sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Canto da castanheira em ou sem flor"

As castanheiras em flor na Kastanienallee (Aleia das Castanhas), em Berlim.


Canto da castanheira em ou sem flor

Safo
Diz-me por que me deixou o que outrora fora só meu O Moço.
Safo Safo
Diz-me por que ora a outro dispensa os seus beijos meu Moço.

Não me importam na aleia as castanhas em flor sem sua pança.
Sem o menos casto dos moços é tão-só casmurra essa andança.
Agora se me assemelham simples castigo na aleia as castanhas.
Kastanienallee Kastanienallee sem seu tórax é carga tamanha.

Catulo
Por que me encasulo entre as castanheiras em flor sem O Moço?
Catulo Catulo
Com outro se encastela o que antes à flor de minha pele castanha.

A meus pés às castanhas sem O Moço na aleia é sempre outono.
É sem tom a Kastanienalle e o clima ensimesma sem O Moço.
Que diferença há nessa febre se inverno ou verão sem doutor.
Dão nojo sem castanhas a neve e o sol por entre galhos em flor.

Ovídio
Nenhuma Metamorfose há-de tornar-me o suor suábio d´O Moço.
Ovídio Ovídio
De Amores não há o que outrora fora O Moço e eu eu e O Moço.

Topônimos são todos anônimos se não servem a cantar dele o couro.
As metáforas já não ligam fonemas na Comunhão dos Jovens Touros.
Pai mãe poetas irmãs dai-me no mundo sem fundos o glabro senhor:
Eu sou Ricardo Domeneck o desMoçado entre as castanheiras em flor.

Arnaut
Sem O Moço sou eu para os judeus o zen e o cristão entre os mouros.
Arnaut Arnaut
Que cessem Cruzadas se não cruzo na aleia com o Todo-Glamuroso.

Meus pais Cida e João que me adiantou jogar-me no Mundo pré-Moço.
João e Cida meus pais antes o Nada que esse nadar em oceano desMoço.
Irmãs Elisângela Elaine não se irmana a meu corpo o glabro d´O Moço.
Elaine Elisângela quede o sangue que me aqueça na gleba pós-Moço.

Cavafy
Sem O Moço é além o lá e ali o aí e nenhures de nunca o agora o aqui.
Cavafy Cavafy
DesMoço estraga-me o tomate bigata-me a goiaba azeda-me o caqui.

Doravante
E para sempre
O´Hara Codax
Brecht Dufrêne

E assim
Por diante
Pasolini Hilst
Eliot Lavant

Pelos séculos
Dos séculos
Amém
Que amem

Mas não há pajé
Ou xamã
Que desapodreça
A maçã

Desse almoço
Sem O Moço.


§

31 de maio de 2013. Ricardo Domeneck, Berlimbo de primavera chuvosa, pensando no "Canto da Castanheira" do poeta-pajé Kãñïpaye-ro Araweté, lido na tradução de Eduardo Viveiros de Castro, e retrabalhada e comentada por Antônio Risério.

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sábado, 25 de maio de 2013

"Meu campo de trabalho", poema inédito.


Meu campo de trabalho

Há dez anos
nem morto
eu teria
sido pego
dizendo isso
mas agora
como seria
acordar cedo
e se eu
quiser comer
em uma semana
ter que plantar
hoje o almoço
e a janta
que hão de vir
e se eu quiser
comer hoje
ter que colher
agora o que
cresce já
há um mês
e então cozer
o que só eu
hei de engolir
e ter a coser
o que eu só
hei de vestir
e ter a terra
que adubei
nos dedos
dos pés
nos dedos
das mãos
e para lavá-la
ir a lago ou rio
então sentar
-me à sombra
de uma árvore
da qual sei
o nome científico
e popular
ouvir o pássaro
do qual localizo
o canto o ninho
e então escrever
um poema cheio
de topônimos


- Ricardo Domeneck. Berlimbo, maio de 2013.

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Suplemento Literário de Minas Gerais - 54 poetas comentam poemas dos últimos 20 anos




Já se pode baixar o arquivo com a edição especial do Suplemento Literário de Minas Gerais, dedicado à poesia dos últimos 20 anos. Mais de 50 poetas foram convidados a selecionar e comentar 1 poema, publicado a partir de 1990. Sugeri e comentei "O cutelo", do livro Icterofagia (São Paulo: Hedra, 20120), de Dirceu Villa. Leia este e os demais poemas baixando o arquivo em PDF, disponível no link abaixo.



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domingo, 19 de maio de 2013

"A poesia talvez

seja a última das artes funcionando no sistema econômico do potlatch."

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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Recomendação: a antologia "Poesia (Im)Popular Brasileira". E dois poemas de Stela do Patrocínio.



"Poesia (Im)PopularBrasileira é uma antologia que reúne poemas de alguns importantes poetas brasileiros menos conhecidos do público, ou que, por maior ou menor tempo, ficaram ou estão deslocados em relação aos cânones vigentes, mas que, ao mesmo tempo, foram ou são influenciados por elementos da cultura e da fala populares. São eles: Aldo Fortes, Edgard Braga, Gregório de Matos, Joaquim Cardozo, Max Martins, Omar Khouri, Pagu, Qorpo-Santo, Sapateiro Silva, Sebastião Nunes, Sebastião Uchoa Leite, Sousândrade, Stela do Patrocínio e Torquato Neto. O livro está organizado da seguinte forma: cada um dos poetas é apresentado por um autor convidado, o qual também selecionou uma pequena antologia de seus poemas."

Discuti alguns dos autores incluídos na antologia na Modo de Usar & Co.:


Patrícia Galvão
Joaquim Cardozo
Max Martins
o enormíssimo Sapateiro Silva
Sebastião Nunes
Torquato Neto

Trata-se de uma iniciativa excepcional. É um início e dos bons. Os esforços poderiam continuar, pensando aqui em outros autores, como Luiz Gama, Pedro Kilkerry, Hilda Machado, Orlando Parolini, Maria Ângela Alvim, Raul Fiker, Henriqueta Lisboa – essa representante maior de uma verdadeira poésie pure brasileira que ainda espera o respeito de grande modernista que foi –, ou ainda Francisca Júlia, Marcelo Gama, Isabel Câmara, Edimilson de Almeida Pereira e outros.

Omar Khouri está entre os poetas convidados pela curadoria da Modo de Usar & Co. para o Festival Internacional de Artes de Tiradentes este ano, e terá poemas inéditos no quarto número impresso da revista, a ser lançado durante o festival, entre 12 e 22 de setembro, em Tiradentes, Minas Gerais.

Mas esta antologia me parece a maior contribuição antológica neste ano de tantas antologias, justamente por seu caráter de intervenção no cânone, quesito em que algumas outras antologias têm falhado justamente por sua ânsia canônica. Voltarei a esta questão em breve.

A inclusão de Stela do Patrocínio é uma contribuição excelente, por exemplo, para chacoalhar e embaralhar nosso cânone engessado.




Stela do Patrocínio nasceu em 1941, e viveu, desde 1962, internada na Colônia Juliano Moreira, assim como Arthur Bispo do Rosário (1911 - 1989). Sua fala poética chegou a nós transcrita de fitas cassetes por Viviane Mosé, que organizou essa textualidade no volume Reino dos bichos e dos animais é o meu nome (Rio de Janeiro: Azougue, 2002).



O trabalho de Stela do Patrocínio, em sua fala poética, chamou a atenção de vários artistas, como Georgette Fadel, Juliana Amaral e Lincoln Antonio, que encenaram com seus textos o espetáculo "Entrevista com Stela do Patrocínio" (São Paulo, 2005), e o documentarista Márcio de Andrade, que preparou o documentário Stela do Patrocínio - A mulher que falava coisas. Num país como o Brasil, machista e racista, não é de admirar que a poesia de uma mulher negra e tida como louca não tenha tido mais atenção, com sua textualiade que por vezes nos leva a uma forma de logopeia pelo viés da loucura.

Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam para nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles

(Stela do Patrocínio, em diagramação de sua fala por Viviane Mosé)

Suas enumerações e anáforas por vezes nos remetem à poesia urgente de Patrícia Galvão. Nos Estados Unidos, soube-se valorizar a contribuição de uma poeta como Hannah Weiner (1928 - 1997), que fez de sua condição psíquica a forma do seu pensar. No segundo número impresso da Modo de Usar & Co., incluímos uma tradução para poema da norte-americana.


Texto de Hannah Weiner (1928 - 1997)


Lembro-me aqui da asserção de Sérgio Buarque de Holanda sobre a poesia de Dante Milano, ao dizer que "seu pensamento é de fato sua forma". No caso de poetas como Stela do Patrocínio ou Hannah Weiner, seu pensamento é toda a sua forma.

Imagino que Viviane Mosé tenha se guiado pela marcação oral dos sintagmas que se escandiam da boca da poeta Stela do Patrocínio para marcar suas quebras-de-linha, o que em certos textos nos remete à poética de Murilo Mendes.



É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo

(Stela do Patrocínio, em diagramação de sua fala por Viviane Mosé)


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quarta-feira, 15 de maio de 2013

"Eros: página policial seguida de coluna social" (poema amaro-satírico inédito)



Eros: página policial seguida de coluna social

O Plantão do Jornal Heródoto
                          informa:
  Eros
          foi sequestrado ontem
                              pelo Fantasma
dos Natais Passados,
                            mas após nanoeras
de negociações, acionou-se o Batalhão
           Sagrado de Tebas,
                                        e,
com o auxílio técnico
                 da delegada de polícia
                                     Psylocke,
determinou-se a localização
do cativeiro – na Favela do Xeol.

  Invadiu-se o local
em operação de resgate secreta
denominada “Parúsia de paiol”
         e considerada de extremo
sucesso,
             ainda que o abducente
tenha uma vez mais evadido-se,
                 ao elidir os esforços
de captura pelo Ibama
do famoso amo dos ânus,
esse Inimigo Número 1
dos crânios e dos planos.
(aqui o relato
tornou-se confuso,
se o corregedor
referia-se ao sequestrado
ou ao sequestrador).
       
                           Mas após check-up
na Clínica Particular do Dr. Obaluaiê,
                               Eros de Orleans
e Bragança retornou à Casa Grande
                                em Alphaville.

Segundo a colunista social Cassandra
de Tróia,    papparazzi      flagraram
                                    Eros porém
partindo em seu eromóvel na manhã
de oitava-feira,
                         sem malas ou cuias.

Fontes do jornal
afirmam que se trata de escape de férias
com os amigos Santa Claus von Noel
                        e Leporídeo de Pessach
no Spa Quinto Império,
                                                 onde hoje,
segundo a Agência Meteorológica São Pedro,
o clima amanheceu ameno, ainda que alarmes
impeçam o banho de mar pelas possibilidades
de um eventual ataque de Godzilla às paragens,

mas, no local, reina a total e completa confiança
no serviço de segurança     
                                  prestado por Superman.

(2013, ano dos alarmes falsos)

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