quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Fodam, poetas, antes que se fodam! - fazendo coro com Angélica Freitas, com poema quase inédito e outros da Musa Puerilis

Pier Paolo Pasolini, Comizi d´Amore (1965)



"No hablemos de Amor, queridas.
El Amor es una convalecencia demasiado efímera.
Hablemos de Sexo, ese horror inacabable."
Juan Carlos Bautista, Bestial (1993)



Em sua mais recente missiva a Fabrício Corsaletti, na correspondência que vêm trocando na página do Instituto Moreira Salles, Angélica Freitas reclamou que lhe parece haver pouca fornicação na vida dos poetas contemporâneos brasileiros, pelo menos a julgar pelo teor casto de seus poemas. Haverá tão-somente eunucos e bibliotecárias aposentadas na poesia brasileira contemporânea? É claro que haverá quem possa dizer que não importa se trepam ou não trepam desde que escrevam bem. Certamente há muita gente que parece ter feito o dever de casa no âmbito das poetiquices, mas não parecem ter muito a dizer, picante ou não, e muitas vezes me parece que não ter o que dizer é sintoma de que não se está vivendo muito – sendo a fornicação obviamente parte importantíssima da vida, ao menos em minha lista de prioridades.

Angélica Freitas escreve a Fabrício Corsaletti: "Você sabe, não quero criar polêmica, até preferiria criar garnisés ou minhocas (acho que teria me dado bem na Santo Anastácio dos anos 90)… Mas há uma pergunta dando voltas em rollers na minha cabeça, e ela veste collant de oncinha e não quer calar: fode-se pouco na poesia brasileira contemporânea, você não acha? Quero dizer, viaja-se para o exterior, lê-se flarf e prospecta-se flunfa, mas se alguém de fato trepa, transa ou faz amor na poesia recentíssima, não é pelos livros que você saberá. Mistérios da meia-noite! Me diga o que acha, ou melhor, me mande um poema bem pornozão de sua lavra. Você deve ter, não é? Pode ser num e-mail privado, se não vão dizer que a gente tá fazendo BBB no blog do IMS."

Bem, se se fode pouco na poesia brasileira contemporânea, garanto que por falta de ajuda minha não é. Gosto também da união entre o erótico e o satírico, como defendeu nossa Goliarda gaúcha. Meu mestre principal neste aspecto é Catulo --- abaixo, o Carmen 16, censurado por séculos e que possui o que é considerado o verso mais imundo da poesia latina (original e tradução de João Angelo Oliva Neto):

Pedicabo ego vos et irrumabo,
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,

Aureli pathice et cinaede Furi,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,

qui me ex versiculis meis putastis,
que por meus versos breves, delicados,

quod sunt molliculi, parum pudicum.
me julgastes não ter nenhum pudor.

Nam castum esse decet pium poetam
A um poeta pio convém ser casto

ipsum, versiculos nihil necessest (necesse est);
ele mesmo, aos seus versos não há lei.

qui tum denique habent salem ac leporem,
Estes só tem sabor e graça quando

si sunt molliculi ac parum pudici
são delicados, sem nenhum pudor,

et quod pruriat incitare possunt,
e quando incitam o que excite não

non dico pueris, sed his pilosis
digo os meninos, mas esses peludos

qui duros nequeunt movere lumbos.
que jogo de cintura já não tem

Vos, quod milia multa basiorum
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)

legistis, male me marem putatis?
já lestes, me julgais não ser viril?

Pedicabo ego vos et irrumabo.
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.


Em outra nota, talvez mais trágica em que o sexual e o místico se unem, penso no gigantesco poeta-mestre Pier Paolo Pasolini.

"Sesso, consolazione della miseria!
La puttana è una regina, il suo trono
è un rudere, la sua terra un pezzo
di merdoso prato, il suo scettro
una borsetta di vernice rossa:
abbaia nella notte, sporca e feroce
come un'antica madre: difende
il suo possesso e la sua vita."
Pasolini

Uno-me ao coro de Freitas e digo: "Fodamos, poetas, antes que nos fodamos!". Ou talvez seja questão de adaptar aquele capitalista ditado, "Put your money where your mouth is", para algo como "Put your words where your mouth is", esperando que sua boca frequente mais que cigarros, garfos e copos. Obviamente, a boca pode ser ali substituída por outros orifícios divertidíssimos. Cantarole "A tua presença entra pelos ... cerca de uma dezena de buracos do meu corpo".

Abaixo, um poema recente escrito graças a uma foda, e outros gozados com a Musa Puerilis. 

:

Texto ao que poderia porventura reconstruir os muros e repovoar a cidadela

              a F.T.


I.

Alguém que sorri durante o sexo
e ronrona adjetivos é irrepresável,
que sabe que a balança de poder
requer recuos e avanços, que adia
sua retirada mas não seus toques,
esse estrategista insciente do efeito
de seus sussurros, pede: “qualquer
posição que permita, no mesmo ato,
coito, beijo e concha”, a insinuar arte
bélica nova em que o sítio, o saque
e a reconstrução da cidade sejam
ações consecutivas, e simultâneas,
e paralelas, as marés entre o corte
e cicatriz, tais os movimentos de ar
que provoca, com suas explosões
em mim, seu ninho de concussões.

II.

Nada como um rapaz de dois metros
de altura levantando-se nu da cama,
com um sorriso erodindo em covas
seu focinho após o sexo. Ah, céus!
Por certo, poderia aprender a surfar
sobre seus pés, por mão uma única
das suas já bastaria para dar a volta
em meu pescoço (e quem-me-dera
por 80 dias), enquanto meus dedos
sobre seu tórax mais comportam-se
como os homúnculos sobre Gulliver.
Sempre quis beijar alguém na ponta
do pé, mas evito erguer minha pata
direita, estilo foto dos anos quarenta.
Cedo para efusões explícitas, decido
baixar o crânio, esconder de si o riso.


III.

Será possível que o planeta Euphoria
esteja prestes a valsar detrás do sol?
Oxalá fora-se já a caminho da Terra,
e mesmo que, os meus agudos agora
mais graves, picos de montes tenham
se erodido, aproximado mais do nível
do mar e dos meus pés, que píncaros
percebam enfim o que são: púcaros,
zombaria a nossos olhos horizontais,
viciados, a oeste do sol, a ascenções
por parâmetro para nosso estirar-se
e estender-se chão acima, eu queria
outro encontro para colher o material
extra para esse poema que o festeja,
mas sua abstenção faz deste, tal feto,
celebração de tudo que é incompleto.


(publicado originalmente no número 12 da Eutomia - Revista de Literatura e Linguística)

§

Poema


Enfim aurora-me na cachola,
Jonas das férias em baleias,
por que os deuses desaprovam
o incesto, esse advertisement
ou entertainment em família,
tal reciclagem ad aeternitatem
ou sexo homogêneo à margem
(e sua homenagem a soi-même)
como o cúmulo da economia.
Leis de veto a fellatio in toilets 
e virilha em público, ilegíveis,
como Coca-Cola, cocaína & Co.
ou outros substantivos ilegais
para nossa literatura ou lírica.
Teu Ricardo sabe que o peixe
morre pela fome, boca em pênis
de moçoilos é o anzol de sempre
e eis que pé no rabo eu vos nego.
Pedicabo ego vos et irrumabo.
Seguirei sendo nota de pontapé
no apêndice de vossos cérebros
ou até que me canse, escravo
paciente e devoto, das horas-
-extras de chicote e chacota
sobre vossas gretas garbosas.

(Ciclo do amante substituível, 2012)

§


Da tradução como exercício erótico

Traduzo os textos do poeta bonito
e é como se eu alisasse suas pernas,
erotizado medisse os seus músculos
com os olhos e as mãos, a carnadura
do seu estilo na extensão de sua carne
dura, rija, o tesão de suas metonímias,
as palmas no tórax de suas metáforas,
o vazio de um “o” como o orifício
que não se quer trair, o pingo do “i”
como a primeira gotícula que jorra,
falo, brusco, e quando eu encontro
a wit, equivalente em meu idioma
à sua, é como se um beijo de língua
misturasse a sua saliva à minha, e o
texto novo que nasce fosse o filho
que não posso, puta, parir-lhe, tesura
de sua escrita só equiparada à ereção
que me habita a cada vez que atinjo
um ponto final seu, meu, e pergunto,
enquanto a milhares de quilômetros
o traduzo, se ele sente como penetro
por sua linguagem sua língua, nunca
antes verter textos fora tal transplante
de pele, ou a tradução esta anilíngua.

(Ciclo do amante substituível, 2012)

§


X + Y: uma ode

            An refert, ubi et in qua arrigas?
                    Suetônio

Houvesse nascido
mulher, já teria dado
à luz sete
filhos de nove
homens distintos.
Agora, vivo entretido
com as teorias
a explicarem meu gosto
por odores específicos,
certa distribuição de pelos
nas pernas alheias,
os cabelos na nuca
e no peito
sem seios, ainda que aprecie
certas glândulas mamárias
de moços e rapazes
com aquela dose
saudabilíssima
aos meus olhos de hipertrofia.
Medito sobre as conjecturas
de terapeutas,
os relatos de uma Persona
partida, Édipo subnutrido,
sem modelo
na infância de um lendário
Laio
exemplar, lançando-me
a uma suposta
busca entre amantes
por mim mesmo.
Tentei, sem o menor
sucesso,
por dias induzir-me à ereção
diante do espelho.
Concluí não ser tão
eréctil meu ego.
Ouvi com atenção
a fórmula
sobre pai ausente e mãe
dominante a gerar rainhas
de paus, espadas e copas
lassas e loucas,
mas, apesar do meu histórico
de progenitora histérica
e procriador estóico,
meus irmãos
tão afeitos e afoitos
diante dos clitórides
embromam a estatística.
Li todas as reportagens
sobre a possível queerness
na boutique do código
genético, esta quermesse
das afinidades seduzidas,
e ri com o amigo
que certa vez, em chiste,
nomeou-me dispositivo
biológico
de uma Natureza em estresse,
medicando o hipercrescimento
populacional. Não mentirei dizendo
que não temo e tremo
com o perigo do inferno.
Cheguei, contudo, à conclusão
de que minha passagem
só de ida
ao Hades
não se dá
apenas pela inclinação
algo obcecada
de minha genitália
pelo caráter heterogêneo
dos vossos gametas.
Houvesse
nascido fêmea,
já teria dado à luz onze
filhotes de treze
machos diferentes,
e, de puta,
assegura
o Vaticano (e mesmo Hollywood),
não se conhece ascensão,
tão-somente queda.
Portanto, poeta, pederasta e puta,
sigo com meus olhos pela rua
cada portador
desta combinação gloriosa
de cromossomas
X e Y,
chamem-se Chris ou Absalom,
com suas espaçadas proporções
entre os buracos
do crânio, a linha que se forma
entre orelhas e ombros,
as asas de suas omoplatas
e a coifa dos rotadores,
as simetrias volubilíssimas
entre as extremidades
excitantes e excitáveis
como nariz, pênis e dedos,
o número de pelos
entre o umbigo
e ninho púbico,
o formato dos dentes
e seu espelhamento
em diâmetro
nos pés e suas unhas.
Se andam como comem,
se bocejam como riem,
se bebem como tossem,
se fodem como dançam.
A absoluta falta de mistério
em alguns deles, incapazes
da dissimulação famosa
de certas personagens
literárias femininas
do século XIX.
Neles, é oblíqua
somente a ocasional
ereção inconveniente.
Constrangem-me
estas confissões,
mas cederia certos direitos políticos
por algumas dessas cristas ilíacas
já presenciadas em praias, ao sol,
e abriria mão de uma ida às urnas
este inverno por esta ou outra nuca.
E veja só como o planeta
insiste na demonstração empírica
dessa abundância de músculos
e seus reflexos
cremastéricos:
neste exato momento,
enquanto escrevo este textículo,
entra no café, em pleno Berlimbo,
um desses exemplares de garoto
canhestro e canhoto,
o boné cobrindo meio rosto,
prototipagem de barba
e bigode, calças
que me catapultam a fantasias
com skateboards como props,
sobrancelhas feito caterpillars
sitiando os olhos com promessas
de delícias e desfaçatez épicas.
Seus tênis são beges;
ao tirar o suéter, vê-se
a sua escala de Tanner.
Sua Calvin Klein.
Bege fico eu, adivinhando que pele
cobre seus joelhos, seus calcanhares.
Sonho o sexo biônico e homérico,
algo entre Aquiles e Pátroclo,
interpretados em nosso mundo
por Brad Pitt e Garrett Hedlund,
potros xucros como búfalos
ou bárbaros.
E este mundo está cheiíssimo
dessas distrações quase sádicas
para meu masoquismo
voluntarioso e em vício,
que impedem que componha
a minha Divina Commedia,
meu Paradise Lost.
Perdoe, Sr. Cânone,
esta minha tosca e parca
contribuição lírica à safra
de seus contemporâneos,
mas não me catalogue
entre as farsas, sátiras.
Pois não é, consinto, culpa
das massificações capitalistas
esta minha attention span
pouco renascentista,
mas desta explosão de cântaros
plenos de testosterona púbere
a ir e vir nos espaços públicos.
Quando passam, petiscos,
finger food em arrogância
cocky e garbosa, murmuro
na cavidade oca
da boca:
"Deviam ser proibidos
seus exageros de lindos".
Meu fim será nestes botecos
do Berlimbo,
entupindo-me de café preto
e esperando suas ocasiões
para escrever poemas
que vos celebrem, atores
principais deste longo pornô
em que me vi concebido, gerado
e expelido, coadjuvante
contente e dublado.
Agradeço-vos a oportunidade
de fazer do advérbio sim
uma interjeição obscena.
Aos outros, juro que não se trata
de encômio, louvor ou gabo.
Quisesse eu fazer apologia,
talvez dissesse
haver mais elegância
em "Sê meu erômenos
e eu serei teu erastes"
do que, ao cangote,
"Mim Tarzan, você Jane".
Não busco novos adeptos
que me façam concorrência.
Boys will be boys,
há quem diga, e, ora,
não vou dizer que espero
de todo moço
que seja Mozart
ou Beuys.
Haverá os momentos de caça
e rendição felizes, as poucas
vezes de sorte
em que seremos camareiros
de algum moço pasolínico,
com quem se poderá, enfim,
fazer o cama-supra, meia-nove
e então discutir no pós-coito
outros conceitos hifenizados
ao som de Cocteau Twins,
listar as guitarras de 1969,
nosso horror a Riefenstahl,
a obsessão por Fassbinder,
e oxalá sentir em meio a tal
loa uma nova ereção
cavucar
as malhas entre as dobras
do edredão
enquanto lemos poemas de Catulo,
Kaváfis.
Quando chegarem os bárbaros,
me encontrarão na cama;
que venham porém armados,
pois hei de estar acompanhado,
e em riste as nossas lanças.

(Ciclo do amante substituível, 2012)

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