Mostrando postagens com marcador yang lian. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador yang lian. Mostrar todas as postagens

sábado, 5 de junho de 2010

A noite de abertura do Festival de Poesia de Berlim

Ontem à noite ocorreu a abertura do Festival de Poesia de Berlim (Poesiefestival Berlin), o maior da Europa. Cada ano traz um enfoque. Em 2008, a língua portuguesa era a convidada, e o festival trouxe a Berlim alguns poetas brasileiros, portugueses e africanos, como Paulo Henriques Britto, Arnaldo Antunes, Claudia Roquette-Pinto, Angélica Freitas, Ana Luísa Amaral, Tony Tcheka, entre outros. Também pude participar e conhecer alguns destes poetas, além de rever queridos amigos. Este ano, o enfoque é o mundo cultural mediterrâneo.

A noite de abertura sempre concentra as "estrelas" do festival. A grande estrela deste ano, sem dúvida, era o cingalês-canadense Michael Ondaatje, que eu, sinceramente, nem sabia que escrevia poesia, sendo famoso como o autor de um romance que virou filme, The English Patient, de 1992. Uma pesquisa rápida mostrou-me esta semana que ele publicou, na verdade, mais volumes de poemas que romances, estreando como poeta no início da década de 60, com volumes como Social Call (1962) e The Dainty Monsters (1967). Seus textos e sua leitura me pareceram elegantes.


The Cinnamon Peeler
Michael Ondaatje

If I were a cinnamon peeler
I would ride your bed
and leave the yellow bark dust
on your pillow.

Your breasts and shoulders would reek
you could never walk through markets
without the profession of my fingers
floating over you. The blind would
stumble certain of whom they approached
though you might bathe
under rain gutters, monsoon.

Here on the upper thigh
at this smooth pasture
neighbor to your hair
or the crease
that cuts your back. This ankle.
You will be known among strangers
as the cinnamon peeler's wife.

I could hardly glance at you
before marriage
never touch you
-- your keen nosed mother, your rough brothers.
I buried my hands
in saffron, disguised them
over smoking tar,
helped the honey gatherers...

When we swam once
I touched you in water
and our bodies remained free,
you could hold me and be blind of smell.
You climbed the bank and said

this is how you touch other women
the grasscutter's wife, the lime burner's daughter.
And you searched your arms
for the missing perfume.
and knew
what good is it
to be the lime burner's daughter
left with no trace
as if not spoken to in an act of love
as if wounded without the pleasure of scar.

You touched
your belly to my hands
in the dry air and said
I am the cinnamon
peeler's wife. Smell me.





§


Para mim, no entanto, a grande atração da noite de abertura era o chileno Raúl Zurita. Traduzi um longo poema do chileno, intitulado "Áreas verdes", para o segundo número impresso da Modo de Usar & Co., publicado em 2009. Gosto bastante do trabalho dele, ainda que ele esteja um pouco distante da nossa sensibilidade poética brasileira do pós-guerra. Na verdade, sua leitura confirmou esta sensação. Ouvindo-o esbravejar seu poema para a sua "mátria" Chile, contra a ditadura, eu me encolhia na cadeira, sentindo em cada fibra do meu ser como a timidez elegante, discrição e postura sem ênfase de homens como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos influenciaram nossa recepção-expectativa para a poesia. Lembro-me de conversar com poetas argentinos no Festival de Poesia de Buenos Aires, em 2006, e ouvi-los reclamar que os chilenos lhes pareciam grandiloquentes demais. Quando perguntaram minha opinião, lembro de ter respondido: "Meus caros, eu sou brasileiro, para um brasileiro o simples ato de levantar-se da cadeira já parece grandiloquência poética demais." Lembrem-se que isto está vindo de alguém obcecado pelo assunto da importância da oralidade. Parece-me apenas muito interessante como nossas posturas são diferentes. O Chile abriga alguns dos poetas mais importantes da América Latina hoje, desde veteranos como Nicanor Parra, Gonzalo Rojas e o próprio Raúl Zurita, até chegar a poetas como Sergio Parra, o impressionante Yanko González e uma das figuras mais interessantes da jovem poesia latino-americana: o não menos impressionante Héctor Hernández Montecinos. Há um texto de Roberto Bolaño em que este revisita seus mestres, elogiando e se distanciando, em que ele menciona justamente o messianismo de Raúl Zurita, algo que incomodava Bolaño em relação à poesia chilena. O último livro de Montecinos, ao que tudo indica, parece voltar os olhos para esta mesma discussão, com o volume La Poesía Chilena Soy Yo (2009). Nós, brasileiros do século XXI, com mestres como Oswald, Drummond ou Cabral, parecemos ter uma relação muito diferente com nossa identidade nacional e também com a história recente do Brasil. No caso da relação com a ditadura, talvez as relações sejam opostas. Se o Brasil parece viver em constante negação de seu passado ditatorial, sem mostrar-se disposto a rever algumas das estruturas que permaneceram daquela época, o Chile parece não poder seguir adiante antes de curar cada ferida daquele período tenebroso. Não sei. Talvez as duas atitudes sejam pouco saudáveis, pois a sensação que tenho, por vezes, é que no Brasil faz-se com que a ditadura explique muito pouco e, no Chile, que ela explique demais. De qualquer maneira, Zurita segue sendo admirável.




§


Voltando à noite de abertura do festival, outra poeta que me interessou muito na leitura foi a americana Cole Swensen. Ela nasceu na Califórnia, onde formou-se e ensina Literatura Comparada. Alguns a associam ao grupo de poetas da San Francisco Bay Area, muitos deles Language poets oficiais.

The Evolution of the Garden (As Albertus Magnus instructs us)
Cole Swensen


that shade is dearer than fruit        and the trees be not bitter ones        let them
not be
bitter please
pass me the sun

There were three distinct types of medieval garden: ornamental, orchard, and
ones populated by animals and birds where we’re allowed only in shadow and
falter

walking on windows: hortus in which viridarium; virgultum; Espalier the king
         or peach with its
branches so arranged
that the ripening fruit mimes
constellations and passes through the entire zodiac in all the proper steps
                        : must be grafted, apple, pear,
                                           manor, and
                                                 there go the deer! There were
carefully selected and ornamented spots for viewing
 all of geometry
devolved from planting
         the three:four:five triangular section                     sang at night: O
Master of the Embroidered Foliage painting his eyeball green we were walking
through the fine tissue of which the ripping sound at the back of the picture
on the bottom of the world that
we could live here
                   gardinum
                   hundreds
                   of acres set aside for watching animals.







§

Houve também uma apresentação da poeta sonora israelense Anat Pick. Para dar uma ideia de seu trabalho, encontrei este vídeo na Rede.



§



Os outros poetas foram os alemães Elke Erbe e Michael Krüger, o russo Dmitry Golinko, o excelente poeta chinês Yang Lian, com quem li no Festival Internacional de Poesia de Dubai e sobre o qual já escrevi neste espaço, e o congolês Nina Kibuanda.





Relatarei mais assim que puder.

.
.
.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Pequeno relatório de viagens: Dubai

Dubai foi uma das experiências mais malucas da minha vida. A organização do festival esbanjou dinheiro, mas não exatamente... organização. Fomos muito bem tratados, hospedados em um hotel cinco estrelas, com ótimos restaurantes, mas em todos nós resistia a sensação de que tudo não passava de um evento para a imprensa (a ocidental, obviamente), para mostrar que Dubai "também é cultura", ou algo do gênero. Restou-nos a tentativa de tirar o melhor proveito da situação, encontrando poetas que não conhecíamos ou tendo o prazer de rever poetas com que já havíamos lido em outros festivais.

O mais interessante foi poder passar alguns dias na companhia do grande poeta esloveno Tomaž Šalamun, um dos cavalheiros mais generosos que já conheci no mundo poético europeu. Fazemos aniversário no mesmo dia (4 de julho, assim como meu caro Carlito Azevedo) e nos conhecemos no Festival de Poesia de Berlim, em 2008, um dia antes de nosso aniversário. Mantivemos contato e ele é definitivamente um dos poetas mais interessantes (e famosos) da Europa hoje. Presenteou-me com três de seus livros, em tradução para o inglês: sua bombástica estréia, o livro Poker, de 1966, que causou grande rebuliço na literatura do leste-europeu, na década de 60; um New and Selected Poems; e um de seus últimos títulos traduzidos para o inglês, chamado There´s the hand and there´s the arid chair; tenho o projeto de traduzir alguns de seus poemas do esloveno, com a ajuda de meu amigo Dražen Dragojević, um artista visual esloveno que mora em Berlim. É absurdo que não haja poemas de Tomaž Šalamun (n. 1941) traduzidos no Brasil... tão absurdo, por exemplo, quanto não haver volumes de Paulo Leminski ou Roberto Piva (contemporâneos de Šalamun) acessíveis na Europa. A ignorância mútua será nosso fim.

To a Golem
Tomaž Šalamun

Lost in thought,
you came to watch me.
I’m like an olive branch – your face.
Houses are on fire in the sun.
The bridge is pasted together stone by stone
and the sky keeps gnawing.
The hands are seizing me.
I hear the motioin of soft nibs.
Smoke rises out of me.
I evaporate into you, tasting your
fruit, passerby.
The sheep scratches herself on the rock,
the windows are wiped in a dream.
Sweet rehearsing pours over me.
I’m folding your door latches.
I shuck the black, silky
festive hall of your warm breath,
the impermanence of your life.

(translated by Charles Simic)

§

Com Wole Soyinka, o prêmio Nobel nigeriano, troquei algumas palavras antes de lermos na mesma noite (sorte minha, pois me garantiu o público que veio ouvir uma das estrelas do festival). Outro cavalheiro. Não conheço bem sua poesia, mas sua presença impoe respeito, com um trabalho que me pareceu bastante potente, ainda que distante daquilo com que nos acostumamos a prezar nos últimos anos no Brasil. Wole Soyinka nasceu em 1934.

Season
Wole Soyinka

Rust is ripeness, rust.
And the wilted corn-plume.
Pollen is mating-time when swallows
weave a dance.
Of feathered arrows
Thread corn-stalks in winged
Streaks of light. And we loved to hear
Spliced phrases of the wind, to hear
Rasps in the field, where corn-leaves
pierce like bamboo slivers.
Now, garnerers we,
Awaiting rust on tassels, draw
Long shadows from the dusk, wreathe
The thatch in wood-smoke. Laden stalks
Ride the germ's decay-we await
The promise of the rust.

§

Outro poeta que tive o prazer de conhecer em Dubai foi o chinês Yang Lian, um dos fundadores da revista Jintian (Hoje, em português), que causou tantas mudanças poéticas na China, reunindo, além de Yang Lian, poetas como Bei Dao, Mang Ke, Duo Duo e Jiang He. Alguns deles, como Bei Dao, foram publicados no volume de poesia chinesa contemporânea recentemente editado no Brasil. Yang Lian nasceu em 1955 e vive hoje em exílio em Londres. Outro cavalheiro generoso.

Ten years
Yang Lian

Time passes like a fish swimming towards its own flavour
Cliff not under your feet.......Years
Emptier than a word.......Sea wall
Sharp nipples suckling the storm
Rocks are not there.......You are turned like a brass screw and rust
In the armpits of sparkling waves.......Epitaph of a sunken ship
A name swathed in fish scales
Sloughs off fleshy curves.......Art of cloistering jellyfish

This blank expanse called water.......Turns sweet
Is called old.......Sunlight with the pull of a magnet
Ten summers in your lungs
Trims back.......The black water level in a haemorrhaging garden
Reflections in the harbour dance upside down
Trying to remember.......A nature like yours someone had left behind
Gulping down a glass of sour self-brewed beer in the kitchen
Like pouring it into the sink.......The graduate skeleton spits out
another zero

(translated by Mabel Lee)

§

Eu já conhecia o nome do poeta irlandês Matthew Sweeney, sua fama, algo de sua poesia. Ele mostrou-se muito mais agradável que sua reputação. Sua leitura causou certa celeuma, com poemas tocando na questão palestina. Belo companheiro para a mesa do restaurante e o copo de vinho. Matthew Sweeney nasceu na pequena cidade irlandesa de Donegal, em 1952.



Sanctuary
Matthew Sweeney

Stay awhile. Don't go just yet.
The sirens are roaming the streets,
the stabbing youths are out in packs,
there's mayhem in the tealeaves.
You're much better off staying here.
I have a Bordeaux you'll like,
let's open it. (I've a second bottle, too.)
And a goat's cheese to fast for,
and a blue from the Vale of Cashel —
and the source of the bread stays secret.
Was I expecting you to stay?
No, I always eat like this.
Hear that — wasn't it a gunshot?
Come closer, turn the music up.
Maybe we should dim the lights.
Let's clink our glasses to each other
if no better toast comes to mind.
I told you you'd ooh! at the cheese —
here, have some more. A top up?
You're the kind of girl I like.
Listen, that was definitely a bomb.
Maybe the civil war has started,
the one they've all been promising.
Well, there's nowhere to go now,
so let's kill the lights and retire.

§

Seria impossível escrever sobre todos os poetas aqui, de uma só vez. Tentarei, nas próximas semanas, traduzir alguns deles para o português, encontrar mais informação sobre outros, como a grande dama do festival, a suíça Ilma Rakusa, ou os jovens Aleš Šteger (Eslovênia), Elisa Biagini (Itália), Raphael Urweider (Suíça), Elena Fanailova (Rússia).

Gostaria de poder dizer algo sobre os poetas árabes presentes, mas a tradução para o inglês de seus poemas não me pareceu confiável. Quero, porém, seguir o trabalho do poeta Saad Alush, nascido em 1979 no Kuwait.

Arquivo do blog