quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Texto em que o poeta deixa de fingir dores que deveras sente e passa a folclorizá-las, em pleno México, no trigésimo aniversário d'O Moço


Moço,
hoje você completa
trinta anos. Tem a idade
de uma guerra
que acaba. Ontem,
em Coyoacán,
na casa de Rivera e Kahlo,
quisera dizer a você,
tal um árabe: Ya'aburnee.
Mas já estou morto
e enterrado.
Encontro-me onde
me perco, nesse bairro
que tem por nome
“lugar de lobos”,
Moço, lobos.
Eis-me no México,
todo barroco,
rememorando destroços.
Pensei no poema
de Mayröcker,
“Wolf wie ein Wolf”,
e também cá estou,
lobo como um lobo,
corcunda em Coyoacán,
“peso peludo suspenso”.
Eros homini lupus est.
Sobre a mesa: Sor Juana,
café e os cigarros.
No peito, o mesmo pigarro,
a mesma noz na garganta.
Há guerras que acabam,
outras que duram tanto,
como aquela de cem anos,
e creio que eu também, fiel
a um código anacrônico
de honra, caí em Agincourt,
numa saraivada de flechas.
Virá um João D´Arc
garantir minha vitória?
Faça o favor, alguém
espanque ou achincalhe
esse cupido puto.
Ele merece há séculos
uma boa surra.
Sor Juana sussurra
“sólo los celos ignoran
fábricas de fingimientos”
Cansei-me de fingir dores,
Moço, sinta-as ou não de feras,
agora quero folclorizá-las.
De poncho, canto
como Los Panchos:
"Lo dudo, lo dudo..."
É mais um exemplo
dos meus excessos,
que tanto o molestam,
quando hoje bastaria
um Feliz Aniversário.
Então, retrato-me
do poema acima
e digo apenas:
Feliz aniversário.
Espero que o outro
o tome hoje
nos braços
com amor redobrado.
Esse mesmo,
que com ele
comparto.

§

Cidade do México, 17 de outubro de 2014.



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