quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Algumas coisas que aconteceram no dia 20 de dezembro de 2012

Algumas coisas que aconteceram no dia 
20 de dezembro de 2012.

1- Friederike Mayröcker, para muitos a maior poeta viva da língua alemã, completou 88 anos.

Friederike Mayröcker


Não sei se foi um dia feliz, já que ela vive só desde que o amor de sua vida, o poeta Ernst Jandl, morreu no ano 2000. Mas eu espero que tenha sido um dia feliz, com alguns amigos ao seu redor. Eu amo o trabalho dela e espero poder conhecê-la antes que um de nós parta.


Às vezes por quaisquer movimentos
acidentais
roça minha mão sua mão o dorso de sua mão
ou meu corpo enfiado em roupas encosta-se quase sem saber
um piscar-de-olhos em seu corpo de roupa
estes minúsculos movimentos quase vegetais
seu olhar de ângulos e suas pupilas de propósito
vagam no vazio
sua pergunta logo de início interrompida aonde você
viaja no verão
o que você está lendo
atravessam-me o peito em cheio
e através da garganta como uma doce faca
e eu resseco por completo como um poço num verão escaldante

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Manchmal bei irgendwelchen zufälligen 
bewegungen 
streift meine Hand deine Hand deinen Handrücken
oder mein Körper der in Kleidern steckt lehnt fast ohne es zu wissen
einen Augenblick gegen deinen Körper in Kleidern
diese kleinsten beinahe pflanzlichen Bewegungen
dein abgewinkelter Blick und dein Auge absichtlich ins Leere
wandernd
deine im Ansatz noch unterbrochene Frage wohin fährst du im Sommer
was liest du gerade
gehen mir mitten durchs Herz
und durch die Kehle hindurch wie ein süszes Messer
und ich trockne aus wie ein Brunnen in einem heiszen Sommer


§

2 - Eu tomei café da manhã com meu amigo Black Cracker, e planejamos algumas coisas para 2013, como uma leitura conjunta em fevereiro e colaborações sonoras.



Black Cracker

§

3 - Por causa do auê sobre o calendário maia, eu fui pesquisar a poesia deste povo e descobri o Livro dos Cantares de Dzitbalché, atribuído a um poeta chamado Ah Bam. Como escrevi na Modo, "Ah Bam é o nome do poeta a quem são atribuídos os Cantares de Dzitbalché, livro descoberto na Vila de Dzitbalché em 1942, e pertencente à cultura maia da região de Puuc e mais especificamente do cacicado de Ah Canul, jurisdição maia que floresceu nos séculos XV e XVI. O próprio livro refere-se ao ano de 1440, e acredita-se que este fora o ano de sua composição. Foi publicado pela primeira vez em 1965, por Barrera Vásquez (1900 - 1980). É a maior compilação de poemas líricos dos maias."

Com base nas traduções de John Curl e do próprio Barrera Vásquez, tentei uma interpretação do pequenino "Bin in tz'uutz' a chi", ou "Eu beijarei tua boca". Os tradutores seguem caminhos distintos. John Curl não respeita a repetição no último verso, "Y an y an a u ahal", que Barrera Vásquez traduziu com o imperativo do verbo "ter". Imagino que Curl quisesse manter algo da métrica. O que Curl traduziu como "shimmering beauty" aparece como "belleza blanca" em Vásquez. Imagino que a cor aqui seja apresentada como efeito físico de percepção da luz, permitindo a John Curl a escolha de "shimmering". Fiz minhas opções a partir das duas traduções. Traduções para o inglês de poemas mais longos, feitas por John Curl, podem ser lidas no link logo após os poemas.


"Eu beijarei tua boca"

Eu beijarei a tua boca
por entre a milpa.
Beleza que cega,
tens, tens que acordar.

:

"Bin in tz'uutz' a chi"

Bin in tz'uutz' a chi
Tut yam x cohl
X ciichpam zac
Y an y an a u ahal

:

"I will kiss your mouth"

I will kiss your mouth
between the plants of the milpa.
Shimmering beauty,
you have to hurry.

(tradução de John Curl)

:

"Besaré tu boca"

Besaré tu boca
entre las plantas de la milpa.
Belleza blanca,
tienes, tienes que despertar.

(tradução de Barrera Vásquez)

/

LEIA OUTRAS TRADUÇÕES PARA O INGLÊS, POR JOHN CURL.

§

4 - Eu jantei com aquele que tenho a sorte de chamar de meu melhor amigo, o sr. Jonas Lieder. Reposto aqui um poema que escrevi e dediquei a ele.

Jonas Lieder


Fazendo reservas para a pança da baleia
ou Poema para Jonas

                    (a Jonas Lieder)

Amontoar escombros
sobre escombros
e então dispersá-los
sob meus saltos altos.
Imputando talvez
aos gregos e às novelas
a culpa por este meu gosto
pelo glamour das tragédias,
esta queda literal,
como quem espera
desenovelar a trama
da intriga e trazer o último
ato à nossa peça.
A ansiedade legítima
do último episódio.
Esqueci-me, querido,
de assinar o contrato
para o papel de protagonista
nesta comédia, sem chance
agora de um final
feliz em tecnicolor,
se nem catas troféus
ou mísero Oscar
de efeitos especiais.
Como figurantes
em nossos próprios épicos,
sabemos que a morte
chega
a todas as personagens.
Só exijo ser tão provável
quanto necessário,
registrar as últimas palavras
de qualquer um antes
do grande sono,
mesmo se de um segundo,
ou depois dos hematomas
de prazeres
desconhecidos com desconhecidos.
O que é causalidade
senão beber água
quando com sede
ou a confusão de pronomes
diante do espelho?
Mostro
à mosca
a saída
do Chianti.
Lição de contentamento
no contexto alheio,
calma no próprio carma,
estou chucro e feliz
como se respondesse
em chinês
a perguntas em islandês, não
mais esta mula
colérica lambendo
teus olhos de Cassandra,
de peste mista.
Desconheço alienígena
que se aninhe
em meu peito,
hóspede
ou hospedeiro.
E se evadíssemos,
Jonas? As entranhas
desta baleia
entediam-me.
Ou, que tal se roubássemos
automóveis e cruzando fronteiras
e alfândegas
do Oriente ao Ocidente
nos tornássemos
metecos
em qualquer centro?
Não há, por fim, elixir
contra exílios,
a não ser nos delírios
de cidadania, esta coisa
que ao fim sabemos
que não existe
a quem a Eros se exibe.

in Ciclo do amante substituível (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012)

§

5 - Meus amigos do duo Easter lançaram agora há pouco seu segundo disco, intitulado Split And Fly Towards, e o concerto foi muito bom. O duo é formado pela poeta norueguesa Stine Omar Midtsæter e o músico alemão Max Boss.



Easter - "Alien Babies"

§

6 - Já passa da meia-noite em Berlim e em Palenque. Por enquanto, ainda estamos aqui.

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