quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Efígie medieval de Leonor, fotografia moderna de Simone




Efígie medieval de Leonor, fotografia moderna de Simone



"Força é mudares de vida."
Rainer Maria Rilke, "Torso arcaico de Apolo", tradução de Manuel Bandeira



Não, Rilke, não. Não é um torso de macho decapitado com suposta luz interior que exige de mim que mude minha vida. Não.

Antes a efígie de Leonor da Aquitânia, a grande; da Dinastia dos Ramnulfides; neta de Guilherme IX da Aquitânia, o Trovador; a mulher culta que acabou casada com trogloditas-reis; sob a patronagem da qual cantaram Wace, Benoît de Sainte-Maure; que foi amada por Bernart de Ventadorn; a que recebia os maiores artistas do seu tempo em sua corte, em Poitiers, corte que, lenda ou não, passou à história como a do amor cortês; rainha consorte da França, rainha da Inglaterra, Duquesa da Aquitânia e da Gasconha, Condessa de Poitiers; a que esteve presente na Segunda Cruzada e demonstrou maior habilidade militar que seu primeiro marido, Luis VII, de quem ela disse "Pode ser rei, mas parece um monge"; a que fazia o que queria, fosse ter um caso com o tio ou anular seu casamento para casar-se com o primo distante, 9 anos mais moço; aquela que depois liderou rebeliões com seus filhos contra o mesmo, seu segundo marido, Henrique II; a que foi banida e presa, por este, por 16 anos no Castelo de Sarum; a mãe de reis e rainhas, entre eles Ricardo Coração de Leão; rainha-leoa que teve sua efígie esculpida não com espada ou cetro nas mãos, mas um livro.

Antes a foto de Simone Weil, a responsável, os olhos fechados detrás dos óculos; a que escreveu o panfleto "Allons-nous vers la révolution prolétarienne?" e foi chamada de herética pelos patriarcas da Igreja Marxista Ortodoxa; a que se dividia entre a enxaqueca e o êxtase, entre a vindima e a ascese; a que lecionou filosofia apenas para meninas; a que lutou na Guerra Civil na Espanha mesmo sem saber manejar arma, pois sentia que era sua responsabilidade; aquela que teve um epifania na Basilica di Santa Maria degli Angeli e completou sua revelação na leitura de um poema, "Love III", de George Herbert; que foi a Londres e atazanou De Gaulle até que este a engajou na Resistência Francesa; não sem antes, trabalhando num vinhedo, encher cadernos de meditações que formariam um livro chamado "A Gravidade e a Graça", que eu leio sentindo-me desnudo, como se ela delicadamente arrancasse-me a máscara; aquela que disse que "A atenção é a mais rara e pura forma da generosidade"; a que se recusou a comer, com um pé já na cova, pois se os judeus morriam a milhares de quilômetros aos milhares, ela não podia comer; e que então morreu de maneira cátara aos 34, sozinha, olhando uma árvore pela janela.

E assim passo os dias, entre o desejo de empanturrar-me em êxtase na corte de Leonor da Aquitânia, e jejuar em ascese num convento com Simone Weil, contraditório, entre enxaquecas e epifanias.

São estas que, ao olhar-me ao espelho, perguntam: E você, faz o que da vida?


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Berlim, 10 de dezembro de 2014.

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