William Zeytounlian
William Zeytounlian (Brasil, 1988)
[tudo está às voltas]
tudo está às voltas
no lastro de teu gesto
tudo se repete
num fazer que
descortina:
compre
uma flor
no mercado
e sê Monet
jardinando em
Giverny –
refaça
no entulho
de uma casa
o dia que os
mesopotâmios
recensearam
seus deuses
mortos
não basta ao ato
bastar-se a si:
todo agir interpõe
teu agora e teu antes
voltei-me a mim
e parti mais além
fui-me aqui
e assim por diante
– toda tessitura
é a vela na
gávea de Cabral
e o trapo no
torso de
Zumbi –
sê olhar do rei cruel e indigesto
sê o olho que temeu a guilhotina
tudo se repete
num fazer que
descortina
tudo está às voltas
no lastro de teu gesto
§
Golgona Anghel (Romênia/Portugal, 1979)
COMODISTA HESITANTE,
protegido das cabeleireiras
e cliente frequente dos feriados nacionais,
acredita nos encontros fortuitos
assim como um relógio estragado
acredita aproximar-se de uma hora astral.
Estes hábitos podem até ser tolerados
Em contos naturalistas
E reality showers.
Nós, aqui, little stranger,
Degolamos pardais e fadas de porcelana.
Cobramos interesses à alegria
E vendemos suites com piscina na lua.
A batalha é nossa,
Já alugámos as trincheiras,
Mas custa tanto tirar os pijamas.
§
João Bosco da Silva (Portugal, 1985)
Ronco II
Um gajo esfarrapa-se todo por estes gajos e nada, esta gente toda,
Que vive e pensa e sonha e teme e deseja e fode, engole, fodia mais
Se lhe baixassem as calças por serem todos tão especiais, mas nada,
Um gajo pode ser grande, mesmo muito grande, mas não existe
Enquanto não entrar em alguém, precisámos de olhos como do corpo,
Com o tempo fala-se com árvores, pedras, deus até, a água
Engole-se , mas antes agradecemos-lhe a frescura, é isto, mas um gajo
Esfarrapa-se todo, arma-se em mutante dos nervos, nem um pássaro
Se levante, abre-se a janela, um frio terrível, nem dá vontade de grandes
Gritos, abre-se mais uma garrafa e grita-se ao contrário, engole-se pronto,
Não vale a pena, são todos umas putas armadas em santas,
Uns miseráveis gordos de fome e solidão, querem é beiça
E prepúcio retraído, nem é papel, é mesmo fome de um sovaco azedo
Que os abrace, anda um gajo a esfarrapar-se por isto,
Há fomes piores, o musgo seca, o menino jesus do presépio
Não tem mãos, os olhos parecem que enrugaram e o menino
Que não morreu, parece apodrecer no colo que rejeita
Porque agora é homem, anda um gajo neste negócio de pérolas,
Para os porcos dormirem sossegados nos palácios que os burros admiram.
§
Ederval Fernandes (Brasil, 1985)
Como quando
Como os dedos
que rasgaram
o papel do
presente.
Como o ausente
dos vários
segredos
que não
revelaram.
Como o café
que repousa
na mesa
e será bebido.
Como o livro
lido
duas, três
vezes até
ser amada
a sua beleza.
Como quando
entrei
em você
pela
primeira
vez e entendi.
Como, por uma
besteira, não sei,
minha vó chora
e depois ri.
Como os dias
em que Vivo
e não quando
estou morto
e respirando
feito verme.
Como a tua mão
procurou ver-me
no escuro
de mim e do quarto:
como quando um
coração
faz um Uivo.
Como quando
Como os dedos
que rasgaram
o papel do
presente.
Como o ausente
dos vários
segredos
que não
revelaram.
Como o café
que repousa
na mesa
e será bebido.
Como o livro
lido
duas, três
vezes até
ser amada
a sua beleza.
Como quando
entrei
em você
pela
primeira
vez e entendi.
Como, por uma
besteira, não sei,
minha vó chora
e depois ri.
Como os dias
em que Vivo
e não quando
estou morto
e respirando
feito verme.
Como a tua mão
procurou ver-me
no escuro
de mim e do quarto:
como quando um
coração
faz um Uivo.
§
Raquel Nobre Guerra (Portugal, 1979)
Se sorrio aos mortos e enterro os vivos
como um objecto escuro por que
rodaram mãos e jeitos de luz? Sim.
Vivo como se não estivesse aqui
roupa leve como acontece na vida.
E vou da primeira à última batida
na respiração de um pulmão vivido.
Lê assim.
Podia arder a uma pouca distância de ti
nessa praceta que é um poema teu
— e as coisas voltariam a mim, meras,
como o ser transportada pelos dias —
mas cairei por aqui.
Meu amor.
Porta no trinco e nada nas mãos.
Há muito que é tudo o que resta.
Podia arder a uma pouca distância de ti
nessa praceta que é um poema teu
— e as coisas voltariam a mim, meras,
como o ser transportada pelos dias —
mas cairei por aqui.
Meu amor.
Porta no trinco e nada nas mãos.
Há muito que é tudo o que resta.
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