Às vezes, quando penso no famoso verso de Allen Ginsberg, "I saw the best minds of my generation destroyed by madness starving hysterical naked", eu me pergunto se em alguma outra geração isso fora diferente, ou se algumas gerações não sofreram coisas ainda piores. Penso na elegia de Roman Jakobson para Vladimir Maiakóvski em A Geração que Desperdiçou seus Poetas (1930), ou nos poetas que o próprio Jakobson desperdiçou em seu lamento, talvez porque estivessem vivos, talvez porque não estivessem, em sua opinião, à altura de Khlébnikov e Maiakóvski, mas que estavam também sendo desperdiçados na fome, exílio, perda, detrimento, como os grandes Mandelshtam, Tsvetáieva (aquela rainha que, como poucos, conjugou violência e controle), Pasternak e Akhmátova. Mas eu com frequência penso em Lorine Niedecker, poeta maravilhosa que passou a vida ganhando seu pão, às vezes, limpando e fazendo faxina em escolas onde deveria estar sendo celebrada e ensinada.
Lorine Niedecker (1903 - 1970)
Especial para a Modo de Usar & Co., publicado a 2 de setembro de 2009.
Lorine Niedecker nasceu em uma ilha, a Black Hawk Island, no estado americano de Wisconsin, uma região rural razoavelmente isolada. Passaria toda a sua vida ali. Seus primeiros poemas seriam publicados, por intervenção de Louis Zukofsky, em revistas como a importante Poetry. Sua estréia em livro viria apenas em 1946, quando a poeta já tinha 43 anos, com o título New Goose. A próxima coletânea apareceria somente quinze anos mais tarde, intitulada My Friend Tree (1961), sendo seguida por North Central (1968), T&G: The Collected Poems 1936-1966 (1969) e os livros de publicação póstuma Blue Chicory (1976) e Harpsichord & Salt Fish (1991).
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Poema
O varal está posto
mas totem nenhum diferencia a tribo Niedecker
das outras; a cada sete dias vão às águas:
veneram o sol; temem a chuva e, dos vizinhos, os olhos;
erguem aos céus as mãos desde o solo
e penduram ou despencam pela brancura de seu todo.
(tradução de Ricardo Domeneck)
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Poem
Lorine Niedecker
The clothesline post is set
yet no totem-carvings distinguish the Niedecker tribe
from the rest; every seventh day they wash:
worship sun; fear rain, their neighbors' eyes;
raise their hands from ground to sky,
and hang or fall by the whiteness of their all.
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Lorine Niedecker foi contemporânea de poetas como Henriqueta Lisboa, para citar um exemplo de autora brasileira que necessitamos redescobrir, especialmente seus livros das décadas de 60 e 70, assim como seria tentador traçar alguns paralelos biográficos e estilísticos entre Niedecker e Orides Fontela (1940 - 1998).
Isolada das rodas literárias e poéticas de cidades como Nova Iorque ou San Francisco, a poeta passaria a vida lutando contra a pobreza e pela publicação de seus poemas. Recebendo atenção para seu trabalho poético apenas no fim da vida, quando alguns poetas mais jovens a redescobrem (como Cid Corman, que viria a editar um de seus livros), a poeta escreveu a maior parte de sua obra sem encontrar possibilidade de publicação, ganhando a vida durante anos em um hospital, limpando o chão e os sanitários, enquanto escrevia alguns dos poemas mais bonitos da primeira metade do século poético americano.
Lorine Niedecker é frequentemente comparada a Emily Dickinson, por certos paralelos entre suas vidas - o isolamento, a relação com um "mentor", Higginson no caso de Dickinson, Zukofsky no caso de Niedecker, o jogo poético com nursery rhymes (ou o que nós chamaríamos de "cantigas de roda") e o hinário protestante. Alguns críticos têm, no entanto, questionado esta comparação, como Gloria Frym no ensaio "Lorine Niedecker’s Plain (Language)".
A poeta é geralmente associada a um grupo específico de poetas da década de 30 americana que, por causa de uma antologia organizada para um número da conhecida revista e já mencionada Poetry, ficaria conhecido como o grupo dos Objectivists. Louis Zukofsky - o organizador da antologia do grupo, sob aconselhamento de Ezra Pound (que já havia praticamente inventado dois grupos para a revista, os Imagists e os Vorticists), George Oppen, Carl Rakosi e Charles Reznikoff são os mais conhecidos. Niedecker leria este número da revista, de fevereiro de 1931, e escreveria uma carta para Louis Zukofsky, iniciando uma das correspondências mais frutíferas daquelas décadas.
§
Quando o êxtase é inoportuno
Finja uma grande calma;
todo enlevo logo termina.
Cante: quem sabe -
se fim ou início do vôo
para a gaivota em pouso?
Coração, aquiete-se.
Diga: dinheiro há, mas com ferrugem;
diga: luar não é propício para fugas.
É a cor no baixo firmamento
espargindo cores largas
ou, em minha gravata, o vento.
Saiba em espanto como
se toma a própria loucura
nas mãos
e a guarda.
(tradução de Ricardo Domeneck)
:
When ecstasy is inconvenient
Lorine Niedecker
Feign a great calm;
all gay transport soon ends.
Chant: who knows—
flight's end or flight's beginning
for the resting gull?
Heart, be still.
Say there is money but it rusted;
say the time of moon is not right for escape.
It's the color in the lower sky
too broadly suffused,
or the wind in my tie.
Know amazedly how
often one takes his madness
into his own hands
and keeps it.
§
No Brasil, a discussão e tradução de poetas como Lorine Niedecker ou outros Objectivists, em especial George Oppen e Charles Reznikoff, poderiam iluminar vários aspectos de alguns dos debates da poesia brasileira contemporânea, como o questionamento sobre a melhor aplicação dos parâmetros de qualidade baseados em concisão e objetividade; a conjunção entre ética e estética e a implicação política do trabalho formal de todo poeta; assim como o trabalho destes poetas poderia ter efeitos frutíferos no país que viu surgir, a partir da década de 90, um grande interesse por poetas como Robert Creeley e os autores reunidos na revista L=A=N=G=U=A=G=E (leia todos os números da revista AAQQUUII).
Nos Estados Unidos, os últimos anos têm presenciado um interesse crescente pela obra de Lorine Niedecker e seu trabalho foi reeditado em 2002, com o título Lorine Niedecker: Collected Works.
--- Ricardo Domeneck
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