sábado, 31 de maio de 2008
Poesia em fuga da Alcatraz de papel: parte 2
("Lo ferm voler qu´el cor m´intra", de Arnaut Daniel, interpretada por Thomas Binkley e o Studio der Fruehen Musik)
Performance moderna para um poema provençal, sem acompanhá-la de seu texto original occitano ou qualquer tradução, material encontrável na teia mundial de computadores (e, no Brasil, a partir do trabalho primoroso de divulgação empreendido por Augusto de Campos), buscando não contribuir para certa “distorção e cerceamento literários” por que passou o trabalho poético dos trovadores, num processo cultural em que a escrita sobrepôe-se ao oral a partir do Renascimento, levando-nos a privilegiar certos aspectos do trabalho poético em detrimento de outros, e que levou a Literatura a se tornar o único reservatório respeitável para a poesia, devido às possibilidades de divulgação e armazenamento do arcabouço lingüístico e, “portanto”, poético, que o papel apresentou por séculos.
Assim, no caso específico dos trovadores, foram estudados por muito tempo apenas seus textos sobreviventes em manuscritos por ter-se perdido ou desconhecer a notação musical de seus poemas, o que viria a gerar características muito específicas para o trabalho poético, transformando-o a ponto de nos esquecermos que em outros momentos a poesia significou algo distinto do meramente literário. É um milagre histórico que a acumulação dos esforços de pesquisa e estudos críticos de homens e mulheres apaixonados pela poesia dos trovadores, unidos às possibilidades tecnológicas da era digital, possam levar a prática poética de hoje a uma redescoberta da saúde luzidia do medievo. É apenas natural que, nas mãos de poetas, estas novas tecnologias levem a experimentos que são, em muitos casos, simplesmente um retorno e redescoberta de aspectos do trabalho poético que apenas permaneceram dormentes ou desprestigiados em meio à cultura que elegeu a literatura, este cômodo solitário da casa da poesia, como único espaço habitável para o poeta de respeito.
É neste processo que as características completas do trabalho poético de alguém como Arnaut Daniel, que nele funcionavam com o propósito de gerar e garantir uma PERFORMANCE TESA, passam a ser lidas por nossa cultura literária como ESCRITA CONCRETA, um de seus aspectos parciais, privilegiado como único. Sei que isto pode facilmente ser lido como mera tentativa de polemizar, mas creio que as implicações de tal processo têm conseqüências incontornáveis para o trabalho poético contemporâneo, apenas vislumbradas na escolha entre adjetivos como “teso” ou “concreto” (ainda que seja apenas saudável lembrarmo-nos que, ao dizer “poesia concreta”, este “concreta” é um adjetivo).
Não há motivos para erguer novas trincheiras entre o oral e o escrito ou reabrir debates considerados por muitos como encerrados. Penso na advertência de Paul Zumthor:
“Tanto não se pode mais definir a oralidade removendo certas características da escrita quanto reduzir a escrita a uma transposição do oral.”
As novas configurações poéticas contemporâneas, que voltaram a privilegiar aspectos da poesia esquecidos ou por muito tempo desrespeitados, vão muito além da questiúncula brasileira sobre a inclusão ou exclusão de letristas de música popular no famigerado e moribundo cânone, que ainda segue parâmetros críticos dos séculos XVIII e XIX. Não quero apenas aferrar ainda mais as disputas de prestígio cultural entre letristas e escritores. A escolha de um trabalho de Arnaut Daniel é também pontual para participar deste debate por ser um exemplo de poeta-performer que não descuidava da escrita, a garantia para atingir sua poesia-performance tesa, densa e concreta: escolha seu adjetivo favorito e compreenda as conseqüências. Após séculos de prática da poesia como “produto da escrita”, não deixará de ser traumático para os poetas contemporâneos meditarem sobre a proposição, segundo Zumthor, de que o uso da escrita “implies a disjunction between thought and action, a deep-seated nominalism, related to a weakening of language qua language, the predominance of a linear conception of time and a cumulative notion of space, individualism, rationalism, bureaucracy.”
È incrível, no entanto, que poetas contemporâneos sigam respeitando um sistema poético-literário monológico e unívoco, que limita o trabalho do poeta a apenas um dos seus muitos campos de atuação possíveis, que poderiam ser fincados numa tradição muito mais pluralista do que imaginamos. A própria pergunta, no caso do debate brasileiro, se “letras-de-música” são “poesia”, já denuncia o erro que se instala no debate a partir da própria pergunta, desde o princípio. Pois, ao perguntar se uma letra-de-música é um poema, o que se está realmente a perguntar não é sequer se uma letra-de-música FUNCIONA como poema (tal qual o conhecemos filtrado por uma cultura que privilegia a escrita), mas se letras-de-música podem ser considerados trabalhos válidos da Literatura, pergunta que eu pessoalmente começaria a responder a partir de minha crença firme de que a literatura é apenas um dos campos de ação da poesia, e não o contrário.
Se algumas características da poesia podem gerar oposições ao se apresentarem em extremos opostos do espectro poético, manifestando-se nos prismas VISUAL ou SONORO, não se pode esquecer toda a liberdade existente nas gradações que os unem, além de lembrarmo-nos da passagem do ABC of Reading em que Pound relata a pergunta feita a ele por um músico: se não haveria um único poeta em que todas as características do “poético” se manifestam, como ele afirmava ver o “musical” em Bach. Pound responde que não, que tal poeta “completo” não existe. No entanto, acredito que as novas possibilidades da era digital podem levar o trabalho poético a retornar a uma harmonia e pluralidade apenas sonhadas pelos grupos no Brasil (Noigandres), Áustria (Grupo de Viena), Estados Unidos (Beats, Black Mountain, Ethnopoetics, Spicer Circle e New York School) ou França (Lettristes), que retomaram as estratégias das vanguardas, consideradas em muitos casos como destruidoras da tradição, mas que poderiam ser vistas como retornos a tradições esquecidas. Penso na relação da poesia dadaísta, por exemplo, com as fatrasies medievais francesas ou a poesia sonora do passado, tanto a dos trovadores quanto a tradição do port à beul ou mesmo da poesia xamânica. A descrição de Hugo Ball da noite de estréia de sua poesia fonética no Cabaret Voltaire, quando oralizou pela primeira vez seu poema Karawane, é interessante para esta discussão.
Infelizmente, não creio que isto vá acalmar as sereias histéricas que temem e profetizam a morte da poesia, preocupadas em proteger sua manifestação livresca, como se esta fosse a sua Ursprung/Gênesis. Ora, que se descabelem enquanto colamos nos muros da cidade o design de nossas intervenções verbais e cantamos, vocalizando com todo o corpo nossos poemas. Que espalhemos estes trabalhos em livros ou pela internet, sem esquecer: que sejam bem-escritos.
Terminando com mais palavras de Paul Zumthor:
“Each time, in fact, a part of a poetic communication passes from one register to another (oral/written), a radical but rarely perceptible mutation is produced at the linguistic level. A poem composed in writing but “performed” orally is thereby changed both in nature and in function to the same extent that an oral poem collected and disseminated by writing changes in the exact opposite fashion. It so happens that the mutation remains virtual, buried in the text like hidden riches all the more marvellous for being undiscovered: the feeling that while reading them with one´s own eyes, there is an intensity that urges them to be enunciated, that there is a full-bodied voice vibrating somewhere at the origins of their inscription.”
Paul Zumthor, “Oral Poetry: An Introduction”
ARNAUT DANIEL::::
Sabe-se que Arnaut Daniel nasceu no castelo de Ribérac, em Périgord entre 1150 e 1160 e morreu por volta de 1210, chegando a ser ainda em vida um dos poetas mais conhecidos de sua época e continente. Seu trabalho é considerado um dos exemplos mais perfeitos da poesia provençal que floresceu a partir de 1100 (em sua primeira manifestação conhecida por nós, na poesia de Guilherme da Aquitânia) e entra em declínio no século XIV, desaparecendo por volta de 1350, em meio à turbulência apocalíptica da Grande Peste que matou 75 milhões de pessoas entre 1347 e 1351, transformando estruturas socias e sacudindo em terremoto a cultura e o mundo europeus que geraram a poesia dos trovadores.
É mais provável que a poesia dos trovadores não tenha começado com Guilherme IX da Aquitânia (1071 – 1126), mas tenha neste período de pouco mais de dois séculos conhecido seu apogeu e extinção.
Um século após a morte de Arnaut Daniel, seu nome seguia vivo entre os poetas que herdaram sua tradição, quando Dante Alighieri o chama de „il miglior fabbro“ e quebra a unidade lingüística da Divina Comédia para permitir que Arnaut Daniel fale no purgatório, onde estava por seus pecados de luxúria, em sua própria língua, o occitano, chamado geralmente de provençal, irmanado ao catalao moderno e ainda falado pelos mais velhos em algumas de suas regiões européias de origem.
Apenas 18 de suas composições sobreviveram, mas Arnaut Daniel seria capaz de manter sua influência e mestrado sobre poetas do futuro a partir dos manuscritos de seus textos, chegando a poetas modernos de línguas e culturas distintas, como Ezra Pound, Joan Brossa e Augusto de Campos.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
sons/sounds/sonidos en YUXTAPOSICIONES - Madrid
This coming week, sim, esta semana, 29 & 30/ MAI / 2008, in/em Madri(d):
Festival Yuxtaposiciones de (Poli)Poesía.
Muito feliz por poder rever e vocalizar mais uma vez com (my dearest) NORA GOMRINGER (Suiça/Alemanha, sim, do clâ Gomringer) e el senhor JOSEP PEDRALS (Catalunha aka Espanha) no mesmo festival. Muito orgulhoso por poder conhecer W. MARK SUTHERLAND (Canadá) pessoalmente e ainda ALBERT PLA (Catalunha - como espaço lingüístico). A primeira vez que li/ou/vi seu nome foi no blog do poeta gaúcho Marcelo Noah, que sempre posta las cositas mais refrescantes em sua Nave Vazia.
Apresenta-se ainda o poeta multimídia mexicano Eugenio Tisselli.
Abaixo, umas pitadas e aperitivos das criaturas.
NORA GOMRINGER
===============================
ALBERT PLA
============================
W. MARK SUTHERLAND
=========================================
JOSEP PEDRALS
======================================
EUGENIO TISSELLI
================================================
Vocês devem estar se perguntando o que euzinho estou fazendo entre estes profissionais do som, euzinho ainda tão preso ao papel. Vou mostrar algumas peças sonoras (como as Six Songs of Causality) e vídeos (como Potlatch), além de colaborações como esta:
(Eustachian Tube in Staccato: texto e vocalização de Ricardo Domeneck
em composição sonora de Joseph Ashworth)
programa YUXTAPOSICIONES'08
conferencias audiovisuales
jueves 29 y viernes 30 de mayo
sala audiovisual (aforo limitado)
19:30 horas - jueves 29 - RUI TORRES
Lo analógico en lo digital, lo nuevo en lo viejo:
reflexiones acerca de la experimentación poética en el medio digital
19:30 horas - viernes 30 - LIS COSTA
Poesía pública en Barcelona
recitales
jueves 29 y viernes 30 de mayo
patio
21 horas - jueves 29 - JOSEP PEDRALS
21:45 horas - jueves 29 - NORA GOMRINGER
22:30 horas - jueves 29 - MARK SUTHERLAND
21 horas - viernes 30 - RICARDO DOMENECK
21:45 horas - viernes 30 - EUGENIO TISSELLI
22:30 horas - viernes 30 - ALBERT PLA
otras actividades
del 27 al 31 de mayo
entre actuaciones - de 19 a 22 horas - jueves 29 y viernes 30 (patio)
TEXTBOX / UN POETA, UNA VENTANA
22 horas - sábado 31 (patio)
POETRY SLAM
La voz del Festival: HUMANIMALIDAD (revista)
talleres
del 27 al 30 de mayo - de 17 a 19:30 horas - GONZALO ESCARPA:
Laboratorio de creación poética
25 € - con selección previa
del 29 al 30 de mayo - de 17 a 19:30 horas - EUGENIO TISSELLI:
Midipoet: texto e imagen en movimiento
15 € - con selección previa
Yuxtaposiciones’08. Microfestival de poesía y polipoesía
Fechas: jueves 29 y viernes 30 + sábado 31 de mayo de 2008
LA CASA ENCENDIDA - MADRID
Ronda Valencia, 2 28012 Madrid - Tfno. 902 43 03 22 / Fax: +34 91 506 38 76
Festival Yuxtaposiciones de (Poli)Poesía.
Muito feliz por poder rever e vocalizar mais uma vez com (my dearest) NORA GOMRINGER (Suiça/Alemanha, sim, do clâ Gomringer) e el senhor JOSEP PEDRALS (Catalunha aka Espanha) no mesmo festival. Muito orgulhoso por poder conhecer W. MARK SUTHERLAND (Canadá) pessoalmente e ainda ALBERT PLA (Catalunha - como espaço lingüístico). A primeira vez que li/ou/vi seu nome foi no blog do poeta gaúcho Marcelo Noah, que sempre posta las cositas mais refrescantes em sua Nave Vazia.
Apresenta-se ainda o poeta multimídia mexicano Eugenio Tisselli.
Abaixo, umas pitadas e aperitivos das criaturas.
NORA GOMRINGER
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ALBERT PLA
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W. MARK SUTHERLAND
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JOSEP PEDRALS
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EUGENIO TISSELLI
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Vocês devem estar se perguntando o que euzinho estou fazendo entre estes profissionais do som, euzinho ainda tão preso ao papel. Vou mostrar algumas peças sonoras (como as Six Songs of Causality) e vídeos (como Potlatch), além de colaborações como esta:
(Eustachian Tube in Staccato: texto e vocalização de Ricardo Domeneck
em composição sonora de Joseph Ashworth)
programa YUXTAPOSICIONES'08
conferencias audiovisuales
jueves 29 y viernes 30 de mayo
sala audiovisual (aforo limitado)
19:30 horas - jueves 29 - RUI TORRES
Lo analógico en lo digital, lo nuevo en lo viejo:
reflexiones acerca de la experimentación poética en el medio digital
19:30 horas - viernes 30 - LIS COSTA
Poesía pública en Barcelona
recitales
jueves 29 y viernes 30 de mayo
patio
21 horas - jueves 29 - JOSEP PEDRALS
21:45 horas - jueves 29 - NORA GOMRINGER
22:30 horas - jueves 29 - MARK SUTHERLAND
21 horas - viernes 30 - RICARDO DOMENECK
21:45 horas - viernes 30 - EUGENIO TISSELLI
22:30 horas - viernes 30 - ALBERT PLA
otras actividades
del 27 al 31 de mayo
entre actuaciones - de 19 a 22 horas - jueves 29 y viernes 30 (patio)
TEXTBOX / UN POETA, UNA VENTANA
22 horas - sábado 31 (patio)
POETRY SLAM
La voz del Festival: HUMANIMALIDAD (revista)
talleres
del 27 al 30 de mayo - de 17 a 19:30 horas - GONZALO ESCARPA:
Laboratorio de creación poética
25 € - con selección previa
del 29 al 30 de mayo - de 17 a 19:30 horas - EUGENIO TISSELLI:
Midipoet: texto e imagen en movimiento
15 € - con selección previa
Yuxtaposiciones’08. Microfestival de poesía y polipoesía
Fechas: jueves 29 y viernes 30 + sábado 31 de mayo de 2008
LA CASA ENCENDIDA - MADRID
Ronda Valencia, 2 28012 Madrid - Tfno. 902 43 03 22 / Fax: +34 91 506 38 76
terça-feira, 20 de maio de 2008
Blevin Blectum (live) @ berlin hilton on May 21st, 2008
Tomorrow, May 21st, BLEVIN BLECTUM performs at berlin hilton.
Bevin Kelley aka Blevin Blectum is an electronic musician, one half of the recently resuscitated digital duo 'blectum from blechdom' (with Kevin Blechdom) and has released acclaimed solo albums on the labels Phthalo (PIRATE PLANETS), Deluxe (TALON SLALOM), and Praemedia (MAGIC MAPLE). Her new solo release GULAR FLUTTER is now out on AAGOO Records. Blevin Blectum comes from a musical family, and she studied the violin during her youth. At Mills College, she partnered with Kevin Blechdom, winning an Award of Distinction for digital music at the Prix Ars Electronica. Shortly thereafter, the duo split up. Blectum continued her music work, releasing solo records and also performing as part of Sagan with her husband J Lesser and Wobbly. Blevin Blectum lives in Rhode Island, United States.
berlin hilton is organized by
Ricardo Domeneck (DJ Kate Boss), Oliver Krueger (DJ OL!) and Viktor Neumann
every Wednesday. Doors open at 22:39
Neue Berliner Inititiative - NBI
Schoenhauser Alle 36. Berlin.
Bevin Kelley aka Blevin Blectum is an electronic musician, one half of the recently resuscitated digital duo 'blectum from blechdom' (with Kevin Blechdom) and has released acclaimed solo albums on the labels Phthalo (PIRATE PLANETS), Deluxe (TALON SLALOM), and Praemedia (MAGIC MAPLE). Her new solo release GULAR FLUTTER is now out on AAGOO Records. Blevin Blectum comes from a musical family, and she studied the violin during her youth. At Mills College, she partnered with Kevin Blechdom, winning an Award of Distinction for digital music at the Prix Ars Electronica. Shortly thereafter, the duo split up. Blectum continued her music work, releasing solo records and also performing as part of Sagan with her husband J Lesser and Wobbly. Blevin Blectum lives in Rhode Island, United States.
berlin hilton is organized by
Ricardo Domeneck (DJ Kate Boss), Oliver Krueger (DJ OL!) and Viktor Neumann
every Wednesday. Doors open at 22:39
Neue Berliner Inititiative - NBI
Schoenhauser Alle 36. Berlin.
domingo, 18 de maio de 2008
Justice?
The new Justice video, directed by Romain Gavras for the song "Stress", is bound to set a few questions on the dusty table of pop music. Questions of politics in the current European state of affairs, but also questions on the attitude of both the duo Justice (Xavier de Rosnay and Gaspard Auge) and the director Romain Gavras in his "La Haine" depiction of desintegration through conflict in France. Known by their summer hits "We are your friends" (with Simian) and "D.A.N.C.E", Justice seems to be trying to tread two different paths and swim through opposing tides, profiting from their "pop-friendliness" while at the same time trying to keep a self-conscious attitude towards the marketing culture where their album skyrockets to pop heaven. I am aware that I might be actually reading Romain Gavras´s politics into Justice, but I believe this schizophrenia can be heard at the core of an album like "Waters of Nazareth" (Ed Banger Records). "Stress" is a brilliantly questionable video. But questions are quite necessary right now in the pop industry of temporary certainties.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
A Mula segue para Madri
Festival de (Micro)Poesía y Polipoesía YUXTAPOSICIONES en Madrid.
FESTIVAL YUXTAPOSICIONES EN LA CASA ENCENDIDA
29 y 30 de mayo
THURSDAY MAY 29th / JUEVES 29 DE MAYO
JOSEP PEDRALS (Spain)
Patio de La Casa Encendida
21:00
NORA GOMRINGER (Switzerland/Germany)
Patio de La Casa Encendida
21:45
MARK SUTHERLAND (Canada)
Patio de La Casa Encendida
22:30
FRIDAY MAY 30th / VIERNES 30 DE MAYO
RICARDO DOMENECK (Brazil/Germany)
Patio de La Casa Encendida
21:00
Ricardo Domeneck nació en São Paulo, Brasil, en 1977. Este poeta y videoartista vive en Berlín desde 2002, y allí edita la revista online Hilda e interviene semanalmente en el club Neue Berliner Initiative. Su trabajo oscila entre la escritura, el spoken word y el video. En sus lecturas reúne todos estos elementos.
Domeneck ha publicado dos colecciones de poesía en Brasil: Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005) y a cadela sem Logos (Sao Paulo: Cosac Naify, 2007). No cree en la figura del "artista", sino más bien en la del "intervencionista". Siguiendo este espíritu, que reniega de la frontera que existe entre el "high art" y la cultura de masas, el poeta debe trabajar también como DJ, utilizando el collage, las técnicas de apropiacionismo y las estrategias del cabaret Dadá en sus eventos.
(excerptos de performance video-textual en Barcelona en deciembre de 2007, en el festival Berlín-Barcelona: Transferéncia Poética"
"Mula", colaboración entre Ricardo Domeneck (texto), Tetine (música y vocalización) y Eugen Braeunig (video) --- versión mínima preparada especialmente para el recital en Madrid.
EUGENIO TISSELLI (Mexico/France)
Patio de La Casa Encendida
21:45
ALBERT PLA (Spain)
Patio de La Casa Encendida
22:30
FESTIVAL YUXTAPOSICIONES EN LA CASA ENCENDIDA
29 y 30 de mayo
THURSDAY MAY 29th / JUEVES 29 DE MAYO
JOSEP PEDRALS (Spain)
Patio de La Casa Encendida
21:00
NORA GOMRINGER (Switzerland/Germany)
Patio de La Casa Encendida
21:45
MARK SUTHERLAND (Canada)
Patio de La Casa Encendida
22:30
FRIDAY MAY 30th / VIERNES 30 DE MAYO
RICARDO DOMENECK (Brazil/Germany)
Patio de La Casa Encendida
21:00
Ricardo Domeneck nació en São Paulo, Brasil, en 1977. Este poeta y videoartista vive en Berlín desde 2002, y allí edita la revista online Hilda e interviene semanalmente en el club Neue Berliner Initiative. Su trabajo oscila entre la escritura, el spoken word y el video. En sus lecturas reúne todos estos elementos.
Domeneck ha publicado dos colecciones de poesía en Brasil: Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005) y a cadela sem Logos (Sao Paulo: Cosac Naify, 2007). No cree en la figura del "artista", sino más bien en la del "intervencionista". Siguiendo este espíritu, que reniega de la frontera que existe entre el "high art" y la cultura de masas, el poeta debe trabajar también como DJ, utilizando el collage, las técnicas de apropiacionismo y las estrategias del cabaret Dadá en sus eventos.
(excerptos de performance video-textual en Barcelona en deciembre de 2007, en el festival Berlín-Barcelona: Transferéncia Poética"
"Mula", colaboración entre Ricardo Domeneck (texto), Tetine (música y vocalización) y Eugen Braeunig (video) --- versión mínima preparada especialmente para el recital en Madrid.
EUGENIO TISSELLI (Mexico/France)
Patio de La Casa Encendida
21:45
ALBERT PLA (Spain)
Patio de La Casa Encendida
22:30
quinta-feira, 15 de maio de 2008
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Bruce Andrews
“Rewriting the social body – as a body-to-body transaction: to write into operation a ´reading body` which is more & more self-avowedly social. Lay bare the device, spurn the facts as not self-evident. A V-effect, to combat the obvious; to stand out = to rebel; counter-embodiment, with our ´paper bullets of the brain.` All this points to a look at language as medium – in two respects: first, as a sign system; second, as discourse or ideology.“ - Bruce Andrews
terça-feira, 13 de maio de 2008
Augusto de Campos e Angélica Freitas
Click, mon semblable, on the setarrow abajo para ou/ver & lisseen oh! tipo de August of Fields que m´interessa more & more
Y aqui, mon frére, um poema, yeah a poem, ein Gedicht von Angélica Freitas, roubado das eletrônicas pápápáginas do blog do jornal caRioca The Globe.
poeta
1.
eu não sou poeta
poetas se afogam
em lagos, dylan
disse
se os lagos
cuspissem
livros
seria o bastante
para deixar
disso
2.
se os patos
nadassem
sobre o
cadáver
nada
3.
com pedras
no bolso
do casaco
pesa
4.
com patos
com pedras
com pêsames
com pena
poeta
Y aqui, mon frére, um poema, yeah a poem, ein Gedicht von Angélica Freitas, roubado das eletrônicas pápápáginas do blog do jornal caRioca The Globe.
poeta
1.
eu não sou poeta
poetas se afogam
em lagos, dylan
disse
se os lagos
cuspissem
livros
seria o bastante
para deixar
disso
2.
se os patos
nadassem
sobre o
cadáver
nada
3.
com pedras
no bolso
do casaco
pesa
4.
com patos
com pedras
com pêsames
com pena
poeta
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Bebelplatz, 10. Mai 1933
No dia 10 de maio de 2008, completaram-se 75 anos da noite em que livros foram queimados numa grande fogueira em Berlim, na Bebelplatz, na frente da Universidade Humboldt. O tom da "comemoração" e memorial do evento aqui na Alemanha tomou, em alguns aspectos e em meio ao vozerio de boas intenções, o sussurro do eufemismo e da banalização espetacular, encabeçados pela epígrafe repetida inúmeras vezes neste contexto: a declaração do poeta judeu Heinrich Heine (1797 - 1856), que foi impedido em seu tempo de exercer a profissão que escolhera por ser judeu e morreu no exílio, banido por seu ativismo político, de que "wo man Bücher verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen", ou seja, "onde se queima livros, queima-se por fim também pessoas."
Pensei imediatamente em certos poemas visuais de Heimrad Bäcker, que trazem de forma clara à consciência política e poética a causalidade expressa na frase de Heine, que se fez verdadeiramente histórica na Alemanha nazista.
epitáfio (1) – 1989
documentos da história dos judeus de frankfurt (1933-1945), capítulos I 1 – XIV 15.
Nota: A expressão "nach dem osten nach dem osten" ao final deste primeiro poema pode ser traduzida como "para o leste para o leste".
epitáfio (2) – 1989
texto rotativo com abreviações dos nomes dos campos de concentração alemães de dachau, sachsenhausen, buchenwald, mauthausen, etc. (usadas para comunicação interna)
epitáfio (3) – 1986
plano ferroviário nr. 587 da direção geral da ostbahn (ferrovia do leste), do dia 15 de setembro de 1942: “trem especial para migrantes”
Nota: Sedziszow, Szydlowiec e Kosienice são cidades do interior da Polônia. O campo de extermínio de Treblinka é o mais conhecido dos quatro campos de extermínio da chamada “Operação Reinhard”, nome dado pelos nazistas para o programa de extermínio dos judeus poloneses. Treblinka foi o destino da grande maioria dos judeus do Gueto de Varsóvia. Entre julho de 1942 e setembro de 1943, cerca de 750.000 judeus foram assassinados no campo. Em agosto de 1943, cerca de 1.500 prisioneiros judeus iniciaram uma revolta. Tomando armas de pequeno porte e querosene, conseguiram incendiar a maior parte dos prédios do campo. Alguns soldados nazistas foram mortos na revolta, mas ao fim apenas algumas dezenas dos prisioneiros sobreviveram. O extermínio estava muito próximo de ser completado, mas após a revolta o campo de Treblinka tornou-se inoperável. O campo foi oficialmente fechado em novembro de 1943, após o fuzilamento do último grupo de prisioneiros (cerca de 40 meninas). O diretor do campo de extermínio de Treblinka, o austríaco Franz Stangl, fugiu para o Brasil, onde viveu por quase duas décadas usando seu nome verdadeiro e até mesmo registrado oficialmente no Consulado da Áustria em São Paulo, onde viveu. Só seria extraditado em 1967 e condenado pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças, assassinatos sobre os quais comentou de forma leviana: “Eu apenas fiz meu trabalho.”
9228 de sedziszow para treblinka
9229 trem vazio
9230 de szydlowiec para treblinka
9231 trem vazio
9232 de szydlowiec para treblinka
9233 trem vazio
9234 de kosienice para treblinka
9235 trem vazio
Heimrad Bäcker nasceu em Viena, Áustria. Estudou filosofia, sociologia e filologia germânica. Mudou-se mais tarde para Linz, onde passou a lecionar. Iniciou um trabalho de pesquisa histórica nos arquivos nazistas austríacos na década de 50. Começa a publicar seus textos na década seguinte, e entre 1968 e 1992 foi editor da revista neue texte, mais tarde transformada em editora, dedicada à literatura experimental. Morreu em Linz em 2003.
Estes 3 poemas visuais de Heimrad Bäcker foram compostos na década de 80, criados a partir de sua pesquisa histórica do extermínio de judeus pelos nazistas. Sua escolha é pelo silêncio pessoal de respeito e a apresentação de documentos que gritam por si mesmos. Os três poemas são chamados de "epitáfios".
tradução e notas de Ricardo Domeneck
Pensei imediatamente em certos poemas visuais de Heimrad Bäcker, que trazem de forma clara à consciência política e poética a causalidade expressa na frase de Heine, que se fez verdadeiramente histórica na Alemanha nazista.
epitáfio (1) – 1989
documentos da história dos judeus de frankfurt (1933-1945), capítulos I 1 – XIV 15.
Nota: A expressão "nach dem osten nach dem osten" ao final deste primeiro poema pode ser traduzida como "para o leste para o leste".
epitáfio (2) – 1989
texto rotativo com abreviações dos nomes dos campos de concentração alemães de dachau, sachsenhausen, buchenwald, mauthausen, etc. (usadas para comunicação interna)
epitáfio (3) – 1986
plano ferroviário nr. 587 da direção geral da ostbahn (ferrovia do leste), do dia 15 de setembro de 1942: “trem especial para migrantes”
Nota: Sedziszow, Szydlowiec e Kosienice são cidades do interior da Polônia. O campo de extermínio de Treblinka é o mais conhecido dos quatro campos de extermínio da chamada “Operação Reinhard”, nome dado pelos nazistas para o programa de extermínio dos judeus poloneses. Treblinka foi o destino da grande maioria dos judeus do Gueto de Varsóvia. Entre julho de 1942 e setembro de 1943, cerca de 750.000 judeus foram assassinados no campo. Em agosto de 1943, cerca de 1.500 prisioneiros judeus iniciaram uma revolta. Tomando armas de pequeno porte e querosene, conseguiram incendiar a maior parte dos prédios do campo. Alguns soldados nazistas foram mortos na revolta, mas ao fim apenas algumas dezenas dos prisioneiros sobreviveram. O extermínio estava muito próximo de ser completado, mas após a revolta o campo de Treblinka tornou-se inoperável. O campo foi oficialmente fechado em novembro de 1943, após o fuzilamento do último grupo de prisioneiros (cerca de 40 meninas). O diretor do campo de extermínio de Treblinka, o austríaco Franz Stangl, fugiu para o Brasil, onde viveu por quase duas décadas usando seu nome verdadeiro e até mesmo registrado oficialmente no Consulado da Áustria em São Paulo, onde viveu. Só seria extraditado em 1967 e condenado pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças, assassinatos sobre os quais comentou de forma leviana: “Eu apenas fiz meu trabalho.”
9228 de sedziszow para treblinka
9229 trem vazio
9230 de szydlowiec para treblinka
9231 trem vazio
9232 de szydlowiec para treblinka
9233 trem vazio
9234 de kosienice para treblinka
9235 trem vazio
Heimrad Bäcker nasceu em Viena, Áustria. Estudou filosofia, sociologia e filologia germânica. Mudou-se mais tarde para Linz, onde passou a lecionar. Iniciou um trabalho de pesquisa histórica nos arquivos nazistas austríacos na década de 50. Começa a publicar seus textos na década seguinte, e entre 1968 e 1992 foi editor da revista neue texte, mais tarde transformada em editora, dedicada à literatura experimental. Morreu em Linz em 2003.
Estes 3 poemas visuais de Heimrad Bäcker foram compostos na década de 80, criados a partir de sua pesquisa histórica do extermínio de judeus pelos nazistas. Sua escolha é pelo silêncio pessoal de respeito e a apresentação de documentos que gritam por si mesmos. Os três poemas são chamados de "epitáfios".
tradução e notas de Ricardo Domeneck
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Sound and image for the eyears of your minty mind
"Ciel inamputable" (1969), sound-text-composition by Ilmar Laaban (Tallinn, Estonia)
"Anthem" (1987), video by Bill Viola (New York, USA)
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Rosmarie Waldrop contra a falácia do neutro
especial para a Modo de Usar & Co.
Rosmarie Waldrop nasceu em Kitzingen, Alemanha em 1935 e emigrou para os Estados Unidos em 1958, quando já tinha mais de 20 anos de idade. Este é um dado importante na compreensão de sua poética, pois Waldrop faria dos choques lingüísticos e da desconfiança do signo em sua não-naturalidade algumas de suas matérias mais enriquecedoras. Em uma entrevista, Waldrop declarou sentir-se deslocada tanto na Alemanha quanto nos Estados Unidos, dizendo que seus fonemas embaralharam-se ao cruzar o Atlântico e que ela falava os dois idiomas com um sotaque, tanto o alemão quanto o inglês. Segundo ela, isto a salvava da ilusão de crer-se dominando qualquer língua, de ser "a master of language". Como "estrangeira", impedida de considerar meramente óbvia e natural a linguagem ao seu redor, com a qual os "outros" se comunicavam, incluindo seu marido, o poeta Keith Waldrop, a escritora e poeta Rosmarie Waldrop adota a língua do seu novo país e passa a fazer do princípio wittgensteiniano do "significado da palavra como o uso que se faz dela na língua" seu princípio poético formal mais determinante.
Além deste fator, haveria a consciência corporal de ser uma poeta do sexo feminino. No entanto, isto não viria a se manifestar em Rosmarie Waldrop como uma poética feminista conteudística ou militante, como vemos em uma poeta como Adrienne Rich. Em Waldrop, isto se tornaria um questionamento das estruturas da própria linguagem e das armadilhas sexistas contidas nela, ecoando a pergunta de Susan Howe em seu livro My Emily Dickinson:
"Quem policia questoes de gramática, partes do discurso, relação e conotação? A quem pertence a ordem enclausurada na estrutura de uma frase?"
"Who polices questions of grammar, parts of speech, connection, and connotation? Whose order is shut inside the structure of a sentence?"
Uma das pesquisas principais de Rosmarie Waldrop se tornaria o questionamento sintático e gramatical do que rege sentenças coordenadas e subordinadas, além da relação sujeito/objeto na língua, assim como Susan Howe se entregaria a uma poética de revisitação histórica, questionando em seus poemas-ensaios até mesmo decisoes editoriais na publicação das obras de Emily Dickinson e Herman Melville. Em uma conversa-entrevista com a poeta Joan Retallack (em que cita A Paixao segundo GH, de Clarice Lispector, como exemplo da prosa que ela admira), Waldrop diz:
"Eu adoro incluir o corpo em minha escrita, especialmente para subverter idéias como "pensamento puro". Ao mesmo tempo eu sou, é claro, alérgica ao estereótipo da mulher como mero corpo."
"I love getting the body into my writing, especially to subvert ideas like “pure thought.” At the same time I’m of course allergic against the stereotype, of the woman as sheer body."
É importante ressaltar que se trata de uma das poetas experimentais mais radicais da poesia americana contemporânea, ligada aos grupos de vanguarda da década de 70 e 80, que não escreve uma poesia facilmente classificada de feminista, mas que ao mesmo tempo não se acanha perante a questão da sexualidade e sua contextualização histórica na poesia.
A discussão de gênero no Brasil é feita detrás de trincheiras de arame farpado, entregando-se ao próprio dualismo que a discussão deveria estar questionando. De um lado, aqueles que se crêem defensores da liberdade literária em sua pseudo-universalidade, querendo defender o Olimpo (feche os olhos e imagine a cor do mármore) da invasão de bárbaros defensores dos direitos dos gays, das mulheres, dos negros, dos pobres, que inevitavelmente expulsariam alguns mestres por terem sido racistas, espancarem a esposa ou algo do gênero. Do outro lado, há os que infelizmente dão razão à "contextofobia" dos literatos, por se entregarem justamente a um discurso neo-determinista e pouco crítico-poético, que se baseia e concentra muito mais no extra-literário que na relação entre poesia e história, poesia e sociedade, como fizeram Benjamin, Kenner, Agamben, Howe, entre outros. Estes últimos exemplos de críticos, porém, deveriam bastar para mostrar que contextualização histórica não significa necessariamente engessamento e esterilidade poéticas. Os ensaios de Benjamin sobre Baudelaire ou Kafka, os ensaios de Kenner sobre os modernistas americanos (e em especial seu livro The Pound Era), os livros Infância e História de Giorgio Agamben ou My Emily Dickinson de Susan Howe são exemplos de pensadores que se entregaram com coragem ao debate, sem se perderem em dicotomias obsoletas que opôem estética e história ou, dentro desta última, sincronia e diacronia.
Assim, geralmente entra-se num acordo na busca pelo neutro. Ora, o neutro é justamente o que precisa ser evitado. Pois o neutro é a tática masculina, branca e heterossexual para manter-se no privilégio daquele que escreve a história e estebelece o padrão. É por isso que eu acredito que a busca de mulheres, negros, homossexuais (tomadas aqui como exemplos mais freqüentes do que é visto como minoritário e portanto oprimido ou excluído), além da construção de uma literatura feminina, negra e homossexual, seria em verdade muito mais eficiente na definição, sob os seus próprios parâmetros, da literatura e poesia feita por homens brancos heterossexuais. As mulheres poderiam, assim, questionar as hierarquias ao escreverem sobre a poética masculina, definindo a identidade masculina a partir de seus próprios padroes, assim como os negros definiriam o branco a partir dos seus, e os homossexuais definiriam o heterossexual, buscando uma outra forma de borrar estas fronteiras ou viver nelas, se for o caso, e não mais apenas desprezá-las por inconsciência político-po(É)tica de suas conseqüências. A esta altura do campeonato (quem está ganhando?), não se pode mais crer na ingenuidade do neutro.
Os homens brancos heterossexuais geralmente não se incomodam com a discussão enquanto ela trata apenas da busca por uma identidade feminina, não-branca ou homossexual, ou seja, desde que possam seguir fazendo sua literatura pseudo-universal. É quando sua própria identidade masculina, branca e heterossexual (hâ, nós temos uma? eles parecem perguntar-se) passa a ser contextualizada que o incômodo surge. Em uma entrevista à TV Cultura, ao ser perguntada sobre a "literatura feminina", a escritora Andréa del Fuego, respondendo que o rótulo é na maior parte das vezes usado para diminuir o trabalho das escritoras, acrescentou com inteligência: "Mas existe literatura de hominho também, vai!". Aí está a questão: os apêndices são usados apenas para o minoritário. No entanto, mesmo os autores masculinos, brancos e heterossexuais produzem literatura condicionada. Seria, neste sentido, po(É)ticamente interessante questionar a tática do neutro, usada pela historiografia literária.
Não defendo o retorno a uma espécie de determinismo nesta discussão. Nem que a qualidade literária seja abandonada em nome de um programa político racial ou sexual. O que interessa como adição e acréscimo ao debate po(É)tico é que a contextualização histórica da poesia possa também ser observada. Não se trata de revisão do cânone para incluir poetas ou escritores APENAS por serem negros, mulheres ou homossexuais. Mas nada impede que seja discutido o que rege a inclusão no cânone e o quanto os autores que já estão nele foram condicionados por sua posição social, relacionada ainda a sexo e cor.
Ninguém aqui precisa intimar alguém à leitura e audição do trabalho de Ricardo Aleixo, por exemplo, pelo fato do poeta ser negro. Devemos ler e ouvir e ver seu trabalho pela qualidade poética e artística intrínseca dele. No entanto, após observarmos e estabelecermos esta qualidade poética por uma discussão formal, interessa-me por temperamento entender de que maneira o trabalho poético de Ricardo Aleixo questiona e intervém em um contexto social brasileiro de exclusão racial e de um quase-apartheid da mentira da democracia racial. Interessa-me entender a poética de Ana Cristina César, Cláudia Roquette-Pinto e Juliana Krapp em seus aspectos formais, mas também de que maneira elas derrubam estereótipos que cercam o corpo e mente femininos, estabelecidos em discursos feitos por homens ao longo dos séculos. Penso na Clarice Lispector revertendo certos estereótipos em seus textos, num trabalho político sutil e iconoclasta, como o embaralhar do clichê da "mulher histérica com medo de baratas" em seus vários contos e romances (desde o conto de "como matar baratas" ao romance A Paixão segundo GH) ou o dito machista de que "o lugar da mulher é na cozinha", de onde ela dá aos machos-literatos do país um dos trabalhos mais intransponíveis de nossa literatura no conto "O ovo e a galinha". (Antes que os pseudo-universais chiem, já afirmo que não estou insinuando que estes trabalhos de Lispector limitem-se a isso). Desconheço quem leia Roberto Piva meramente por este ser homossexual. Ignorar sua homossexualidade, no entanto, em nome de um mero neutro literário universal, é perder de vista a implosão da lógica linear masculina e heterossexual em seus textos, nos quais é justamente esta pseudo-universalidade fictícia de trans-historicidade que se derruba, especialmente nos poemas de Piazzas e Abra os olhos e diga Ah!.
Interessa-me meditar sobre a maneira como estes autores questionam as categorias hierárquicas da Literatura, sem perder de vista seu trabalho, como diriam os literatos, formal. E não se trata de questionar a qualidade destes autores ou diminuí-los, mas é interessante perguntar também se, por exemplo, Joca Reiners Terron e Marcelo Mirisola escreveriam como escrevem se fossem homossexuais, e de que maneira isto condiciona o trabalho destes autores. A resposta óbvia aí está apenas para estabelecer este condicionamento do qual ninguém escapa. Citei nestes exemplos, de qualquer forma, apenas escritores e poetas que respeito, pois não se trata de regulamentar o processo de inclusão no cânone (a última coisa que desejo aos escritores que respeito é que venham a ser "leitura obrigatória" em algum vestibular de 2147), mas compreender de que maneira estes poetas e escritores, como Aleixo, Krapp, Piva ou Mirisola "regulamentam-se" em um meio lingüístico-social.
Nenhuma destas leituras exaure ou esgota um texto poético. No entanto, eu acredito que tampouco uma leitura meramente "formal" o possa fazer. É neste relacionamento extremamente complexo entre a poesia e seu contexto histórico mutante que reside tanto de seu fascínio.
Jamais sugeriria que o debate poético e literário "formal" seja suplantado por um mero debate de gêneros (ainda que a relação entre GENDER e GENRE ainda esteja à espera da crítica no Brasil) mas que este debate possa ser feito com uma maior consciência de sua contextualização histórica e política, sem a qual a poesia e a literatura retornam a uma mera instrumentalidade de formas, como simples prática de bom gosto, onde muitos hoje as querem.
-- Ricardo Domeneck.
POEMAS DE ROSMARIE WALDROP
Abaixo, tradução de um dos fragmentos em prosa do livro Reproduction of Profiles, seguida de arquivo de áudio com a leitura deste fragmento e outros por Rosmarie Waldrop, e o original do texto em inglês:
Eu inferira das imagens que o mundo era real e portanto pausara, pois quem sabe o que há de acontecer se falarmos a verdade enquanto subimos as escadas. De fato, eu tinha medo de seguir a imagem até onde ela se espraia na realidade, nela esticada como uma régua. Eu pensei que morreria se meu nome não me tocasse, ou apenas com sua extremidade, deixando o interior aberto a tantos sensores como chuva casual despencando das nuvens. Você riu e contou a todos que eu confundira a Torre de Babel com Noé em sua Embriaguez.
I had inferred from pictures that the world was real and therefore paused, for who knows what will happen if we talk truth while climbing the stairs. In fact, I was afraid of following the picture to where it reached out into reality, laid against it like a ruler. I thought I would die if my name didn’t touch me, or only with its very end, leaving the inside open to so many feelers like chance rain pouring down from the clouds. You laughed and told everyone that I had mistaken the Tower of Babel for Noah in his Drunkenness.
(from The Reproduction of Profiles, 1987)
Poema do livro The Agressive Ways of the Casual Stranger, o primeiro de Waldrop, publicado em 1972, em que se pode observar o trabalho da poeta com a relação entre sujeito/objeto a partir do sintático.
Entre
Eu não me sinto muito em casa
em qualquer lado do Atlântico
Eu não estou irritada os peixes
guardaram-me
um lar faz você esquecer
insciente
onde você está
a não ser que pense que gostaria de
estar nalgum lugar
Eu não penso que eu gostaria de estar
nalgum outro lugar
lugares são muito iguais
ciente
Eu estou nenhures
Eu estou de pé firme numa folha líquida
tocada de todos os lados
trocar seu país
não faz você
crescer (uma boneca alemã
como uma imagem da América?)
não faz você mudar tanto
que não se lembre
Eu me lembro
coisas são muito iguais
tão iguais
diferenças são farpadas
Eu experimento viver à distância
assistindo duma janela
imóvel
nem totalmente aqui
nem ali
uma criatura com pulmoes e guelras
Eu vivo em água rasa
mas
quando chove
Eu herdo a terra
(Tradução de Ricardo Domeneck)
Between
I´m not quite at home
on either side of the Atlantic
I´m not irritated the fish
kept me
a home makes you forget
unaware
where you are
unless you think you´d like
to be some place
I can´t think I´d like to be
some other place
places are much the same
aware
I´m nowhere
I stand securely in a liquid pane
touched on all sides
to change your country
doesn´t make you
grow (a German doll
into an image of America?)
it doesn´t make you chance so much
you can´t remember
I remember
things are much the same
so much the same
differences are barbed
I try out living at a distance
watching from a window
immobile
not all here
or there
a creature with gills and lungs
I live in shallow water
but when it rains
I inherit the land
(from The Aggressive Ways of the Casual Stranger, 1972)
Poema do livro Split Infinities, em que Waldrop entrega-se a uma poética de hesitação, evitando a fixação plurivocal semântica muitas vezes vista como única maneira possível de "carregar a linguagem de significado", como Pound
queria a literatura.
se um pássaro se
mui alto no ar
se frio se
precisamos se aderir se
uma estrada se rebatizada por
se cada se viagem
mais que um conjunto
se de trevas anjo nenhum
prenúncio nenhum
ainda mais adentro se
a voz do
cantor se
concebida se em dor
como se um pássaro
se em asas
(tradução de Ricardo Domeneck)
if a bird if
up into the air
if cold if
we must if adhere if
a road if renamed by
if each if traveling
more than one set
if of darkness no angel
no annunciation
deeper yet if
the singer´s
voice if
borne if by grief
as if a bird
if on wings
(from Split Infinities, 1998)
No link abaixo, é possível ler a conversa entre Rosmarie Waldrop e Joan Retallack, em que discutem o feminino na literatura, a relação entre GENDER e GENRE, e Waldrop cita o trabalho de Clarice Lispector:
Rosmarie Waldrop e Joan Retallack in conversation.
Rosmarie Waldrop nasceu em Kitzingen, Alemanha em 1935 e emigrou para os Estados Unidos em 1958, quando já tinha mais de 20 anos de idade. Este é um dado importante na compreensão de sua poética, pois Waldrop faria dos choques lingüísticos e da desconfiança do signo em sua não-naturalidade algumas de suas matérias mais enriquecedoras. Em uma entrevista, Waldrop declarou sentir-se deslocada tanto na Alemanha quanto nos Estados Unidos, dizendo que seus fonemas embaralharam-se ao cruzar o Atlântico e que ela falava os dois idiomas com um sotaque, tanto o alemão quanto o inglês. Segundo ela, isto a salvava da ilusão de crer-se dominando qualquer língua, de ser "a master of language". Como "estrangeira", impedida de considerar meramente óbvia e natural a linguagem ao seu redor, com a qual os "outros" se comunicavam, incluindo seu marido, o poeta Keith Waldrop, a escritora e poeta Rosmarie Waldrop adota a língua do seu novo país e passa a fazer do princípio wittgensteiniano do "significado da palavra como o uso que se faz dela na língua" seu princípio poético formal mais determinante.
Além deste fator, haveria a consciência corporal de ser uma poeta do sexo feminino. No entanto, isto não viria a se manifestar em Rosmarie Waldrop como uma poética feminista conteudística ou militante, como vemos em uma poeta como Adrienne Rich. Em Waldrop, isto se tornaria um questionamento das estruturas da própria linguagem e das armadilhas sexistas contidas nela, ecoando a pergunta de Susan Howe em seu livro My Emily Dickinson:
"Quem policia questoes de gramática, partes do discurso, relação e conotação? A quem pertence a ordem enclausurada na estrutura de uma frase?"
"Who polices questions of grammar, parts of speech, connection, and connotation? Whose order is shut inside the structure of a sentence?"
Uma das pesquisas principais de Rosmarie Waldrop se tornaria o questionamento sintático e gramatical do que rege sentenças coordenadas e subordinadas, além da relação sujeito/objeto na língua, assim como Susan Howe se entregaria a uma poética de revisitação histórica, questionando em seus poemas-ensaios até mesmo decisoes editoriais na publicação das obras de Emily Dickinson e Herman Melville. Em uma conversa-entrevista com a poeta Joan Retallack (em que cita A Paixao segundo GH, de Clarice Lispector, como exemplo da prosa que ela admira), Waldrop diz:
"Eu adoro incluir o corpo em minha escrita, especialmente para subverter idéias como "pensamento puro". Ao mesmo tempo eu sou, é claro, alérgica ao estereótipo da mulher como mero corpo."
"I love getting the body into my writing, especially to subvert ideas like “pure thought.” At the same time I’m of course allergic against the stereotype, of the woman as sheer body."
É importante ressaltar que se trata de uma das poetas experimentais mais radicais da poesia americana contemporânea, ligada aos grupos de vanguarda da década de 70 e 80, que não escreve uma poesia facilmente classificada de feminista, mas que ao mesmo tempo não se acanha perante a questão da sexualidade e sua contextualização histórica na poesia.
A discussão de gênero no Brasil é feita detrás de trincheiras de arame farpado, entregando-se ao próprio dualismo que a discussão deveria estar questionando. De um lado, aqueles que se crêem defensores da liberdade literária em sua pseudo-universalidade, querendo defender o Olimpo (feche os olhos e imagine a cor do mármore) da invasão de bárbaros defensores dos direitos dos gays, das mulheres, dos negros, dos pobres, que inevitavelmente expulsariam alguns mestres por terem sido racistas, espancarem a esposa ou algo do gênero. Do outro lado, há os que infelizmente dão razão à "contextofobia" dos literatos, por se entregarem justamente a um discurso neo-determinista e pouco crítico-poético, que se baseia e concentra muito mais no extra-literário que na relação entre poesia e história, poesia e sociedade, como fizeram Benjamin, Kenner, Agamben, Howe, entre outros. Estes últimos exemplos de críticos, porém, deveriam bastar para mostrar que contextualização histórica não significa necessariamente engessamento e esterilidade poéticas. Os ensaios de Benjamin sobre Baudelaire ou Kafka, os ensaios de Kenner sobre os modernistas americanos (e em especial seu livro The Pound Era), os livros Infância e História de Giorgio Agamben ou My Emily Dickinson de Susan Howe são exemplos de pensadores que se entregaram com coragem ao debate, sem se perderem em dicotomias obsoletas que opôem estética e história ou, dentro desta última, sincronia e diacronia.
Assim, geralmente entra-se num acordo na busca pelo neutro. Ora, o neutro é justamente o que precisa ser evitado. Pois o neutro é a tática masculina, branca e heterossexual para manter-se no privilégio daquele que escreve a história e estebelece o padrão. É por isso que eu acredito que a busca de mulheres, negros, homossexuais (tomadas aqui como exemplos mais freqüentes do que é visto como minoritário e portanto oprimido ou excluído), além da construção de uma literatura feminina, negra e homossexual, seria em verdade muito mais eficiente na definição, sob os seus próprios parâmetros, da literatura e poesia feita por homens brancos heterossexuais. As mulheres poderiam, assim, questionar as hierarquias ao escreverem sobre a poética masculina, definindo a identidade masculina a partir de seus próprios padroes, assim como os negros definiriam o branco a partir dos seus, e os homossexuais definiriam o heterossexual, buscando uma outra forma de borrar estas fronteiras ou viver nelas, se for o caso, e não mais apenas desprezá-las por inconsciência político-po(É)tica de suas conseqüências. A esta altura do campeonato (quem está ganhando?), não se pode mais crer na ingenuidade do neutro.
Os homens brancos heterossexuais geralmente não se incomodam com a discussão enquanto ela trata apenas da busca por uma identidade feminina, não-branca ou homossexual, ou seja, desde que possam seguir fazendo sua literatura pseudo-universal. É quando sua própria identidade masculina, branca e heterossexual (hâ, nós temos uma? eles parecem perguntar-se) passa a ser contextualizada que o incômodo surge. Em uma entrevista à TV Cultura, ao ser perguntada sobre a "literatura feminina", a escritora Andréa del Fuego, respondendo que o rótulo é na maior parte das vezes usado para diminuir o trabalho das escritoras, acrescentou com inteligência: "Mas existe literatura de hominho também, vai!". Aí está a questão: os apêndices são usados apenas para o minoritário. No entanto, mesmo os autores masculinos, brancos e heterossexuais produzem literatura condicionada. Seria, neste sentido, po(É)ticamente interessante questionar a tática do neutro, usada pela historiografia literária.
Não defendo o retorno a uma espécie de determinismo nesta discussão. Nem que a qualidade literária seja abandonada em nome de um programa político racial ou sexual. O que interessa como adição e acréscimo ao debate po(É)tico é que a contextualização histórica da poesia possa também ser observada. Não se trata de revisão do cânone para incluir poetas ou escritores APENAS por serem negros, mulheres ou homossexuais. Mas nada impede que seja discutido o que rege a inclusão no cânone e o quanto os autores que já estão nele foram condicionados por sua posição social, relacionada ainda a sexo e cor.
Ninguém aqui precisa intimar alguém à leitura e audição do trabalho de Ricardo Aleixo, por exemplo, pelo fato do poeta ser negro. Devemos ler e ouvir e ver seu trabalho pela qualidade poética e artística intrínseca dele. No entanto, após observarmos e estabelecermos esta qualidade poética por uma discussão formal, interessa-me por temperamento entender de que maneira o trabalho poético de Ricardo Aleixo questiona e intervém em um contexto social brasileiro de exclusão racial e de um quase-apartheid da mentira da democracia racial. Interessa-me entender a poética de Ana Cristina César, Cláudia Roquette-Pinto e Juliana Krapp em seus aspectos formais, mas também de que maneira elas derrubam estereótipos que cercam o corpo e mente femininos, estabelecidos em discursos feitos por homens ao longo dos séculos. Penso na Clarice Lispector revertendo certos estereótipos em seus textos, num trabalho político sutil e iconoclasta, como o embaralhar do clichê da "mulher histérica com medo de baratas" em seus vários contos e romances (desde o conto de "como matar baratas" ao romance A Paixão segundo GH) ou o dito machista de que "o lugar da mulher é na cozinha", de onde ela dá aos machos-literatos do país um dos trabalhos mais intransponíveis de nossa literatura no conto "O ovo e a galinha". (Antes que os pseudo-universais chiem, já afirmo que não estou insinuando que estes trabalhos de Lispector limitem-se a isso). Desconheço quem leia Roberto Piva meramente por este ser homossexual. Ignorar sua homossexualidade, no entanto, em nome de um mero neutro literário universal, é perder de vista a implosão da lógica linear masculina e heterossexual em seus textos, nos quais é justamente esta pseudo-universalidade fictícia de trans-historicidade que se derruba, especialmente nos poemas de Piazzas e Abra os olhos e diga Ah!.
Interessa-me meditar sobre a maneira como estes autores questionam as categorias hierárquicas da Literatura, sem perder de vista seu trabalho, como diriam os literatos, formal. E não se trata de questionar a qualidade destes autores ou diminuí-los, mas é interessante perguntar também se, por exemplo, Joca Reiners Terron e Marcelo Mirisola escreveriam como escrevem se fossem homossexuais, e de que maneira isto condiciona o trabalho destes autores. A resposta óbvia aí está apenas para estabelecer este condicionamento do qual ninguém escapa. Citei nestes exemplos, de qualquer forma, apenas escritores e poetas que respeito, pois não se trata de regulamentar o processo de inclusão no cânone (a última coisa que desejo aos escritores que respeito é que venham a ser "leitura obrigatória" em algum vestibular de 2147), mas compreender de que maneira estes poetas e escritores, como Aleixo, Krapp, Piva ou Mirisola "regulamentam-se" em um meio lingüístico-social.
Nenhuma destas leituras exaure ou esgota um texto poético. No entanto, eu acredito que tampouco uma leitura meramente "formal" o possa fazer. É neste relacionamento extremamente complexo entre a poesia e seu contexto histórico mutante que reside tanto de seu fascínio.
Jamais sugeriria que o debate poético e literário "formal" seja suplantado por um mero debate de gêneros (ainda que a relação entre GENDER e GENRE ainda esteja à espera da crítica no Brasil) mas que este debate possa ser feito com uma maior consciência de sua contextualização histórica e política, sem a qual a poesia e a literatura retornam a uma mera instrumentalidade de formas, como simples prática de bom gosto, onde muitos hoje as querem.
-- Ricardo Domeneck.
POEMAS DE ROSMARIE WALDROP
Abaixo, tradução de um dos fragmentos em prosa do livro Reproduction of Profiles, seguida de arquivo de áudio com a leitura deste fragmento e outros por Rosmarie Waldrop, e o original do texto em inglês:
Eu inferira das imagens que o mundo era real e portanto pausara, pois quem sabe o que há de acontecer se falarmos a verdade enquanto subimos as escadas. De fato, eu tinha medo de seguir a imagem até onde ela se espraia na realidade, nela esticada como uma régua. Eu pensei que morreria se meu nome não me tocasse, ou apenas com sua extremidade, deixando o interior aberto a tantos sensores como chuva casual despencando das nuvens. Você riu e contou a todos que eu confundira a Torre de Babel com Noé em sua Embriaguez.
I had inferred from pictures that the world was real and therefore paused, for who knows what will happen if we talk truth while climbing the stairs. In fact, I was afraid of following the picture to where it reached out into reality, laid against it like a ruler. I thought I would die if my name didn’t touch me, or only with its very end, leaving the inside open to so many feelers like chance rain pouring down from the clouds. You laughed and told everyone that I had mistaken the Tower of Babel for Noah in his Drunkenness.
(from The Reproduction of Profiles, 1987)
Poema do livro The Agressive Ways of the Casual Stranger, o primeiro de Waldrop, publicado em 1972, em que se pode observar o trabalho da poeta com a relação entre sujeito/objeto a partir do sintático.
Entre
Eu não me sinto muito em casa
em qualquer lado do Atlântico
Eu não estou irritada os peixes
guardaram-me
um lar faz você esquecer
insciente
onde você está
a não ser que pense que gostaria de
estar nalgum lugar
Eu não penso que eu gostaria de estar
nalgum outro lugar
lugares são muito iguais
ciente
Eu estou nenhures
Eu estou de pé firme numa folha líquida
tocada de todos os lados
trocar seu país
não faz você
crescer (uma boneca alemã
como uma imagem da América?)
não faz você mudar tanto
que não se lembre
Eu me lembro
coisas são muito iguais
tão iguais
diferenças são farpadas
Eu experimento viver à distância
assistindo duma janela
imóvel
nem totalmente aqui
nem ali
uma criatura com pulmoes e guelras
Eu vivo em água rasa
mas
quando chove
Eu herdo a terra
(Tradução de Ricardo Domeneck)
Between
I´m not quite at home
on either side of the Atlantic
I´m not irritated the fish
kept me
a home makes you forget
unaware
where you are
unless you think you´d like
to be some place
I can´t think I´d like to be
some other place
places are much the same
aware
I´m nowhere
I stand securely in a liquid pane
touched on all sides
to change your country
doesn´t make you
grow (a German doll
into an image of America?)
it doesn´t make you chance so much
you can´t remember
I remember
things are much the same
so much the same
differences are barbed
I try out living at a distance
watching from a window
immobile
not all here
or there
a creature with gills and lungs
I live in shallow water
but when it rains
I inherit the land
(from The Aggressive Ways of the Casual Stranger, 1972)
Poema do livro Split Infinities, em que Waldrop entrega-se a uma poética de hesitação, evitando a fixação plurivocal semântica muitas vezes vista como única maneira possível de "carregar a linguagem de significado", como Pound
queria a literatura.
se um pássaro se
mui alto no ar
se frio se
precisamos se aderir se
uma estrada se rebatizada por
se cada se viagem
mais que um conjunto
se de trevas anjo nenhum
prenúncio nenhum
ainda mais adentro se
a voz do
cantor se
concebida se em dor
como se um pássaro
se em asas
(tradução de Ricardo Domeneck)
if a bird if
up into the air
if cold if
we must if adhere if
a road if renamed by
if each if traveling
more than one set
if of darkness no angel
no annunciation
deeper yet if
the singer´s
voice if
borne if by grief
as if a bird
if on wings
(from Split Infinities, 1998)
No link abaixo, é possível ler a conversa entre Rosmarie Waldrop e Joan Retallack, em que discutem o feminino na literatura, a relação entre GENDER e GENRE, e Waldrop cita o trabalho de Clarice Lispector:
Rosmarie Waldrop e Joan Retallack in conversation.
terça-feira, 6 de maio de 2008
Nathalie Quintane on Hilda Magazine
Nathalie Quintane on Hilda Magazine
Nathalie Quintane was born in Paris in 1964. She is a writer and poet working with video and sound in her performances. She has collaborated with several other artists such as Stéphane Bérard and Xavier Boussiron. Quintane has performed in various festivals, among other cities in Barcelona and Rio de Janeiro. Her works include Début (Autobiographie), Chaussure, Antonia Belivetti, Formage and Les Quasi-Monténégrins, and also an album collecting some of her sound works with Stéphane Bérard. Nathalie Quintane lives in Digne-les-Bains
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Adelaide Ivánova on Hilda Magazine
ADELAIDE IVÁNOVA @ HILDA MAGAZINE
25 photographs of Adelaide Ivánova on Hilda Magazine.
Adelaide Ivánova was born in Recife, Brazil. Her work concentrates on the human body in its daily concreteness, both in its natural naked exposures to the world and in the role playing games of dressing for the creation of an identity. To this effect, she works with portraits of friends and lovers in moments of utter intimacy, recalling the work of a forerunner like Nan Goldin, and at the same time producing fashion photography with a candidness and delicacy unusual for such pictures. The beauty of her work remains in the mixing of such references, bringing movement and intimacy to the what usually falls into posing, which brings her closer to an artist like Walter Pfeiffer or photographers of her own age such as Brett Lloyd. Adelaide Ivánova has published photographs in a variety of magazines such as i-D or Colors and is currently showing in Madrid, Spain. Adelaide Ivánova lives and works in Sao Paulo.
Hilda is edited by Ricardo Domeneck and Oliver Roberts.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Gil Scott-Heron
The Revolution will not be televised
You will not be able to stay home, brother.
You will not be able to plug in, turn on and cop out.
You will not be able to lose yourself on skag and skip,
Skip out for beer during commercials,
Because the revolution will not be televised.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by Xerox
In 4 parts without commercial interruptions.
The revolution will not show you pictures of Nixon
blowing a bugle and leading a charge by John
Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat
hog maws confiscated from a Harlem sanctuary.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by the
Schaefer Award Theatre and will not star Natalie
Woods and Steve McQueen or Bullwinkle and Julia.
The revolution will not give your mouth sex appeal.
The revolution will not get rid of the nubs.
The revolution will not make you look five pounds
thinner, because the revolution will not be televised, Brother.
There will be no pictures of you and Willie May
pushing that shopping cart down the block on the dead run,
or trying to slide that color television into a stolen ambulance.
NBC will not be able predict the winner at 8:32
or report from 29 districts.
The revolution will not be televised.
There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of Whitney Young being
run out of Harlem on a rail with a brand new process.
There will be no slow motion or still life of Roy
Wilkens strolling through Watts in a Red, Black and
Green liberation jumpsuit that he had been saving
For just the proper occasion.
Green Acres, The Beverly Hillbillies, and Hooterville
Junction will no longer be so damned relevant, and
women will not care if Dick finally gets down with
Jane on Search for Tomorrow because Black people
will be in the street looking for a brighter day.
The revolution will not be televised.
There will be no highlights on the eleven o'clock
news and no pictures of hairy armed women
liberationists and Jackie Onassis blowing her nose.
The theme song will not be written by Jim Webb,
Francis Scott Key, nor sung by Glen Campbell, Tom
Jones, Johnny Cash, Englebert Humperdink, or the Rare Earth.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be right back
after a message about a white tornado, white lightning, or white people.
You will not have to worry about a dove in your
bedroom, a tiger in your tank, or the giant in your toilet bowl.
The revolution will not go better with Coke.
The revolution will not fight the germs that may cause bad breath.
The revolution will put you in the driver's seat.
The revolution will not be televised, will not be televised,
will not be televised, will not be televised.
The revolution will be no re-run brothers;
The revolution will be live.
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