domingo, 23 de janeiro de 2011

O impressionante filme de Semion Aranovich sobre a poeta russa Anna Akhmátova

Descobri e assisti ontem à noite ao (realmente excelente) filme The Anna Akhmátova File (1989), do diretor e documentarista soviético Semion Aranovich (1934 - 1995).

Recentemente disponibilizado de forma integral na Rede, The Anna Akhmatova File (1989) segue a vida, obra e conturbadíssimo contexto histórico da poeta russo-ucraniana, autora de Anno Domini MCMXXI e Réquiem. O filme traz fotos e raras cenas da própria poeta, de seu primeiro marido, o também poeta Nikolai Gumiliov (fuzilado em 1921 sob acusação de ser um contra-revolucionário), seus grandes amigos e poetas Alexander Blok (1880 - 1921) e Ossip Mandelshtam (1891 - 1938), discute sua relação e admiração por Boris Pasternak (1890 - 1960), Marina Tsvetáieva e Alexander Soljenítsin (1918 – 2008)), com leituras de seus poemas e diários, justapostos de forma perturbadora a cenas de discursos (e até mesmo descontração) de Joseph Stálin (1878 - 1953) e Nikita Khrushchev (1894 - 1971).

The Anna Akhmatova File foi primeiramente proibido. Com 65 minutos de duração, é competentíssimo ao usar apenas trechos de poemas e diários da Akhmátova, unidos a cenas marcantes da vida russa durante sua existência marcada por tragédias históricas, para criar um retrato tocante e perturbador sobre o destino dos escritores russos durante a Era Soviética.

The Anna Akhmatova File (1989), filme ::: completo ::: de Semion Aranovich (1934 - 1995).

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de Réquiem (1935 - 1940)

Era no tempo em que só um morto,
contente por estar em paz, sorria.
Como peso morto, Leninegrado
dependurava-se das enxovias.
E quando legiões de condenados
já marchavam loucos e aflitos
e as locomotivas já soltavam
os apitos do breve canto do adeus,
sobre nós gelavam estrelas de morte
e a Rússia inocente se contorcia
sob as cardas de ensanguentadas botas,
sob as rodas negras dos carros sombrios.


Anna Akhmátova,
tradução de Arlindo Correia

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Anna Akhmátova nasceu a 23 de junho de 1889 em Odessa, então ainda Império Russo, hoje Ucrânia. Com seu primeiro marido, o poeta Nikolai Gumiliov (1886 – 1921), Serguei Gorodetski (1884 – 1967) e ainda Ossip Mandelshtam (1891 - 1938), formou o grupo de vanguarda dos Acmeístas, ligado à tradição do simbolismo russo, em especial à obra de Alexander Blok (1880 - 1921), apenas cerca de uma década mais velho que eles. Anna Akhmátova estreou em livro com Vecher ("Noite"), em 1912, seguido de Chetki ("Rosário") em 1914. O início da Grande Guerra (1914 - 1918), da Revolução Russa (1917) e dos terríveis anos de Guerra Civil (1918 - 1922) põem fim à chamada Era de Prata da Poesia Russa. Alexander Blok adoece e, necessitando de tratamento fora do país, morre a 7 de agosto de 1921 à espera da permissão do governo para viajar, concedida 10 dias depois de sua morte; Nikolai Gumiliov é fuzilado poucos dias depois como contra-revolucionário; Akhmátova e Mandelshtam, considerados poetas "aristocráticos e incompreensíveis para as massas", têm cada vez mais dificuldade de publicar, até que Mandelshtam é preso e condenado a trabalhos forçados no Gulag (mesmo destino de Liev Gumiliov, filho de Akhmátova com o poeta Nikolai Gumiliov), acontecimentos que encontrariam seu memorial em livros de Akhmátova como Anno Domini MCMXXI (1921) e Réquiem, escrito entre 1935 e 1940.

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Semyon Aranovich nasceu a 23 de julho de 1934, em Derazhnya, na União Soviética. Dirigiu, além deste O Arquivo Anna Akhmátova (1989), outros documentários como Sonata para Viola de Dmitri Shostakovitch (1981) e O Guarda-Costas de Stálin (1990). O diretor morreu em 1995, na Ucrânia.

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Anna Akhmátova (1889 - 1966)

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