quinta-feira, 25 de junho de 2009

Antologias, excertos e outros pedaços

Quando editada de forma inteligente, uma antologia pode ser um ato crítico dos mais estimulantes. Em geral, minha atitude, quando se trata da antologia de um único poeta, é a mesma que tenho com um Best Of de certas bandas: funciona se estivermos interessados em poemas específicos, assim como para nos familiarizarmos com o trabalho de um poeta, coletivo, banda ou grupo. Mas nada supera o prazer de ler livros individuais dos poetas que amamos ou escutar os álbuns específicos dos coletivos e bandas favoritas.

Certos poemas e canções funcionam e fisgam em praticamente qualquer contexto. Tenho uma relação específica com vários, mesmo quando primeiro descobertos soltos em seleções, como "Janela do caos", de Murilo Mendes, ou uma canção como "Happiness is a warm gun", dos Beatles. Mas é outro prazer chegar a "Janela do Caos" ao fim de Poesia Liberdade (1947), assim como o Álbum Branco (1968) é uma experiência única. Mesmo os livros que parecem apenas a reunião de poemas esparsos têm um apelo de conjunto, como Mundo Enigma (1942), um livro pouco citado quando se fala de Murilo Mendes, mas que é dos meus favoritos. Jack Spicer chamava poemas individuais de "one night stands", passando a escrever sempre em série.

Quando se trata de um poeta nacional, é remediável. Encontra-se com facilidade o livro em que há um poema descoberto em antologia. Mas, no caso de poetas estrangeiros, a situação é mais difícil. Raramente se traduz e publica um livro específico e individual de um poeta estrangeiro no Brasil. É mais "comercializável" apresentar uma seleção, um "apanhado geral" que nos apresenta ao poeta. É uma pena que raramente passe disso. Acho que perdemos muito.

Houve livros de poetas estrangeiros que tiveram sobre mim um grande impacto. Um exemplo que me vem à mente foi a leitura que fiz, aos 20 anos, do idolatrado salva salve L´allegria, de Giuseppe Ungaretti. Se houvesse lido apenas alguns daqueles poemas em meio a outros poemas esparsos do italiano, creio que o impacto teria sido bem menor. Para ficar entre italianos, foi muito bom descobrir os poemas de Eugenio Montale na antologia que Geraldo Holanda Cavalcanti preparou e traduziu, mas poucas vezes aprendi tanto sobre poesia em um único livro como aprendi lendo Ossi di seppia, o livro todo de estréia de Montale.

Tenho lido esta semana, em tradução para o alemão, dois livros independentes de poetas que, creio, são inéditos no Brasil: o estupendo Herr Cogito (Senhor Cogito), de Zbigniew Herbert (Polônia, 1924 - 1998), e o lindo lindo Monovassiá, de Yannis Ritsos (Grécia, 1909 - 1990). Não sei de traduções de Ritsos no Brasil. Herbert foi traduzido por Aleksandar Jovanovic. Há um poema maravilhoso de Herbert, por exemplo, em Céu Vazio: 63 poetas eslavos (São Paulo: Hucitec, 1996), intitulado "Relato de uma cidade sitiada". É impossível ler aquele poema e não querer ler tudo o que Zbigniew Herbert escreveu.


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Parto amanhã de manhã para Heidelberg, onde participo de um festival. Apresento-me como DJ na sexta à noite, e faço uma de minhas leituras/performances vídeo-textuais no sábado. Na mesma noite, lê o jovem poeta e romancista americano Travis Jeppesen e eu mostro, a pedido do curador, uma seleção de vídeos de outros jovens artistas visuais, como Niklas Goldbach e Nils Linscheidt, assim como dos veteranos Bruce LaBruce e do coletivo Die Tödliche Doris.


(Die Tödliche Doris, "Chöre & Soli")

A noite é encerrada com uma performance de Ariel Pink. Estou entusiasmado para conhecê-lo pessoalmente, gosto muito do trabalho do rapaz.


(Ariel Pink, "Are you going to look after my boys?")

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É sempre ótimo abrir a caixa do correio e encontrar poemas. Recebi hoje poemas-cartoons recentes de Zuca Sardan e o novo livro de Carlos Augusto Lima, o bonito e esperto Manual de acrobacias n. 1 (Florianópolis: Editora da Casa, 2009).

2 comentários:

Anônimo disse...

Ricardo, eis a resposta da crítica da pedrada:
"Li recentemente um artigo escrito por um desses “falsos novos poetas” badalados por essas editoras de butique, que, a partir da análise de um único soneto de A Imitação do Amanhecer, já diagnosticava que Bruno Tolentino era um fóssil do passado. Uma verdadeira estultice: como analisar a obra de um sujeito através de um soneto de um livro que é, na verdade, um painel de mais de 537 sonetos? O que falta a este rapaz é a apreensão de que a obra de Bruno exige do leitor a aceitação do mesmo princípio moral que o guiou em sua complicada vida: o de que a vida (e a poesia) tem uma margem de ambigüidade inexplicável - e que as coisas não podem ser definidas tão facilmente." http://www.dicta.com.br/dois-anos-sem-bruno-tolentino/

Ricardo Domeneck disse...

Caro colega anônimo,

já respondi a isso em outro artigo.

http://ricardo-domeneck.blogspot.com/2009/06/aritmetica-sem-bom-manejo.html

Se os seguidores de Tolentino insistem em assertivas bombásticas para canonizar o mestre, nao há muito a fazer. Gênios e amadores, fósseis do passado e fósseis do presente, que cada um tenha discernimento para fazer suas escolhas est-É-ticas.

Eu acho o vocabulário do rapaz divertidíssimo. Você alegrou meu dia.

Abraço

Domeneck

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