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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Entre Holanda e Flandres, lançando "Het Verzamelde Lichaam", minha antologia poética em holandês

Estive este fim-de-semana em Amsterdã, Holanda, e estou agora em Gante, na Bélgica, lançando o volume Het Verzamelde Lichaam (Amsterdam: Uitgevereij Perdu, 2015), com tradução do poeta e tradutor Bart Vonck. Estou viajando com meu editor holandês, Frank Keizer. O volume traz poemas dos meus livros Carta aos anfíbios (2005 - download disponível), a cadela sem Logos (2007), Sons: Arranjo: Garganta (2009), Cigarros na cama (2011 - download disponível), Ciclo do amante substituível (2012) e Medir com as próprias mãos a febre (2015), além de 3 textos de Odes a Maximin (inédito).


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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Posfácio para a antologia bilíngue / binacional "VERSschmuggel / TransVERSal", que será lançada na Bienal do Rio.



Com lançamento oficial durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro no fim do mês, chega ao Brasil a antologia do Festival de Poesia de Berlim 2012, que pareou poetas brasileiros e germânicos em sua Oficina de Tradução. Editada por Aurélie Maurin e Thomas Wohlfahrt e com posfácio meu, o livro traz textos dos brasileiros Horácio Costa, Jussara Salazar, Ricardo Aleixo, Marcos Siscar, Dirceu Villa e Érica Zíngano, assim como dos germânicos Gerhard Falkner, Christian Lehnert, Barbara Köhler, Jan Wagner, Ulf Stolterfoht e Ann Cotten.

Apresento aqui em primeira mão o posfácio que escrevi para o volume. Trata-se de um pequeno comentário sobre as relações poéticas entre Brasil e Alemanha, com paralelos histórico-políticos. Não discuto o trabalho dos poetas incluídos, o que foi feito pelos próprios pares de poetas. Foi escrito com o leitor alemão em mente.




Posfácio
Ricardo Domeneck

Latinos e germânicos, séculos após a Batalha na Floresta de Teutoburgo

As relações entre a poesia alemã e a brasileira trilharam caminhos tortuosos. Ao contrário da influência francesa, que foi constante por muitas décadas em toda a América Latina, ou a norte-americana, que assumiu esta posição quase hegemônica a partir dos anos 1960 (e com mais força ainda nos anos 1990), as referências da poesia alemã na brasileira sempre foram pontuais, a partir de poetas específicos. No século XIX, uma das maiores aportações germânicas à cultura literária brasileira foi a de Heinrich Heine, traduzido pelo grande romancista Machado de Assis (1839 - 1908), e por poetas como o romântico Fagundes Varela (1841 – 1875). Castro Alves (1847 – 1871) se basearia no poema “Das Sklavenschiff” (1853) para a composição de seu poema mais famoso, “O Navio Negreiro” (1869), e o poeta modernista Manuel Bandeira (1886 – 1968) traduziria, além de Goethe e Heine, peças como Maria Stuart, de Schiller, e Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertolt Brecht, que segue sendo uma das referências alemãs mais importantes do Teatro brasileiro, ao lado de Heiner Müller. Os autores são praticamente desconhecidos no Brasil como poetas. No entanto, o único modernista que manteve certo contato com a Literatura alemã foi Mario de Andrade (1893 – 1945), que intitularia um de seus livros de poemas mais conhecidos Losango Cáqui (ou Afetos Militares de Mistura com os Porquês de eu Saber Alemão), de 1926, e fizera de sua personagem principal, no romance Amar, Verbo Intransitivo (1927), uma Fräulein que iniciava sexualmente os jovens de sua redondeza, onde trabalhava como professora de piano.

Alemanha no Brasil

Na década de 1940, a presença de Rainer Maria Rilke se tornaria incontornável para a compreensão das propostas daquele que ficou conhecido como Grupo de 45, que reagiu contra as inovações modernistas e, mais especificamente, contra sua veia satírica. O poeta teria especial influência entre os poetas que haviam sido ligados à revista Festa, e seria traduzido por Cecília Meireles (1901 – 1964), que criou uma bela versão de “A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristovão Rilke” (“Die Weise von Liebe und Tod des Cornets Christoph Rilke”), geralmente publicada com aquela que se tornou a versão brasileira oficial para as Cartas a um jovem poeta. As “Elegias de Duíno” foram traduzidas mais tarde por Dora Ferreira da Silva (1918 – 2006).

No entanto, é na década de 50 que se vê surgir o maior diálogo entre as culturas poéticas brasileira e alemã até então, com a fundação bilíngue do Movimento Internacional da Poesia Concreta, a partir do trabalho do Grupo Noigandres de São Paulo (Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos) e o trabalho de Eugen Gomringer e Max Bense na língua alemã, entre outros. O movimento poético brotou delas e ramificou-se pelas artes visuais dos dois países, em artistas como Waldemar Cordeiro e Max Bill, que vencera o Grande Prêmio da primeira Bienal de São Paulo em 1951. A influência do Movimento foi gigantesca no Brasil, maior que na Alemanha, e sua leitura crítica, privilegiando os aspectos construtivistas das primeiras vanguardas históricas, assim como a de poetas do passado tais como Oswald de Andrade (1890 – 1954) e João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999), ainda pode ser sentida. Entre os concretos, a veia satírica e as implicações políticas mesmo dos dadaístas ficariam a segundo plano, a atenção voltada a seus métodos de composição, diferentemente do que veríamos em outros grupos de retomada das estratégias das vanguardas a partir dos anos 1950, como entre os Léttristes de Paris (Isidore Isou, Maurice Lemaître, Gil J. Wolman), o Grupo de Viena (H.C. Artmann, Gerhard Rühm, Konrad Bayer) ou o Dau al Set de Barcelona (Joan Brossa, Juan Eduardo Cirlot, Arnau Puig). Uma exceção seria Décio Pignatari (1927 – 2012), um dos grandes poetas satíricos no Brasil do pós-guerra.

A partir da década de 60, estes diálogos, ainda que seguidos pelos artistas concretos, diminuiriam como um todo, não apenas com a poesia alemã, mas com a poesia europeia em geral, substituídos, como se pôde presenciar em várias partes do mundo, por um diálogo com a poesia norte-americana. Seria na década de 90 que outro poeta de língua alemã se tornaria influente no debate poético brasileiro, com traduções de Paul Celan chegando ao país, influência temperada por dois outros poetas estrangeiros publicados no país à mesma época: o norte-americano Robert Creeley e o português Herberto Helder. Após a influência de Heine e sua poética telúrica no século XIX, a poesia alemã que pareceu interessar a muitos poetas brasileiros durante o século XX foi a que poderíamos chamar de ala órfica da poesia em língua alemã, com Hoelderlin, Rilke, Trakl e Celan. Poetas como Brecht, Hans Arp, Unica Zürn, H.C. Artmann ou Thomas Brasch permaneceriam praticamente invisíveis.

Mas os diálogos entre as poesias de dois países podem muitas vezes ser conduzidos como espécies de monólogos paralelos. O maior exemplo neste aspecto seria o trabalho de Augusto dos Anjos (1884 – 1914). Seu único livro publicado em vida, intitulado Eu (1912), é ainda hoje um dos livros de poesia mais populares do Brasil. Os paralelos estilísticos entre seu trabalho e o de Gottfried Benn, em seu livro também de estreia e publicado no mesmo 1912 – Morgue, são muito interessantes. Mesmo que Augusto dos Anjos tenha permanecido fiel à métrica e a certas formas fixas como o soneto, diferentemente de Trakl e o primeiro Benn, há uma conjunção estética clara entre seu trabalho e o dos expressionistas germânicos, ainda maior quando pensamos em poetas como Jakob van Hoddis, Georg Heym e Ernst Stadler. Os grandes poemas de Augusto dos Anjos, como “Monólogo de uma sombra” e “As cismas do destino”, são testamentos das convulsões existencias e políticas que levariam à Grande Guerra na Europa e às revoltas políticas e de modernização no Brasil, culminando na década seguinte com a queda da República de Weimar na Alemanha e o fim da Primeira República no Brasil, quando os dois países mergulham nas ditaduras comandadas por Adolf Hitler e Getúlio Vargas. Tais paralelos foram traçados no Brasil, anteriormente, por Anatol Rosenfeld (1912 - 1973), um dos intelectuais germânicos a emigrar para o Brasil por causa da perseguição nazista, tornando-se um crítico importante do País, especialmente para o Teatro. Ao mesmo tempo que intelectuais alemães abandonavam o país, escritores brasileiros também emigravam, como Jorge Amado (1912 – 2001), ou eram encarcerados, como Graciliano Ramos (1892 – 1953). Após sua passagem por prisões da ditadura de Vargas, este último comporia seu importante Memórias do Cárcere, publicado postumamente, em 1953. Outra presença germânica importantíssima para a abertura da cultura brasileira à mesma época foi a chegada do intelectual judeu austríaco Otto Maria Carpeaux (1900 – 1978), que aprenderia o português e se tornaria um dos maiores críticos e intelectuais do País, muito respeitado ainda hoje.

Brasil na Alemanha

Quanto à presença da Literatura brasileira na Alemanha, ela experimentou algumas décadas de força, após decair fortemente com a Queda do Muro. O período em questão não é casual. Primeiramente na Alemanha Oriental, a partir do fim da década de 1940 e impulsionada pelo viés político de autores como Jorge Amado, e então a partir dos anos 60 na Alemanha Ocidental, desta vez impulsionada pelo sucesso comercial do mesmo Jorge Amado e pelo chamado Boom Latinoamericano, autores como João Guimarães Rosa (1908 – 1967) e Clarice Lispector (1920 - 1977) tiveram suas primeiras traduções para o alemão e marcaram o momento mais intenso da presença brasileira nas livrarias do país. Muitas delas preparadas por Curt Meyer-Clason (1910 – 2012), o maior tradutor alemão do português naquelas décadas, alguns poetas brasileiros chegariam à língua alemã também através de suas mãos, com antologias de Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) e João Cabral de Melo Neto, por exemplo, lançadas pela Suhrkamp mas há anos fora de catálogo.

Logo antes da Queda do Muro, quando a atenção literária da Alemanha se voltaria para os países do Bloco do Leste, autores como o romancista João Ubaldo Ribeiro e o poeta Ferreria Gullar veriam seus maiores trabalhos traduzidos e editados aqui, como foi o caso do romance Viva o Povo Brasileiro! (1984), de Ubaldo, e o Poema Sujo (1976), de Gullar. Mas, a partir daí, mesmo se poetas como Haroldo de Campos e Décio Pignatari mantinham-se no debate através de revistas especializadas, a maior parte dos poetas brasileiros do pós-guerra não chegaria a ser traduzida. Poetas importantes e influentes dos últimos 20 anos, como Hilda Hilst (1930 – 2004) e Roberto Piva (1936 – 2010), mesmo que venerados hoje no Brasil e com suas Obras Completas disponíveis (apesar de décadas de ostracismo), são completamente desconhecidos na Alemanha. O mesmo pode ser dito de alguns dos melhores poetas brasileiros ainda vivos, como Manoel de Barros (n. 1916), Leonardo Fróes (n. 1941) ou Elisabeth Veiga (n. 1941).


Paralelos


Paralelos históricos podem sempre ser traçados entre países, ainda que por vezes pareçam artificiosos. Separados por línguas que possuem raízes tão distintas, talvez o Brasil e a Alemanha repartam alguns traumas de natureza semelhante em seu horror. Formados por movimentos políticos centralizadores, os dois países possuíram em seu passado a marca da organização tribal e do plurilinguísmo, aos poucos derrotados por um Governo Central e uma Língua Oficial. Ambos, tais quais os reconhecemos hoje como Estados-Nação, são jovens: o Brasil ligeiramente mais velho, com sua Independência centralizante em 1822, e a Alemanha com a unificação de 1871. Acredita-se que as primeiras tribos germânicas chegaram à região na Idade do Bronze, entre 1300-700 a.C.. Os restos humanos mais antigos encontrados no Brasil, sendo também os mais antigos das Américas e com idade estimada entre 11.400 a 16.400 anos, são de uma mulher que, para estudiosos, não parece pertencer aos grupos étnicos dos indígenas no território quando houve a Invasão Portuguesa. Entre invasões e migrações, os dois países foram se formando, com sua poesia marcada pela tradição oral: na Alemanha pelos Minnesänger germânicos e no Brasil pelos trovadores galego-portugueses. Só mais tarde a cultura literarizante iria aos poucos impondo a norma de uma tradição poética nacional unificada, construção dos poetas românticos de ambos países. O Império Brasileiro foi o primeiro a cair, com a instituição da Primeira República em 1889. O Império Alemão resistiria até 1918, quando se institui a República de Weimar e se dissolve a monarquia. As convoluções políticas daqueles anos marcariam os dois territórios, com a adesão de tantos intelectuais aos ideais da Revolução Russa dos dois lados do Atlântico, como Bertolt Brecht e tantos outros, na Alemanha, ou Graciliano Ramos e vários no Brasil. Na década de 30, os dois países caem sob o peso de ditaduras, que acabam no mesmo ano de 1945. As divisões da Guerra Fria fazem vítimas dos dois lados, mergulhando a Alemanha, que encarna esta batalha tão concretamente no Muro de Berlim e com a ditadura comunista em metade de seu território, e a Ditadura Militar Brasileira (1964 – 1985), financiada e idealizada pelos Estados Unidos e a elite conservadora do país.


Efeitos

Com o processo de redemocratização iniciado nos dois países no fim da década de 80, os traumas das divisões e entrincheiramentos políticos das últimas décadas se fazem sentir nas duas tradições. Após anos em que o posicionamento político era esperado de seus escritores, seja dos alemães em resistência a uma ditadura de esquerda ou dos brasileiros em resistência a uma ditadura de direita, um retorno ao discurso da autonomia estética da obra de arte parece ditar os parâmetros de qualidade nos dois países durante a última década do século XX. No Brasil, tal ideologia seria expressa por Haroldo de Campos em seu influente ensaio de 1984, “Da morte da arte à constelação: o poema pós-utópico”. Sua defesa da “trans-historicidade” do trabalho poético é indissociável da produção crítica brasileira naqueles anos. Uma desconfiança do aspecto utópico de certas vanguardas leva ao retorno a práticas antes tidas como tabu pelos Modernistas, apesar do caráter claramente anti-distópico de vanguardas históricas como a dos artistas ligados à revista DADA ou dos próprios expressionistas, embate que já havia marcado, por exemplo, o interessante debate entre Lukács e Bloch na imprensa alemã da década de 1930. Tal ideologia tem se esgarçado nos últimos anos, e a discussão sobre o contexto histórico da produção poética recente voltou a tomar força no Brasil. Poetas alemães distantes no tempo, como Heine (em tradução de André Vallias) e Enzensberger (em tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan) voltaram a circular. Com esta antologia, esperamos que alguns poetas brasileiros possam voltar também ao diálogo poético na Alemanha.



in VERSschmuggel/TransVERSal 
(Heidelberg/Rio de Janeiro: Wunderhorn/7Letras, 2013).

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Suplemento Literário de Minas Gerais - 54 poetas comentam poemas dos últimos 20 anos




Já se pode baixar o arquivo com a edição especial do Suplemento Literário de Minas Gerais, dedicado à poesia dos últimos 20 anos. Mais de 50 poetas foram convidados a selecionar e comentar 1 poema, publicado a partir de 1990. Sugeri e comentei "O cutelo", do livro Icterofagia (São Paulo: Hedra, 20120), de Dirceu Villa. Leia este e os demais poemas baixando o arquivo em PDF, disponível no link abaixo.



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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Minha palestra de três dias sobre a poesia brasileira no Centro Cultural Brasil-México: lista dos poetas e poemas que li e comentei

Lendo o "Inferno de Wall Street" no Centro Cultural Brasil-México

Entre os dias 13 e 15 de dezembro, conduzi três falas sobre a poesia brasileira no Centro Cultural Brasil-México a convite da diretora do Centro, a poeta e tradutora Paula Abramo, e da Embaixada do Brasil. A ideia era falar sobre poesia contemporânea, mas em conversa com Paula, ao perceber como poetas importantes brasileiros do porte de Sousândrade e Augusto dos Anjos são desconhecidos no México, decidi que seria interessante começar pela própria Modernidade Poética Brasileira, aquela que começa com a geração genial de escritores das duas últimas décadas do século XIX, a que deu ao mundo Machado de Assis, Joaquim de Sousândrade, Raul Pompeia, Cruz e Sousa, alcançando, já no século XX (mas seus contemporâneos), Euclides da Cunha, Lima Barreto, Pedro Kilkerry, Augusto dos Anjos. São escritores que foram contemporâneos, criando nossa Modernidade poética juntos, ainda que a historiografia literária brasileira insista, em sua preguiça demente, em separá-los por escolinhas literariazinhas, fazendo daqueles textos geniais ilustraçõezinhas de estilinhos europeus. Discuti a relação entre esta Modernidade e o Modernismo do Grupo de 22, mas não tenho espaço para elaborar a ideia aqui, por ora.

É provavelmente um erro postar esta lista aqui, pois conheço bem a fobia dos brasileiros por listas deste tipo. Não haverá apenas um, provavelmente, daqueles que não estão realmente interessados em crítica e poesia, mas tão-só no tal de Cânone, que se ofenderá. Mas eu não tenho tempo a perder com a neurose alheia, basta-me a minha, e como sei que há muito mais leitores interessados e inteligentes neste espaço que os usuais anônimos iracundos, posto aqui a lista, na esperança sincera de uma conversa adulta com quem quer que a deseje, se a desejar.

NÃO É PROPOSTA DE CÂNONE. Não estou sugerindo qualquer evolução, qualquer teia de heranças. A organização cronológica é mera conveniência aqui. Nas palestras, com exceção do primeiro dia em que fui de Sousândrade a João Cabral, saltei entre décadas e poéticas. Entre os contemporâneos, os vivos, estes são alguns dos poetas que me interessam. Quisera apresentar ainda mais poetas, mas o espaço era reduzido, e só pudemos, em muitos casos, ler um único poema.

NOTA IMPORTANTE: ainda que Paula Abramo tenha traduzido vários poemas especialmente para estas palestras, a seleção dos textos de cada poeta teve que se restringir na maioria dos casos a traduções disponíveis. Houve poemas que eu gostaria muito de ter apresentado e comentado, como "A Última Elegia", de Vinícius e Moraes - talvez seu melhor poema, ou "Cismas do destino", aquela coisa incrível de Augusto dos Anjos. Não foi, infelizmente, possível traduzir os textos, tão complexos, a tempo. O trabalho seguirá. Paula Abramo e eu pretendemos iniciar uma página com estes textos, que traga traduções inéditas e apresentações críticas de cada poeta, uma espécie de ponte entre Brasil e México. O primeiro nome que dei à palestra foi "Poesia Brasileira entre a Segunda e a Terceira Guerras Mundiais", pois pretendia falar sobre o pós-guerra e discutir um pouco minhas ideias sobre a historicidade poética, sobre a ideia de um poema pré-distópico, questionando os equívocos atuais de certas poéticas que se querem "trans-históricas". Como tudo começou por fim com Sousândrade, devo chamar a "antologia" agora:

(Última nota: seria uma demonstração de generosidade se escolhessem alegrar-se com as inclusões antes de se irarem demasiado pelas exclusões. Há alguns poetas que respeito que ficaram de fora. Entrarão, porém, na página eletrônica que Paula Abramo e eu prepararemos.)


POESIA BRASILEIRA
ENTRE A GUERRA DO PARAGUAI
E A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL



Sousândrade

"O inferno de Wall Street"

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Cruz e Sousa

"Litania dos pobres"

§

Augusto dos Anjos

"Monólogo de uma sombra"
"Soneto a meu filho morto"

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Manuel Bandeira

"Poética"
"O cacto"
"Vou-me embora pra Pasárgada"

§

Oswald de Andrade

"Cântico dos cânticos para flauta e violão"
"Manifesto Antropofágico"

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Carlos Drummond de Andrade

"Poema de sete faces"
"Elegia 1938"
"A Máquina do Mundo"

§

Murilo Mendes

"Janela do caos"

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Henriqueta Lisboa

"O ser absurdo"
"O mito"

§

Vinícius de Moraes

"Soneto da separação"
"Poética"
"A brusca poesia da mulher amada"

§

Cecília Meireles

"Mar absoluto"
"Reinvenção"

§

Jorge de Lima

"A ave"
"Invenção de Orfeu" (excerto)

§

João Cabral de Melo Neto

"Psicologia da composição"
"Uma faca só lâmina"

§

Haroldo de Campos

"Galáxias - e começo aqui" (na voz do próprio autor)
"Galáxias - circuladô de fulô" (na composição musical de Caetano Veloso)
"o â mago do ô mega"
"nascemorre"

§

Décio Pignatari

"hembra hambre hombre"
"beba coca cola" (com composição sonora de Gilberto Mendes e em vídeo)

§

Augusto de Campos

"pulsar" (com a composição sonora de Caetano Veloso)
"cidade city cité" (na voz do próprio Augusto de Campos)

§

Paulo Leminski

"um dia a gente ia ser homero"
"eu queria tanto"
"Desencontrários"

§

Leonardo Fróes

"Metafísica e biscoito"

§

Sebastião Uchoa Leite

"Biografia de uma ideia"

§

Roberto Piva

"A piedade"
"Praça da república dos meus sonhos"
"Piazza 10"

§

Orides Fontela

"Múmia"
"Clima"

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Wally Salomão

"Retrato de um senhor"

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Ana Cristina Cesar

"Arpejos"
"21 de fevereiro"
"Nada, esta espuma"

§

Zuca Sardan

"Tropicália"

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Francisco Alvim

"Muito obrigado"
"Descartável"
"Argumento"

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Paulo Henriques Britto

"Dez Sonetóides mancos III"

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Lu Menezes

"Molduras"

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Josely Vianna Baptista

"vivos em meu corpo (sílex in"

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Carlito Azevedo

"Vaca negra sobre fundo rosa"

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Jussara Salazar

"Splendor Fulgores"

§

Ricardo Aleixo

"Paupéria revisitada"
"o real irreal" (composição sonora e em vídeo)

§

Marcos Siscar

"Tome seu café e saia"
"Dor"
"O poeta decide ser Borges"

§

Hilda Machado

"Miscasting"

§

Marília Garcia

"Le pays n´est pas la carte"
"Svetlana"

§

Fabiano Calixto

"E-mail para Carlito Azevedo"

§

Izabela Leal

"Fuga em dó maior"

§

Dirceu Villa

"O cutelo"

§

Pádua Fernandes

"Prelúdio imóvel e desenvolvimentos"

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Eduardo Jorge

"Diante de uma paisagem pensou: Kierkegaard"

§

Laura Erber

"Geografia de Salinas"

§

Marcelo Sahea

"Clonazepan"
"Menos é mais"

§

Angélica Freitas

"dentadura perfeita"
"ai que bom seria ter um bigodinho"
"família vende tudo"
"love me"
"às vezes nos reveses"

§

Ana Guadalupe

"pé esquerdo"

§

Érico Nogueira

"Deu branco"

§

Juliana Krapp

"Limite"
"Permanência"

§

Érica Zíngano

"Os conservadores deveriam fazer alguma coisa de útil"

§

Ismar Tirelli Neto

"Preocupações épicas"

§

Victor Heringer

"Meridiano 43"


(NOTA: por um descuido na hora de fotocopiar a apostila, ainda que estivesse na lista com vários poemas Hilda Hilst acabou ficando de fora, algo pelo qual não hei-de me perdoar. Mas Paula Abramo e eu temos o projeto de preparar uma pequena antologia, onde ela certamente terá destaque. Outra ausência séria é a de Pedro Kilkerry, pela qual peço aqui, publicamente, perdão.)

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"O Prisma das Muitas Cores: Poesia de Amor Portuguesa e Brasileira" (Fafe: Labirinto, 2010)



Recebi esta semana meu exemplar da antologia portuguesa O Prisma das Muitas Cores: Poesia de Amor Portuguesa e Brasileira (Fafe: Labirinto, 2010), com organização do poeta português Victor Oliveira Mateus. São muitos poetas (apenas os vivos) dos dois lados do Atlântico lusófono, de várias gerações, comparecendo com um poema cada. Entre os portugueses, vale mencionar a presença de Ana Hatherly, Nuno Júdice, Ana Luísa Amaral, António Ramos Rosa, Luís Filipe Cristóvão, Casimiro de Brito, E.M. de Melo e Castro, Maria Teresa Horta e valter hugo mãe; entre os brasileiros, poetas de gerações e poéticas tão diferentes quanto Dirceu Villa, Antonio Cicero, Olga Savary, Donizete Galvão, Ivan Junqueira, Renata Pallotini ou Ruy Espinheira Filho. É bastante eclética, o que sempre traz suas vantagens e seus problemas, mas descobri nela alguns poetas que não conhecia, reli outros que haviam despencado da esfera da minha atenção, pude pensar em alguns que são espécies de fantasmas na poesia contemporânea, poetas mais velhos ou poetas líricos que estrearam na década de 50 e acabaram obscurecidos pela atenção muitas vezes exclusiva dada aos poetas de vanguarda daquela década. É o caso, por exemplo, de Pallotini, que tem poemas muito bonitos, em uma linhagem por vezes de lírica pura, algo similar à de Hilda Hilst poeta, ou de Marly de Oliveira. Victor Oliveira Mateus selecionou para a antologia um poema do meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005), que é um dos meus favoritos, chamado "O pão partido" e que reproduzo abaixo.


O pão partido

Houvesse um telefonema,
haveria uma voz; eu
emagreço, que prazer
ajustar-se melhor
aos ossos. Levitar
até o teto; basta mover-se
na direção certa
para viver de inverno
em inverno. Meu corpo
seu estrado, o colchão
a falta, em concha
peito e costas
aconchegam-se
em útero: e a falta
redobrada.
O cordão umbilical uma
ausência explícita, que
digestão suporta
uma hóstia?
A boca abre-se à
expectativa,
saliva
produzida nas glândulas
da anunciação.
Pão partido, corpo prurido
every single time.
Mas separam-nos
o jejum e as
orações de minha mãe,
a possibilidade
de um oceano
e seu condiloma
imaginado.
É 1654 e cavalos
(oito) tentam separar
as duas metades de
uma esfera unidas
pelo vácuo; em apenas
dois por cento das caças
um urso polar
tem sucesso mas
seu pêlo é branco! e oco
para conduzir melhor o sol;
brilhar e desaparecer:
camuflagem perfeita e o único
predador a fome.
A hóstia sempre
um prelúdio,
não uma rememoração.


Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (2005).

§

QUATRO OUTROS POEMAS DA ANTOLOGIA


Lyra aragonesa: refram de abril
Dirceu Villa

"Pero mi fez e faz Amor mal"
Martim Moya

Não amor não pode
mal fazer
nenhum;
ou torna o senhor escravo,
escolhe em mil a mais
gentil
e colhe a dor do cravo
no amargo
mês de abril?

[Se então tal mal me vem
eu, sábio,
o torno logo em bem:
tolice é ter em sol tão certo
deserto só
& desolação;
e se esse é o preço
que pago,
bem pouco parece:
um pequeno estrago
no brio
que bem o merece.]

Pois tal fervor demove o frio,
e traz ardor à alma;
e então a flecha erra
a calma
e põe o peito em guerra:
torna o senhor
escravo,
o gentil prazer des
terra,
o estio já desfalece,
é um pássaro sem
pio
no amargo mês
de abril.

§


Carta de Amor Informático
Ana Hatherly

Penetraste no meu coração
Como um vírus no meu processador

Vindo de lado nenhum
Ofereces-me agora
O vazio da não opção

Estragaste-me o real
Obrigaste-me a reinventá-lo:
Para quê?

Agora estás
No meu cemitério de textos
Já não te posso reencaminhar

Arquivei-te no lixo da memória
Do meu Pentium IV
Que aliás já vendi

Troquei-o por um lap top*
Mais leve
Mais portátil
Mais facilmente descartável


§

Venha a nós o vosso reino
Olga Savary

Cheios de imagens os olhos
e de silêncio os ouvidos.
Palavras: quase nada.

A cor do barro primitivo em tua pele,
terra-mãe, vinho de frutos, fogo, água,
em ti se nasce e em ti se morre.

Vais me recolhendo e recompondo
no labirinto-búzio-alto-das-coxas,
presságio de submerso jardim,

um ideal jardim em que me apresso
e tardo retardar a troca das marés
quando para ti me evado.

O que é amor senão a fome rara,
o susto no coração exposto
que com a chama ou a água devora,

é devorada, que desdenha a mente
por uma outra fome, vago pasto
água igual a fogo, fogo como lava?

Amor foi uma volta inteira de relógio mais 7 horas.
Amor: chega de gastar teu nome:
agora arde.


§


Emotional Turn
Hugo Milhanas Machado

"Ir en busca de lenguaje y regresar sin nada"
Julia Otxoa


O nosso embalo vem à direita da letra
e já vem tempo que parece ser fatal
o que no fim do dia arrepende
Temos uma toada emocional, embora fria
Disputamo-las nas pequenas imagens
truques travas e toques
de potentes linguagens que algum dia
até são nossas, e logo se nos espraiam
mas mesmo, reparo Praia e praia
Eu aqui só digo praia
Temos uma toada emocional, tão fria
como o favorito do Pessoa, e isso sim
o amor todo dobrado
também uma grande galeria
de coisas que ainda fazem chorar
como na escola as festas de fim de ano
com grupos de língua inglesa e
tremendamente enamorados
já ninguém diz

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sábado, 8 de janeiro de 2011

Poemas na antologia mexicana "Porque El País No Alcanza: Poesía Emigrante de la América Latina" (Ciudad de México: Billar de Lucrécia, 2010)




Foi publicada há pouco no México a antologia Porque El País No Alcanza: Poesía Emigrante de la América Latina (Ciudad de México: Billar de Lucrécia, 2010), que traz poetas latino-americanos vivendo fora de seus países ou em constante diáspora, para quem a migração por fronteiras e o questionamento de noções de cidadania e pertencimento acabam por se tornar elementos vitais. Tenho alguns poemas incluídos no volume, com tradução para o castelhano do poeta argentino Cristian De Nápoli. Sou o único brasileiro na antologia, que traz vários mexicanos, onde naturalmente a questão de migração por fronteiras assume um caráter tão determinante. O volume tem seleção e apresentação do poeta alemão Timo Berger e prólogo de Héctor Villarreal. O livro encerra o projeto editorial mexicano Billar de Lucrécia e inclui os seguintes autores:

Omar Pimienta (Tijuana, 1978)
Alejandro Tarrab (Ciudad de México, 1972)
Maricela Guerrero (Ciudad de México, 1977)
Alejandro Zambra (Santiago de Chile, 1975)
Miguel Ildefonso (Lima, 1970)
Cristino Bogado (Asunción, 1967)
Cecilia Pavón (Mendoza, 1973)
Matías Moscardi (Buenos Aires, 1983)
Sayak Valencia (Tijuana, 1980)
Julio Espinosa Guerra (Santiago de Chile, 1974)
Diego Palmath (Lima, 1977)
Edgardo Dobry (Rosario, 1962)
Milagros Salcedo-Roguet (Lima)
Rery Maldonado (Tarija, Bolivia, 1976)
Ricardo Domeneck (São Paulo, 1977)
Lalo Barrubia (Montevideo, 1967)
Roxana Crisólogo (Lima, 1966)
Jennifer Adcock (Monterrey, 1982)
Rogelio Guedea (Colima, 1974)


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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Antologias, cânones, neglectorinos & celebrities


Tenho carregado na sacola a antologia Revolution of the Word: A New Gathering of American Avant Garde Poetry 1914-1945, editada por Jerome Rothenberg, nesta última semana.


Rothenberg é famoso por suas antologias ::: Technicians of the Sacred (1968), Shaking the Pumpkin (1972), America A Prophecy (1973), Poems for the Millennium (1998), etc ::: e gosto muito da maneira como ele as usa para questionar e atualizar o conceito de cânone, numa dialética de ruptura e continuidade.

Esta Revolution of the Word foi originalmente publicada em 1974 e reúne nomes (hoje) institucionais dos primeiros modernistas americanos, a outros poetas cultuados mas pouco conhecidos e poetas completamente esquecidos àquela época ou ainda hoje. Organizada em ordem alfabética por autor, é uma tentativa de esquecer ou contornar reputações e investigar o processo de sobrevivência dos textos, a partir do contexto em que surgiram.

O volume é dividido em duas partes: "Preliminaries" e "Continuities".


Entre os mais conhecidos e estabelecidos: Gertrude Stein, Ezra Pound, Marianne Moore, William Carlos Williams, Wallace Stevens, e.e. cummings, T.S. Eliot, Hart Crane;


Entre os cultuados, mas raros: Mina Loy, Laura Riding, H.D., Robert Duncan, Louis Zukofsky, Kenneth Rexroth, George Oppen, Charles Reznikoff, Kenneth Patchen, Jackson Mac Low, ainda muito mencionados e lidos, com antologias e obras completas ainda em catálogo, mesmo que não sejam exatamente "poetas de currículo"; poetas como Kenneth Patchen e Kenneth Rexroth têm um status estranho: ainda citados em historiografias, com volumes ainda em catálogo, suas obras parecem participar pouco do debate contemporâneo;


Entre os completamente esquecidos: Harry Crosby, Walter Conrad Arensberg, Bob Brown, Abraham Lincoln Gillespie, Else von Freytag-Loringhoven, Marsden Hartley, Charles Henri Ford, Kenneth Fearing, Eugene Jolas;



Entre todos eles, também o poeta... Marcel Duchamp.

Poetas como Ezra Pound, William Carlos Williams e Gertrude Stein nem sempre contaram com o reconhecimento que hoje os torna nomes incontornáveis para muitos poetas, até mesmo fora dos Estados Unidos. Contudo, Gertrude Stein ainda é excluída da maioria das antologias de poesia moderna em língua inglesa.

O que faz com que um poeta seja lembrado ou esquecido? Podemos realmente contar com o fator "qualidade literária" como principal? Quem estabelece esta qualidade? Os críticos? Quais? Para Hugh Kenner, a primeira metade do século XX foi The Pound Era. Para Harold Bloom, obviamente polemizando com Kenner, trata-se da "Stevens Era".

Deveríamos confiar nos poetas?


Se dependesse de Ezra Pound, alguém como Gertrude Stein provavelmente não teria muito espaço no "cânone". Stein pensava algo parecido sobre o próprio Pound.


Quando o século XX estava no fim, os jornais e críticos apressaram-se em preparar as listas dos melhores do século: nas listas de que me lembro, "The Waste Land", de Eliot, era quase que invariavelmente eleito "o poema mais importante do século". Pois bem, William Carlos Williams considerava "The Waste Land" o maior desastre das letras americanas, e Gertrude Stein nunca teve palavras muito gentis para Eliot. Briga de egos? Talvez. Se lemos com atenção o trabalho de Pound e Stein, por exemplo, percebemos que era coerente que eles não apreciassem o trabalho um do outro. Pode-se dizer o mesmo sobre Eliot e Williams.


Lendo a antologia organizada por Rothenberg, pergunto-me mais uma vez como é possível que a obra de poetas como Mina Loy e Laura Riding possam ser tão negligenciadas. De Loy, tenho o volume The Lost Lunar Baedeker: Poems of Mina Loy, uma seleção de seus poemas, incluindo a série esplêndida "Songs for Joannes", que cito em minha cadela sem Logos. Mina Loy é um dos poetas mais estranhos e interessantes dentre os primeiros modernistas anglófonos. De Riding, tenho a reunião de todos os seus poemas em The Poems of Laura Riding, outra esquisita dentro do que nos acostumamos a ver como Alto Modernismo.


Poetas como Kenneth Patchen e Kenneth Rexroth reabriram muito do caminho bárdico e politicamente radical para os Beats que estariam por vir, mas acabaram soterrados sob a empresa da imprensa dedicada aos mais jovens Allen Ginsberg, Gregory Corso e Jack Kerouac.

Entre os completamente esquecidos, pareceram-me especialmente interessantes os poetas Walter Conrad Arensberg, Harry Crosby e Kenneth Fearing.


E quanto ao Brasil? Como anda a saúde do nosso "cânone oficial"?


Pensar que poetas como Murilo Mendes e Jorge de Lima passaram tanto tempo soterrados ou submersos, assim como Hilda Hilst e Orides Fontela, chega a dar vertigem de tristeza. Mesmo assim, as obras deles são muitas vezes lidas sob parâmetros alheios. Basta pensar na mania de "eleger" o livro Tempo Espanhol (1959), de Murilo Mendes, como o seu "melhor trabalho", por permitir a leitura de Murilo Mendes sob os parâmetros estéticos de João Cabral de Melo Neto, parâmetros que condicionaram por certo tempo a apreciação crítica de tantos outros poetas.


Talvez Tempo Espanhol seja realmente um grande livro, mas não me parece realmente enriquecer o tal de cânone em um pluralismo de propostas, como os brilhantes e únicos As Metamorfoses, Mundo Enigma e Poesia Liberdade, que termina com o estupendo ::: SALVE SALVE ::: "Janela do caos", my own private most important Brazilian poem of the 20th century if you allow me the exaggeration.


O que pensar sobre os que ainda estão submersos?

É difícil investigar a "justiça" de seu esquecimento se este mesmo esquecimento impede que tenhamos acesso às obras dos poetas, impossibilitando a reavaliação. É por isso que se torna tão necessário que tenhamos sempre poetas curiosos que resolvem investigar, garimpar no olvido aqueles que possam apresentar obras interessantes para o seu (nosso) tempo. Penso imediatamente no trabalho de Haroldo de Campos e Augusto de Campos com poetas como Joaquim de Sousândrade e Pedro Kilkerry. Hoje em dia, penso em Dirceu Villa, chamando nossa atenção, com insistência, para o trabalho de poetas como Dom Tomás de Noronha ou Sapateiro Silva.

Lembro-me, porém, de alguns textos recentes de Antonio Cicero sobre a vanguarda e o cânone, tão bem-intencionados quanto equivocados, em minha opinião, com sua ilusão de um cânone incondicionado, formado por uma crítica "incessante e implacável" segundo ele, mas que eu chamaria de "condicionada por interesses extra-literários até a medula". Em artigos do ano passado, este poeta (por quem tenho respeito) entregou-se a uma reavaliação do papel das vanguardas, na qual estas transformam-se numa espécie de "afrodisíaco para a tradição". Em um artigo da semana passada, ele usa o trabalho do crítico inglês Terry Eagleton (que, com Fredric Jameson e outros, tenta salvaguardar a validade de uma abordagem política da literatura) para mais uma vez defender a crença de que alguns sofrem de cegueira ideológica, outros não; que uns têm liberdade crítico-estética (entre os quais ele se inclui, obviamente), enquanto outros estão condicionados por sua própria obsessão com o perigo de condicionamentos extra-literários na discussão da literatura. Se Eagleton "exagera" em seu zelo político, tal preocupação está longe de ser ingênua, como quer o poeta carioca, parecendo-me muito mais ingênua a sua tentativa de insinuar a possibilidade de uma crítica incondicionada, e sua argumentação de uma "falta de relação vital com a poesia" por parte de Eagleton e entre aqueles que possuem tal preocupação est-É-tica: a de analisar os condicionamentos históricos da avaliação artística. O exagero de Antonio Cicero é necessário para que siga em seu argumento. Cicero precisa para isso criar a oposição, como se faz com freqüência, entre o "condicionado" e o "incondicionado", evitando assim o trabalho realmente desafiador de buscar compreender como a poesia pode ser, ao mesmo tempo, documento histórico e estético. É mais fácil criar a oposição entre história e estética como inconciliáveis, como ele faz neste artigo e tantos outros poetas o fazem diariamente em outros textos. Quem conhece sua poesia, porém, percebe facilmente os condicionamentos individuais do trabalho poético e crítico de Antonio Cicero, dos quais nenhum poeta escapa, mesmo que ele se creia livre deles.


Terminaria com três poetas modernos submersos, esperando reabilitação ou atualização do esquecimento, segundo as necessidades de cada um: Henriqueta Lisboa (ainda à sombra de Cecília Meireles, em um cânone que reserva poucos lugares a mulheres, esta mineira tem alguns dos poemas mais cristalinos dentre os modernistas como "poetas puros". Nem tudo interessa, mas o que interessa poderia/deveria ser lido.); Joaquim Cardozo (Muito mencionado, pouco lido, creio que seus livros estão todos fora de catálogo); Dantas Motta (provavelmente considerado discursivo para um cânone embebido de parâmetros como "secura" e "economia de linguagem", este poeta escreveu algumas páginas que me parecem exuberantes e poderiam enriquecer um cânone mais plural.)


Entre os vivos, penso em um poeta como Max Martins, que talvez não tenha a sorte de receber, em vida, a atenção que outros poetas por muito tempo negligenciados têm recebido, como Roberto Piva.

Digo tudo isto, apesar de pensar que esta noção de cânone único e imutável é, de qualquer maneira, demasiado provinciana. Prefiro, hoje em dia, ver o cânone como simplesmente a reunião de textos que se reconfigura a cada geração, na qual nada pode engessar-se ou instituir-se como certeza e lei. Cânone deveria ser a reunião de textos sendo realmente LIDOS por poetas e por aqueles que vão à poesia pelas mais diferentes causas e em busca dos mais diversos efeitos. Não uma lista de reputação de poetas para universidades, universitários e seus professores. Esta noção de cânone, como a que me parece ser defendida por Antonio Cicero, por exemplo, é que transforma a poesia em mero documento histórico.

Deveria ser uma aventura, e é, caminhar por entre estes poetas famosos e esquecidos, mas :

CUIDADO
com os canhões
do cânone.

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