segunda-feira, 29 de julho de 2013

"Poema começando 'Quando'" (a cadela sem Logos, 2007).





Poema começando “Quando”

Primeira faixa – 01:12

Quando o ponto
no círculo
abriu-o em linha.
Durante
as condições, o contexto.
Por você confundi os
sentidos para preservar
a canção.
Entre a faca na mesa e
a faca no chão, a
expectativa do peso, a
expectativa do corte,
esta última fundura
que resta:
o osso para a pele.
A subnutrição fará de nós
contemporâneos.
(Reconhecer, desejar, lembrar-se, etc)
Adoro epígrafes, não
vejo a hora
de escrever meu próprio
epitáfio. É um sinal
dos tempos, ele diz,
este gosto por epílogos
rápidos e determinados.
Vou vestir as roupas
da coleção
do inverno passado
e caminhar
pelas ruas crente
que a tradição ajuda-me
a respirar hoje. Mas
meus pulmões
são extemporâneos
apenas
na reação à pneumonia,
nunca antes, nem depois.
O epicentro dos
acontecimentos,
eis
o sonho dos séculos.
Estive com Cléo das
5 às 7.
------ estou procurando, estou procurando
a passagem
da contingência não-manifesta
à manifesta, forma
evidente do copo que
deixa a água menos
turva, honestidade
do continente
que sempre
mistura-se ao conteúdo,
circunda estas instâncias.

§

Segunda faixa – 00:37

Reconhecer a
construção pelo
espaço entre as
pedras
requer ser
ao mesmo tempo
pedreiro e arquiteto,
não engenheiro.
John Cage opera
o acaso
mas como o dia
há a escolha.
Há? Há.
O que não

são palavras
0/Km.
Por tanto:
o muro resiste
do lado de
dentro
da cidade sitiada
ou
o muro constringe
do lado de
fora
da cidade sitiada.
Tente manter-se puro,
meu caro senhor,
ausente e alheio
como os resistentes
do lado de fora,
e acorde
entre os colaboracionistas.
Mas todo muro é um tanto
confuso.

§

Terceira faixa – 00:48

Durma o espaço
de cinco músicas
e acorde para a água
na banheira mais fria,
assim resta o
quarto contíguo
que comunica
da macieira à laranja,
da mesa à madeira,
do urso
polar ao pêlo;
mas se
o calor não se
perde,
mas se a
carta escrita
ontem era válida
ontem e cruza
o oceano em uma
semana,
carregando meu nome
atual e a antepassada
da minha
intenção contemporânea,
a duração deste espaço
de tempo
é única,
o limite
do período das rugas
na mão
na água é curto,
mas o das rugas no rosto
é mais sombrio,
difuso.
Um pontua-se
pelo ressecamento,
o outro pela
dissolução.
Sucedem-se épocas.

§

Quarta faixa – 0:39

Quartos contíguos
podem acabar similares
pela justaposição dos móveis e
mesmo o caminhar em linha
reta, de um a outro.
Next to that,
to which there
is no Near.
A forma
mais rápida
de ligar A & B
é aboli-los, bani-los
como extremos
mas ele teme
a perda do controle
e associar-se
por acidente.
É ativa e passiva
a posição justa.
(Como a atenção)
O som da voz
alta confunde o
sentido onde
antes o hábito
do silêncio dos
olhos na página,
que delícia.
Muito combina-se às
vezes
sem selecionar
e o contingente estaca,
surpreendido.

§

Quinta faixa – 0:42

Intercalar uma série de
interrupções para melhor
compreender o calendário
dos meus dias. Sempre
e todo dia começam
com freqüência
complementares e adversativos,
para terminarem
entre letreiros fechados, créditos,
THE END
, o gosto do final e
a orquestra apontando a saída.
Há quem leia
prefácios,
há quem leia
posfácios.
O que se espera
da experiência
é que ocorra
antes de termos
tempo
de conectá-la com outra
e dizer “ponto final”
da dicção,
na expectativa
de atingir
pelas divisões do dois
o único,
quando obtém-se
este efeito
pela divisão do mesmo
pelo mesmo.

§

Sexta faixa – 0:24

Suas práticas
de acordo
com suas preferências
sexuais ou esta gola
justa
(Hedi Slimane)
impede-lhe o discurso
? e a resposta
foi “ambas e mais.”
Para quem não
quer nem pode a margem
por pertencer no censo
sempre a algum
domínio resta
a sabotagem
interna como o câncer.
Ele diz máquina
descentralizada e eu
digo ! hah hah hah.

§

Sétima faixa – 0:43

Tudo culpa
do meu vocabulário.
Existe a opção do sonho
com a infância
anterior
que rebusca o ouro.
Que horas são?
18:51
.
Não
proclame do palanque.
Ele diz “a música
de Heitor
Villa-Lobos
sofre
de falta de forma.”
Que fome.
Olhos
vêem no centro
da espiral um quadrado,
em especial na falta da
disposição para acompanhar
o movimento da elipse.
Não, não
na tranqüilidade
o pacote do produto
mas,
em uma emergência,
o processo das
mãos à obra .
Toda escolha
é ao acaso da atenção.

§

Oitava faixa – 0:50

Prefiro, no fundo,
a superfícies,
apêndices.
Consumir antes
da próxima
geração.
Adorno e engenho
substituídos pelo
fluxo do floema,
isto é, afinal
de contas,
uma emergência.
Mudança no
tempo imprevista.
O eterno seduz
tanto quanto
sempre
mas espera-se
adultos agora.
“O que
significa
isto?”
Leia a frase
toda.
Percorremos este
espaço de tempo
minuto a minuto
para vir do pavor
da idade do serrote
como infração do eterno
em Murilo Mendes
a esta aceitação
e deslizar no contingente
de Lyn Hejinian
em “persevering saws
swimming into boards”,
contentes, contentes.

§

Nona faixa – 0:38

Alinha-se quem
preserva. Rompa
pelo fértil.
Labirinto
se não se
resiste
ao caminho
seguindo-o.
Eu, etc.
The first time.
Das erste Mal.
La premiére fois.
Como você, não
prefiro a
não-ficção.
Não, senhor,
cogito
a possilidade.
Ela senta-se, Gauloises
à mão: “Non, la
Disneyland c´est pas
LA FRANCE, c´est
en France, mais
c´est pas La France.”
Tentação do homogêneo,
parte 2.
Eu, etc.
“ und schon sind wir
mitten drin in der
suspekten abstraktion.”

§

Décima faixa – 0:55

Algo amadurece à distância
mas aproxima-se aos
poucos para poucos
antes de todos
perceberem que
do chão à copa
o espaço é da queda.
Tudo deve ser documentado
é uma pergunta do processo
que se inicia no terror
para alcançar a beleza,
o risco do esquecimento
o primo leve da memória,
o preço breve do ato.
O trabalho árduo de convencer
a fruta
de que já se encontra madura.
Com os dentes.
Tempo movendo-se em volume
alto, duração contínua
segundo a segundo
para depois
ser sujeito
às elipses da atenção
da história.
A mão que escreve
pode querer-se à margem,
silenciosa, mas seu
tom de voz ecoa
por todos os cantos.
Camuflagem falha.
Equívoco da tentativa
de uma “epistemology
without a knowing
subject”.
Toda presença
é central mas pode
sabotar-se
melhor como ventríloquo
do que invisível.

§

Faixa-bônus – 0:39

Amanhece constantemente
e nossa atenção
redireciona os olhos
como foi necessário
apaixonar-se por um ruivo
para registrar o número
excitante deles nas ruas.
Cochilo como técnica.
Traduzir “Wren / set
up his own monument”
por “Mauá /
não olha a própria estátua”
Oportunidade
de dar-se
um nome
à vivência.
We possess nothing.
Ao terminar a décima
parte teve a sensação
prazerosa de simetria,
completude,
portanto escreveu a
décima-primeira.
Estou interrompendo?
Não,
fertilizando.
Eles estão emparedados
com palavras
de suas próprias idéias.

/

Ricardo Domeneck, in a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007)

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