quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Texto em que o poeta começa a sentir, em meio à escrita, os sintomas da Síndrome de Estocolmo" - poema novinho em boca




Texto em que o poeta começa a sentir, em meio à escrita, os sintomas da Síndrome de Estocolmo

Quem lucra com a crise
do verso? Que governo
central? Quem compra
a lavoura e a queima
para evitar o excesso,
temido tão-só por quem
vive de certo prestígio
que vem da escassez?
Qual a moeda única
que se põe em perigo
por tal inflação? Por que,
se tantos forem poetas,
claudicaria a prática? Se
muitos são escolhidos,
por que tão poucos são
chamados? Se há fome,
língua, quem monitora
o monopólio da seca?
Investe em mercado
central quando cada
aldeia semeia e ara?
E se o poeta federal
só tira ouro do nariz
em meio a povoados
com população menor
a 1.000.000 de almas?
E se o poeta estadual
não produz o quitute
local? De quem é o
pesadelo de prejuízo
por superávit? Tanto
tempo nesta penúria
de cela, começa até
a parecer bonitinho
o que se cria inimigo.
Quão bela e sublime
aquela calça da Gucci.
Como gastar em Gulag
se se os pode, tão fácil,
silenciar em discursos
da auto-comiseração
por sua insignificância
alardeada? Alarmes,
se eles calam-se a si
quando estão em OFF
os holofotes? Se o povo
já está entre os lupinos
quando eles adentram
a vila gritando "Lobo!"?
Stálin era um estúpido,
bastava propagandear
tal mallarmaica crise,
sem estes marxismos
hoje tão macaqueados.
Ora, até eu trabalho, tu
trabalhas, ele trabalha,
nós trabalhamos muito,
mesmo vós trabalhais,
e eles não trabalham?
Que se adaptem, aptem,
mascates, à mercancia!
Triste Poesia! Ó quão
dessemelhante estás!
Vão catar Cocteauinho!
Para que poetas em
tempo de abundância,
se tantos romancistas
já entretêm muito bem
as classes dominantes?
Se a Folha já disse
que a poesia em crise,
vão ciciar suas elipses
por outro pantanal,
que isso aqui é urbe
que ama o insalubre
apimentado de Pré-Sal.
Poetas, hoje? Ao Xingú.
Que emigrem ad libitum.

Ricardo Domeneck, estocolmada, 19 de dezembro de 2012, a tempo do fim do mundo.

.
.
.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito provocativo o seu poema. mas, afinal, sua insistência contra a poesia de origem mallarmaica, que reivindica a idéia de poesia pura, ou de crise, está exatamente pautada em q? triste perguntar isso, mas o que vc quis dizer com "Que se adaptem, aptem, mascates, à mercancia!"? não falo nem de mallarmé (hoje podemos ler textos como "a ação restrita" do próprio e leituras como as realizadas por siscar ou rancière), mas penso no discurso de valéry, que de certa forma é ridicularizado pelo berardinelli como estéril e masturbatório diante de uma suposta "dificuldade" e "pureza", e penso principalmente o quanto esse tipo de fala se repete em outros autores... de qualquer forma, é uma prática inspirada por um sonho, órfico ou o que seja (a autonomia da linguagem), que encontra aqui ou acolá suas ressonâncias, mais ou menos interessantes... (pense num poeta como herberto helder, que apesar de seus oitenta anos, está vivo). afinal, depois da síndrome de estocolmo, algum horizonte? algum sequestrador/estuprador pra se simpatizar?

Arquivo do blog