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terça-feira, 24 de agosto de 2021

Érico Nogueira - "Retábulo" (inédito)


Há alguns dias, pedi a meu grande amigo Érico Nogueira que me enviasse um "poeminha" inédito para a plataforma digital da revista peixe-boi

Não esperava que o homem me enviaria este "Retábulo",  coisa poderosa que merece publicação em qualquer espaço que eu detenha. Que belo poema.


RETÁBULO


ACHEI, ENQUANTO BESTAS DE AÇO BRA-

-miam e de hélices roncavam vespas,

Um bilhete em meu nome; as letras crespas

Eram tinta de assombro, ou pez de sombra.

Abri. Exortações exatas à obra

Por obrar inda, de gramar a gleba,

E redobrar o que se não desdobra,

E em ferro duro pôr o fumo débil.

Aquelas coisas – casos aquilinos

De ovelhunas misérias cravejadas

Em madeiros de mais agudos trinos.

Crucificadamente encruzilhados

O lambique que sílabas destila,

A linfa que deflui do flanco, e estrila.



UM FOGO ABSTRATO, UM ALGARISMO FULVO

Brilhando à brisa em bruma de uma hipótese

Implausível; a glândula da hipófise

Secretando um segredo indissolúvel.

O trajeto mais reto o mais recurvo,

E a mais vígil vigília uma narcose

Que se condensa no clarão mais turvo

Da chaga sem conceito e sem necrose.

Convoluções de convolutas voltas

Em órbita de um algo, uma agonia

Que te acoita e te acode por aguda.

Conexas vozes de palavras soltas;

Escultura que escalda a pedra fria;

– Ó retrato mudável, que não muda.



SENSAÇÕES ASSOLADAS DO INTELECTO

Ou conceitos do látego acossados?

De elipse a elipse se me elude um repto

De palmas e de pés em cruz. Eu falho.

Eu quedo aquém. Dos riscos no trançado

Da madeira me obceca muito objeto.

Ah, quem me dera o talhe mais dileto

Discernir entre a massa dos entalhes.

Mas não. Cada arabesco é uma tortura

Tortuosamente amaranhada – opaca,

Oblíqua, oblonga –, flecha que não fura.

Vai ver, Senhor, é isto: a iniciática

Via-crúcis das formas é antecâmara

Do amor que se despoja e se desama.



DESPOJAR-SE PEJANDO-SE DAS LINHAS

Excessivas, elípticas que a lima

Perlustrou e poliu no madeirame

Qual enxame de traços em enxame

Ou desamar-se amando este tentame

De fiar ferros orbitais de um ímã

Que os trança e entrinça e entronca e desarrima

Em contínuo, magnético certame

É despojo de pó, mau desamor,

Cupidez de asperezas deduzíveis

Taticamente à parte do cruor

Dos espinhos... De cardos e calhaus

Mune-se a mente entre ondas infiéis;

O fiel corpo entre holandas se refaz.



DA TRANSPARÊNCIA ARTÍFICE DO VIDRO

Que se industria em nítido binóculo

Ao cristalino elemental de um olho

Naturalmente hábil – quanto dista?

Do alquímico sabor de sumo cítreo

Ou de ouropel sintético o refolho

Ao limoeiro rústico e imperito

E uma jazida abrupta entre os escolhos?

Tanto dista, ah, Senhor, quanto o madeiro

E tu nele cravado em sangue rúbeo,

Do lavrado lavor desta madeira   

E um asséptico homem de Vitrúvio.

Se Deus à carne crua já desceu,

Por que a culta subir não pode a Deus?



CARNE CULTA NO AMOR QUE SE DESAMA

De tanto amar um só e dele os muitos,

Incontáveis lugares e minutos

E rostos em que flana a sua flama

É a só que sobe a antrópica montanha

E só se o pensamento exato e enxuto

Não for culto de formas, mas for culto

Em armar aranhóis, absorta aranha.

Assim, se a carne sobe, numa teia

Do pensamento arácnido quem sabe

Se mais lúcida abelha não se enleia

E alumia o que a carne só não sabe.

É um outro amor, este do pensamento;

Um brilho, um voo, um eco, um raio, um vento.



É O PENSAMENTO, POIS, QUE SE DESPOJA

Da série monocórdia de sinapses

E entre lobos e córtices se arroja

Tão vária e velozmente que num lapso

O sistema ancestral cai em colapso;

E o pensamento, puro do que enoja,

Como luz e calor na mesma tocha,

Converge em raros, rarefeitos ápices;

Mas, ai, que a carne clama, inda que douta,

E, socolor de cíclico equilíbrio,

O sistema caído se levanta;

No breu de um pensamento já sem brio

O cérebro maquina maquinal

E a nova se enovela, e é o velho mal.



MAL DA FOSCA FRIEZA QUE DESCREVE

A maligna engrenagem do relógio

E o minuto e o segundo, como fogem,

E como corre o mal e quanto ferve;

A arquivolta, a arquitrave e os tramos lógicos,

Alaques e predelas que refervem

De nervuras nervosas e da verve

De ornatos flóreos e ornitológicos;

Mas o mal não evita, quando vem;

Mas o bem, quando foi é que o adora;

E um conhece se aflui, o outro se falta;

Desce aos detalhes e os descreve bem,

Mas, atômico número do ouro,

Não sobe nem reflete nem refrata. 



ASSIM SUBISTE AO CIMO DA CAVEIRA

Por açoites, espinhos, cravos, sangue,

Assim lime e labore e lustre e lanhe

Por escrever o que não escrevera.

E por poder o que já não pudera,

Ou já por que o perdido ou ache ou ganhe,

Hei de arrancar de mim o que da terra

Ninguém arranca, quando não lhe arranquem.

És tu, Senhor, quem troca no meu tórax

A pedra que se veste aí de víscera

Por víscera que vige, e aonde moras;

Então, quanto cultivo, é quanto viça,

Então as sílabas que escando, tantas,

A só ressoam que contigo cantas.


§ Caetera desiderantur §



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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Um poema de Érico Nogueira




Com pernas bambas, tripas formigando
e pele purulenta fica sempre
quem ante a nádega, ou o flanco,
ao tronco só consente
que chegue ao lado, perto, quase, rente.

A mão que fica à-toa, sem saber
o grau das curvaturas que pressente;
a língua tão sobressalente
falando sem lamber;
e o olho cego, que só sabe ler:

que uso podem ter naquele jogo
que é mais preciso quanto mais é tosco?
Então educa a tua mente
para aprender do corpo
o quanto é seu o mundo à sua frente.


Érico Nogueira (Bragança Paulista, 1979), no livro Dois (São Paulo: É, 2010).




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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

1. Artigo de Érico Nogueira na Terra Magazine sobre meu trabalho | 2. Max Hattler na Hilda Magazine | 3. A morte de Maria Schneider

1. Artigo de Érico Nogueira na Terra Magazine sobre meu trabalho.


O poeta paulista Érico Nogueira, autor de O Livro de Scardanelli (2008) e Dois (2010), iniciou hoje uma série de "Perfis" de poetas contemporâneos em sua coluna de poesia na revista do provedor Terra, dirigida por Bob Fernandes. Trata-se de um artigo generoso, e deixo com os leitores a conclusão se ele está ou não certo sobre as asserções que ali faz. De qualquer forma, não posto o link para o artigo aqui apenas porque ele inicia a série com a minha poesia, mas porque me parece também muito interessante que um poeta como ele, versado nos clássicos e que, até há pouco, usava o espaço da coluna para discutir autores como Horácio e Leopardi, volte-se agora também para a poesia contemporânea. É muito bom para o debate, para as trocas, para os diálogos. No ano passado ele escreveu sobre alguns poetas em seu blogue e imagino que ele retornará aos nomes que já discutiu, mas espero também que ele nos surpreenda com novos nomes.

No artigo, Érico reproduz meu poema "Enfim aurora-me na cachola", uma de minhas odes mezzo pornográficas, mas também minha grande pledge of allegiance à poética de Caio Valério Catulo, um dos quatro pilares clássicos para o meu pensamento crítico e poético. Os outros três são os gregos Safo de Lesbos e Calímaco de Cirene, e o latino Marco Valério Marcial, poetas que figuram lá no topo do meu paideuma pessoal.


Perfis: Ricardo Domeneck, por Érico Nogueira


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2. Max Hattler na Hilda Magazine.


Já mencionei o trabalho do artista visual Max Hattler aqui. Esta semana, alguns de seus vídeos estão no topo da página principal da Hilda Magazine. Aos que não o conhecem, recomendo muito o trabalho deste alemão radicado em Londres, que consegue conjugar o abstrato e o figurativo em animações de alta carga política.


Max Hattler na Hilda Magazine

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3. A morte de Maria Schneider


A atriz francesa Maria Schneider morreu hoje em Paris. Como homenagem à moça de cara redonda e juba encaracolada, fui à locadora do bairro e aluguei dois de meus filmes prediletos protagonizados por ela: Last Tango in Paris (Bernardo Bertolucci, 1972) e The Passenger (Michelangelo Antonioni, 1975) --- (Nota mental: escrever algum dia um artigo sobre o monólogo da personagem de Marlon Brando no quarto em que jazia sua mulher morta - aquela cena é simplesmente magistral, assim como sobre a famosa cena da manteiga e suas blasfêmias contra a família católica).

O Último Tango em Paris é, em minha opinão, a melhor coisa que Bernardo Bertolucci fez em sua vida. O filme não envelheceu e continua potentíssimo quase 40 anos depois. Bertolucci tem, obviamente, outros filmes bons e competentes. Mas é difícil imaginar que se trata do mesmo diretor que fez The Dreamers (2003), que para mim vale mais ou apenas pela beleza verazmente onírica dos três atores principais, Michael Pitt, Louis Garrel e Eva Green. Enfim, não estamos falando de Bertolucci, mas daquela que emprestou sua beleza enlouquecida para Bertolucci no gigantesco e maravilhoso Último Tango em Paris e a Antonioni no também excelente The Passenger. Descanse em paz, moça.



Trailer para Last Tango In Paris (1972)


Trailer para The Passenger (1975)


Só uma pergunta me ocorreu: quantos homens heterossexuais adentraram ou tiveram uma recaída em sua crise de meia-idade hoje, no exato segundo em que ouviram sobre a morte de Maria Schneider.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Algumas notícias antes do fim-de-semana, sobre o novo livro de Érico Nogueira, minha viagem a Israel, Orpingalik e a Hilda Magazine

I. Um livro.


Ao que parece, começou a Bienal do Livro de São Paulo, segundo alguns relatos entre o sarcasmo e o espanto que andei lendo pela blogosfera brasileira. Aqui de meu exílio eleito no Berlimbo, falante às paredes, sei apenas que o evento torna-se o momento de lançamento de alguns livros poucos e parcos que são necessários. Vou referir-me aqui a um deles: o segundo livro de Érico Nogueira, intitulado simplesmente Dois (São Paulo: É, 2010).



Não vou me estender a respeito por ora, pois quero escrever um ensaio sobre o trabalho com calma, mas afirmo desde já que o livro traz um poema-em-série, intitulado "Deu branco", que é um dos melhores poemas dos últimos... como gracejou Pound certa vez, "em nome da tranquilidade pública deixemos o número de anos para a imaginação dos leitores". O que posso dizer também é que o poema-em-série me parece um dos melhores exemplos de como a poesia de qualidade borra quaisquer dicotomias, como tradição versus vanguarda, escrita versus oralidade ou outras bobagens. É Érico Nogueira na linhagem de Catulo, com os pés fincados no chão de seu momento histórico, poeta com quem me sinto mais irmanado do que nos momentos em que ele debanda para os lados de Virgílio, apesar da grande qualidade que apresenta também nestes momentos. Mais, agora não digo. Deixo vocês com os dois primeiros poemas da série.


Dois fragmentos iniciais de "Deu branco"
Érico Nogueira

1.


É sempre assim: bater o ponto de saída
e “ufa, até que enfim” e “hoje, só amanhã”
pensar picando a mula, o cérebro fervendo
e o ego semi-cheio da mão-boba a mais;
a rua até que tá bonita: o sol se põe,
a praia é uma promessa, mas um mal-estar,
o velho mal-estar de sempre, ameaça tudo,
insiste em ser imune a tudo o que tem sal;
a voz esgrouvinhada da rabeca (não,
não é hebraico, não) pendula pelo tímpano
assim como gangorra, e um soco no nariz,
mais outro soco, “ah, dã, dã, dã – dama da noite!”;
um vento chega, tu já quase em casa, e o bosque
em frente (sempre esteve ali?) chama o teu nome,
o nome de verdade, que não tem crachá;
lá bem lá em cima a lua luz sem dar por nada,
e desse nada tu no último degrau;
um frio, enfim, a cama quente: é sempre assim.



2.

Mas que dormir, que nada, é a vida na janela,
a via-láctea e tanta estrela que confunde,
um pisca aqui, pisca acolá, pra quem quer ver;
o que é que a noite dá, por que, ninguém entende,
foi Deus que deu, sei lá, talvez, melhor de dia
quando a cabeça faz, não pensa, e o mundo é mais;
agora, já sem luz, já sem barulho, é dose,
e a vida é menos vida – ou mais –, é dose, eu disse,
alguém se levantar, querer ir ao banheiro
e, louco pelo espelho, ter colhão de olhar;
relógio de parede, espelho, alma penada
e tudo aquilo que ataranta e me esqueci,
vem só de noite, como alguém que não quer nada,
puxar teu pé, mané, sem dó de ti: levanta,
homem, levanta e encara, vai, olha de frente;
nada é tão feio assim, tão mau nem tão terrível
quanto um singelo sol de uma segunda-feira;
o escuro é bom, protege, o escuro é teu amigo.



Érico Nogueira, Dois (São Paulo: É, 2010)


II. Poetas de Israel.

Em duas semanas parto para Tel Aviv, em Israel, onde fui convidado a me apresentar como DJ. Será minha primeira visita ao país. Como sempre faço antes de viajar a um país, seja como DJ, poeta ou turista, comecei uma pesquisa mais demorada sobre a poesia moderna e contemporânea do lugar. Encomendei alguns livros, dos quais até agora só chegou Selected Poems and Drama, de Lea Goldberg (1911 - 1970), em tradução para o inglês de Rachel Tzvia Back. Goldberg é considerada poeta da "segunda geração israelense", de um tempo no Brasil que nos daria Henriqueta Lisboa e Vinícius de Moraes. Encomendei antologias também de Iehuda Amichai e Dan Pagis. Já tenho uma bela antologia espanhola dos poetas modernos de Israel, e uma seleção também espanhola do poeta contemporâneo Nathan Zach (n. 1930), de uma geração equivalente à que nos daria Haroldo de Campos, Ferreira Gullar e Mário Faustino. Andei procurando pela Rede alguma página que fale sobre os poetas jovens do país, mas é difícil encontrar informações. Quem as tiver e quiser compartilhá-las comigo, seria muito gentil. Deixo vocês com uma paráfrase minha para um pequeno poema de Dan Pagis, meu poeta israelense favorito.

Escrito a lápis em um vagão de trem lacrado
Dan Pagis, paráfrase de Ricardo Domeneck

Aqui neste vagão
eu Eva
com meu filho Abel
se virem meu primogênito
Caim filho de Adão
digam-lhe que eu




III. O poeta inuíte Orpingalik

Preparei hoje uma postagem para a nossa Modo de Usar & Co., que, como vocês sabem, coedito com os companheiros Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia, sobre o poeta inuíte Orpingalik (floruit 1921 - 1924), para a qual preparei uma paráfrase de seu poema-canção "Meu fôlego", além de sua declaração poética concedida a Knud Rasmussen. Contra a centralização europoética que nos aflige a todos.


Orpingalik na Modo de Usar & Co.



IV. Hilda Magazine

Meu companheiro Oliver Roberts e eu estamos trabalhando em um novo design para a nossa Hilda Magazine. O novo layout irá ao ar em cerca de uma semana. Faz algum tempo que não a atualizamos, mas com o novo sistema que estamos criando será mais fácil publicar trabalhos por lá. Quem nunca a visitou ou não o faz há algum tempo, convido-o a passar algum tempo naquele que é um dos meus projetos de maior alegria:

HILDA MAGAZINE


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domingo, 1 de agosto de 2010

O diálogo com Érico Nogueira

Érico Nogueira publicou ontem em seu espaço um artigo generoso em que discute meus poemas mais recentes, reproduzindo os textos "Eu", publicado na revista eletrônica Celuzlose, e "Poema (Enfim aurora-me na cachola)", publicado no segundo número impresso da Modo de Usar & Co., com uma leitura inteligente e pontual, de quem acompanha meu trabalho desde o princípio, quando ainda éramos estudantes de filosofia na Universidade de São Paulo, onde passamos muitas tardes conversando sobre poesia.

Nossas conversas, em concordâncias e divergências, além de nossa correspondência privada e debate público, têm sido fonte estimulante de pensamento para mim há 12 anos. É um momento muito interessante, para nós dois, de transformação e redirecionamento em nosso trabalho poético, e é mais uma vez um privilégio poder contar com sua crítica. À primeira vista, muita gente deve pensar que nossas poéticas são opostas, mas ainda que divergências muito claras e intensas ocorram em questionamentos específicos, os pontos de contacto são múltiplos.

Meu debate contínuo com Érico é um exemplo claro e vivo para mim mesmo de civilidade e amizade possíveis numa convivência frutífera com outros poetas, sem renunciar à crítica.

Convido os leitores generosos deste espaço a visitarem o Ars Poetica de Érico, onde se pode ler o artigo "The newest Domeneck".

Abraço a Érico e a todos, numa tarde de domingo de sol em Berlim (que no verão quase deixa de ser o Berlimbo)

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