A noite de abertura sempre concentra as "estrelas" do festival. A grande estrela deste ano, sem dúvida, era o cingalês-canadense Michael Ondaatje, que eu, sinceramente, nem sabia que escrevia poesia, sendo famoso como o autor de um romance que virou filme, The English Patient, de 1992. Uma pesquisa rápida mostrou-me esta semana que ele publicou, na verdade, mais volumes de poemas que romances, estreando como poeta no início da década de 60, com volumes como Social Call (1962) e The Dainty Monsters (1967). Seus textos e sua leitura me pareceram elegantes.
The Cinnamon Peeler
Michael Ondaatje
If I were a cinnamon peeler
I would ride your bed
and leave the yellow bark dust
on your pillow.
Your breasts and shoulders would reek
you could never walk through markets
without the profession of my fingers
floating over you. The blind would
stumble certain of whom they approached
though you might bathe
under rain gutters, monsoon.
Here on the upper thigh
at this smooth pasture
neighbor to your hair
or the crease
that cuts your back. This ankle.
You will be known among strangers
as the cinnamon peeler's wife.
I could hardly glance at you
before marriage
never touch you
-- your keen nosed mother, your rough brothers.
I buried my hands
in saffron, disguised them
over smoking tar,
helped the honey gatherers...
When we swam once
I touched you in water
and our bodies remained free,
you could hold me and be blind of smell.
You climbed the bank and said
this is how you touch other women
the grasscutter's wife, the lime burner's daughter.
And you searched your arms
for the missing perfume.
and knew
what good is it
to be the lime burner's daughter
left with no trace
as if not spoken to in an act of love
as if wounded without the pleasure of scar.
You touched
your belly to my hands
in the dry air and said
I am the cinnamon
peeler's wife. Smell me.
§
Para mim, no entanto, a grande atração da noite de abertura era o chileno Raúl Zurita. Traduzi um longo poema do chileno, intitulado "Áreas verdes", para o segundo número impresso da Modo de Usar & Co., publicado em 2009. Gosto bastante do trabalho dele, ainda que ele esteja um pouco distante da nossa sensibilidade poética brasileira do pós-guerra. Na verdade, sua leitura confirmou esta sensação. Ouvindo-o esbravejar seu poema para a sua "mátria" Chile, contra a ditadura, eu me encolhia na cadeira, sentindo em cada fibra do meu ser como a timidez elegante, discrição e postura sem ênfase de homens como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos influenciaram nossa recepção-expectativa para a poesia. Lembro-me de conversar com poetas argentinos no Festival de Poesia de Buenos Aires, em 2006, e ouvi-los reclamar que os chilenos lhes pareciam grandiloquentes demais. Quando perguntaram minha opinião, lembro de ter respondido: "Meus caros, eu sou brasileiro, para um brasileiro o simples ato de levantar-se da cadeira já parece grandiloquência poética demais." Lembrem-se que isto está vindo de alguém obcecado pelo assunto da importância da oralidade. Parece-me apenas muito interessante como nossas posturas são diferentes. O Chile abriga alguns dos poetas mais importantes da América Latina hoje, desde veteranos como Nicanor Parra, Gonzalo Rojas e o próprio Raúl Zurita, até chegar a poetas como Sergio Parra, o impressionante Yanko González e uma das figuras mais interessantes da jovem poesia latino-americana: o não menos impressionante Héctor Hernández Montecinos. Há um texto de Roberto Bolaño em que este revisita seus mestres, elogiando e se distanciando, em que ele menciona justamente o messianismo de Raúl Zurita, algo que incomodava Bolaño em relação à poesia chilena. O último livro de Montecinos, ao que tudo indica, parece voltar os olhos para esta mesma discussão, com o volume La Poesía Chilena Soy Yo (2009). Nós, brasileiros do século XXI, com mestres como Oswald, Drummond ou Cabral, parecemos ter uma relação muito diferente com nossa identidade nacional e também com a história recente do Brasil. No caso da relação com a ditadura, talvez as relações sejam opostas. Se o Brasil parece viver em constante negação de seu passado ditatorial, sem mostrar-se disposto a rever algumas das estruturas que permaneceram daquela época, o Chile parece não poder seguir adiante antes de curar cada ferida daquele período tenebroso. Não sei. Talvez as duas atitudes sejam pouco saudáveis, pois a sensação que tenho, por vezes, é que no Brasil faz-se com que a ditadura explique muito pouco e, no Chile, que ela explique demais. De qualquer maneira, Zurita segue sendo admirável.
§
Voltando à noite de abertura do festival, outra poeta que me interessou muito na leitura foi a americana Cole Swensen. Ela nasceu na Califórnia, onde formou-se e ensina Literatura Comparada. Alguns a associam ao grupo de poetas da San Francisco Bay Area, muitos deles Language poets oficiais.
that shade is dearer than fruit and the trees be not bitter ones let them
not be
bitter please
pass me the sun
There were three distinct types of medieval garden: ornamental, orchard, and
ones populated by animals and birds where we’re allowed only in shadow and
falter
walking on windows: hortus in which viridarium; virgultum; Espalier the king
or peach with its
branches so arranged
that the ripening fruit mimes
constellations and passes through the entire zodiac in all the proper steps
: must be grafted, apple, pear,
manor, and
there go the deer! There were
carefully selected and ornamented spots for viewing
all of geometry
devolved from planting
the three:four:five triangular section sang at night: O
Master of the Embroidered Foliage painting his eyeball green we were walking
through the fine tissue of which the ripping sound at the back of the picture
on the bottom of the world that
we could live here
gardinum
hundreds
of acres set aside for watching animals.
§
Houve também uma apresentação da poeta sonora israelense Anat Pick. Para dar uma ideia de seu trabalho, encontrei este vídeo na Rede.
§
Os outros poetas foram os alemães Elke Erbe e Michael Krüger, o russo Dmitry Golinko, o excelente poeta chinês Yang Lian, com quem li no Festival Internacional de Poesia de Dubai e sobre o qual já escrevi neste espaço, e o congolês Nina Kibuanda.
Relatarei mais assim que puder.
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