sábado, 9 de fevereiro de 2019

As formigas do mel comum




bichos com pote:
as formigas-de-mel,
casta de expertas
rotundas, repletas

em bojos coletam,
armazenam, engolem
açúcares do planeta
até que os abdomes

se inchem e encham,
unjam-se enormes
e as outras, na fome,
desta viva despensa

extraiam sua sobre
-vivência, em ceias
nos tempos da seca.
as obreiras imóveis

agarram-se no sótão,
aguardam pacientes
no deserto sua função:
cevar a comuna toda.

não são como abelhas
nem se alam, vespas,
são tão-só elas próprias
os favos, figos, fornos.

se em verão ou inverno
subnutre-se a terra,
soldados e operários
cariciam suas antenas

e os potes se abrem,
comportas, ambrosia
no porão de aborígines:
o sótão das formigas

que nutrem até homens
na corrente das fomes
que unem as espécies,
o fado de boquiabertos.

saciar-se a si ao nutrir:
armazém e quitanda
de outros, seus quindins!
adiar fins, apocalipses.

mas nossos estômagos
são só de nós próprios
usina de açúcar, indústria
de egos, usura, nunca

a ucharia e as viandas
do comum, da república.

*

Ricardo Domeneck, Berlim, 6-8 de fevereiro de 2019.

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