segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

AS TABUADAS E OS COLETIVOS



Na escola o que eu mais detestava
era a repetição diária das tabuadas.
Ali começava a confeccionar 
meu próprio espelho,
a dizer: este sou eu, o das palavras, 
não o dos números.

Rejeitava aquela reiteração 
das certezas pétreas, rígidas 
como a gravidade,
a mais detestada de todas as leis
por qualquer criança.

Nos sonhos raros 
em que podíamos voar
quebrávamos também essa lei,
pequenos mutantes caboclos,
mulas aladas sem cabeça.
Pégaso-Pangaré.

Hoje o coração está repleto
de adições e subtrações, 
multiplicações e divisões.

Está bem. 
1 + 1 são 2
e 1 x 1 é 1.
As compras, as dívidas, as eleições 
provaram seus números e porcentagens 
de forma bastante empírica.

Mas a idade 
também demonstrou outras coisas:
que UM mais UM são 
tantas vezes só isso:
esse ao lado deste, inconciliáveis.
Tão adicionáveis quanto admissíveis,
sem a metamorfose de cada UM
num único pato na lagoa.

E dois patos na lagoa são já um bando?
À matemática, língua certeira,
preferia as ambiguidades da língua incerta,
topônimos como Bonito e Gostoso.
Seria Bonito realmente bonito?
E Gostoso, deveras gostoso?

Os coletivos eram um prazer estranho,
repetia-os e não atentava 
às advertências da professora
contra meus pleonasmos,
afinal a alcateia só podia ser de lobos,
o arquipélago só podia ser de ilhas
e o cardume, só de peixes.

Mas havia o prazer da confusão
e um porco em sua vara
tanto podia ser 
um ser roliço e feliz entre os seus
quanto um cadáver assando no fogo.
Os porcos nas varas!

Havia essa liberdade da palavra
contra os números
e repetia só para mim mesmo,
não como quem comete uma gafe
mas como quem sussurra um feitiço:

matilha de meninos,
arquipélago de namorados,
cardume de amigos,

e éramos então por um segundo
corpos esfomeados 
mas livres no mato (lobos),
separados e cercados
mas pertencentes (ilhas),
submersos mas vivos
pontos móveis de prata (peixes).

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