spam.
Resigno-me
como inseto extinto
preso em sua resina.
Os amigos sugerem
que eu deixe o cronômetro
vir coser os lábios
da ferida, enquanto
você seleciona
em random mode
por trilha-sonora
o sonzim dos meus ossos
que engranzam
sob o seu corpo.
Silêncio não
é costureira,
nem na Espanha
onde talvez haja
alguma que atenda
por Martírio ou Remédios,
como numa peça qualquer
de Lorca ou outra louca.
Sinto-me como uma Orca
justiceira ou uma Scarlett O´Hara
sem Tara.
Resta-me a esperança
que arqueólogos futuros
me descubram, soterrado,
fossilizado, esquecido
sob as suas vírgulas.
Hei de voltar, como um vírus
trancafiado nas tumbas
de Tutancâmon ou outra múmia,
devastarei paisagens e populações
à procura dos seus pulmões.


Ricardo Domeneck. Publicado originalmente na página mensal de poesia contemporânea do caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, a 15 de janeiro de 2011.

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5 comentários:

laura disse...

uau!

Rafael Daud disse...

Mandou bem.

Rafael Daud disse...

Mandou bem.

karina rabinovitz disse...

incrível.

marília disse...

sensacional!!!

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