Emmanuelle Riva
Na maioria das listas de fim de ano que li nos últimos dias, todos os autores começam por desculpar-se por fazer uma lista de fim de ano. O que posso dizer aqui, pretendendo fazer o mesmo pelos próximos dias, é que minhas listas de filmes, álbuns, concertos e livros são apenas recomendações a partir do que me emocionou ou entusiasmou nos últimos doze mezes. Não sei se são "os melhores".
Começo com uma lista bastante curta, resumindo-se aos dois filmes que mais me entusiasmaram em 2012. São, devo avisar, dois dos filmes que vi mais recentemente, e o impacto deles ainda gira na minha cabeça, trazendo-os à frente. Haveria certamente outros que mereceriam estar aqui. Os dois filmes são francófonos, e foram feitos por diretores que sigo há muito tempo. São, também, muito diferentes e com abordagens estéticas quase opostas em seus estilos.
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Amour (2012), Michael Haneke
Sigo o trabalho de Michael Haneke desde que assisti, em 1998, ao seu filme Funny Games (1997), a versão austríaca. O filme fez com que eu detestasse o diretor por muito tempo, pela náusea que me causou e à época não compreendi. Quando mais tarde assisti a Code Inconnu (2000), em 2001, passei a perceber melhor seu projeto e admirá-lo por sua intransigência. Mas nada me preparou para o impacto violento, marcante e detonador de est-é-tica que seria causado em mim por seu filme La Pianiste (A Professora de Piano, 2001), baseado no romance de Elfriede Jelinek. Fui ao cinema inadvertidamente, sem saber de quem era o filme. Saí da sessão entusiasmadamente em frangalhos. Voltei ao cinema mais 10 vezes para ver o filme antes que saísse de cartaz. Sim, vi o filme 11 vezes no cinema, e outras vezes mais em vídeo. É, para mim, uma das maiores obras est-é-ticas do século XXI. Teve um impacto fortíssimo sobre meu próprio trabalho, pois nutria ainda mais minha obsessão pelo corporal, pelos impactos políticos da separação tão ocidental entre corpo e mente, matéria e espírito, dicotomias que, já àquela época, havia tomado para mim com a missão de destruí-las, ou, hoje mais humilde, ao menos questioná-las.
Amour é um filme que nos traz Haneke em sua forma mais generosa e delicada, apesar de não diminuir a violência com que enxerga a existência. O único outro filme em que demonstra tal delicadeza brutal é Les Temps du Loup (2003), no qual também permite ao menos a visão em relance de alguma forma de esperança, ou, quem sabe, redenção. De, e só consigo expressar em inglês, certa kindness. A soteriologia não é exatamente seu forte. As performances em Amour são brilhantes, como sempre em seus filmes por escolher tão bem com quais atores trabalha, e para mim foi emocionante ver Emmanuelle Riva tão em boa forma. Amo-a desde Hiroshima Mon Amour (1955), de Alain Resnais (outro filme importantíssimo para minha lírica), e sua interpretação como mãe senil em Trois Couleurs: Bleu (1993), de Krzysztof Kieślowski, já havia gerado em mim a figura / metonímia da amante esquecida = mãe senil em meu poema-em-série "Dedicatória dos joelhos", do livro a cadela sem Logos (2007):
recusa-se a tocar a
mãe desta expectativa
que desperdiça
tantas secreções
em seu sistema
de produtos
mensais emanuelle
riva em hiroshima
mon amour
& bleu o esquecimento
da amante
ontem a esclerose
da mãe amanhã
azul a água
dissolução da
memória ah! a
memória deixe-a
à mercê da
manhã
no entanto
sabe que só
a expectativa
fertiliza
a perda a
predileção
in a cadela sem Logos (2007).
A quem ainda não assistiu a Amour, de Haneke, aqui minha recomendação entusiasmada.
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A quem ainda não assistiu a Amour, de Haneke, aqui minha recomendação entusiasmada.
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Holy Motors (2012), Leos Carax
O primeiro filme de Leos Carax a que assisti foi Les Amants du Pont-Neuf (1991), com o mesmo gênio, Denis Lavant, deste filme, Holy Motors. O filme de 1991 tem algumas das cenas mais marcantes da vida de minhas retinas nada fatigadas, como a dos fogos de artifício e a dança das personagens de Lavant e Binoche na ponte, a cena da queima dos cartazes, e outros fragmentos de um discurso amoroso. Além deste, conheço apenas Boy Meets Girl, de 1984. Não posso dizer que sigo seu trabalho como o de Haneke, mas foi um artista importante na minha formação.
Holy Motors é muito diferente da abordagem hiper-realista de Haneke, mas tão genial quanto este. É crítica e homenagem ao cinema (em um filme tão alegórico, não pode ser coincidência que a personagem de Lavant chame-se Monsieur Oscar), exposição de nossa espetacularização da experiência, atualização da estética dos tableaux vivants, e algumas de suas cenas, como a do cemitério, nasceram clássicas. Denis Lavant é hoje, possivelmente, um dos melhores e mais completos atores em atividade.
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ADENDO:
Recomendo, pensando no cinema lusófono, o filme de Miguel Gomes, Tabu (2012).
Tabu (2012), Miguel Gomes.
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