Há poucos dias, eu elogiava o trabalho poético de PJ Harvey, ao ler a notícia de que ela pretende lançar uma coletânea de poemas em 2015, intitulada The Hollow of the Hand (que título!), em parceria com o cineasta e fotógrafo Seamus Murphy, criador dos filmes para seu álbum Let England Shake (2011). Repito aqui o que disse nas redes sociais: já tenho muito respeito por Polly Jean, poeta. Várias de suas letras funcionam muito bem na página, e aprendi algumas coisas com ela. Quem se interessa pela tradição oral e o trobar medieval não se espanta. Sempre apreciei nela o que chamo de tristeza raivosa, algo que busco em alguns poemas. Não choramingar, mas só deixar cair a lágrima se os dentes estiverem trancados uns nos outros. Uma coisa que me parece clara em certas canções suas é a lição de que minimalismo e concisão não precisam significar esterilidade emocional. Sente-se isso também em Lorine Niedecker ou Robert Creeley, por exemplo.
No artigo, ela diz ter muito interesse pela imagem, o que fica claro ao percebermos a força fanopaica de canções como "Is this desire?" e "Rub till it bleeds". Polly Jean foi importante para mim em dois momentos específicos. Lançou o álbum Stories from the City, Stories from the Sea (2000), com canções que me ajudaram muito em 2001. E, em 2011, o pior ano da minha vida, o ano em que escrevi Cigarros na cama, ouvi muito seu White chalk (2007). White chalk é um grande álbum, com canções que são realmente primores, como "The devil" e especialmente "Dear darkness". A força destas canções, para mim, beira o místico, como em certos poemas de Hilda Hilst, como "A Mula de Deus".
Lembrei-me deste poema escrito naquela época, em que faço duas referências veladas a PJ. Acho que depois do textinho acima ficará fácil identificar quais.
Texto em que o poeta apresenta o relatório sobre os efeitos resultantes da ação da gravidade sobre os porcos
Como vazio, vácuo, a sobra
seja raivosa
feito aquele que só caminha
por desertos
em secura de gelo, giz branco,
onde a ânsia
contenta-se no pus, a vingança
em separar
ao ar livre, pele ferida de pele
intacta,
apouca-se ou serve-nos morna,
cansa-se
de assoprar mil queimaduras
em graus,
cardápios da tal revanchíssima,
a arte
da farpa não é maestria difícil,
Master,
inicio sempre com os grunhidos
de ameaça
e depois me posiciono a lamber
as suturas,
THE END de joelhos, sussurros
aos favores.
Dona Escuridão, vem cobrir-nos
feito edredão,
esquadrinha, compasso e bússola,
o caminho
da maturidade, sim? Sim, retirar
das pedras
a lição e a lesão? Hein, Master?
A Educação
pela Perda, não? Cervical, rastejo
e decúbito
me abordas com quatro ferros
nas mãos?
Fiz meu dever de casa, oh Master
de plástico,
contei com os dedos nos cálculos
e nos rins,
ofertei decréscimo à tua contagem
repressiva
e subtraí em deflação dos males
o menor,
menos valem os pássaros voando
que este
que defeca em minha mão, Master,
vim, vi,
me rendi, cresci ereto, sem bacamarte
ou funda,
sem o bom gosto de tuas artilharias,
todo alvo
hei-de demonstrar meus bons modos
ao kamikaze
e o mais que me resta, hospitalidade
na oferta,
Master, da outra, minha melhor face.
§
Ricardo Domeneck, in Ciclo do amante substituível (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012)
.
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário