I. Um livro.
Ao que parece, começou a Bienal do Livro de São Paulo, segundo alguns relatos entre o sarcasmo e o espanto que andei lendo pela blogosfera brasileira. Aqui de meu exílio eleito no Berlimbo, falante às paredes, sei apenas que o evento torna-se o momento de lançamento de alguns livros poucos e parcos que são necessários. Vou referir-me aqui a um deles: o segundo livro de Érico Nogueira, intitulado simplesmente Dois (São Paulo: É, 2010).
Não vou me estender a respeito por ora, pois quero escrever um ensaio sobre o trabalho com calma, mas afirmo desde já que o livro traz um poema-em-série, intitulado "Deu branco", que é um dos melhores poemas dos últimos... como gracejou Pound certa vez, "em nome da tranquilidade pública deixemos o número de anos para a imaginação dos leitores". O que posso dizer também é que o poema-em-série me parece um dos melhores exemplos de como a poesia de qualidade borra quaisquer dicotomias, como tradição versus vanguarda, escrita versus oralidade ou outras bobagens. É Érico Nogueira na linhagem de Catulo, com os pés fincados no chão de seu momento histórico, poeta com quem me sinto mais irmanado do que nos momentos em que ele debanda para os lados de Virgílio, apesar da grande qualidade que apresenta também nestes momentos. Mais, agora não digo. Deixo vocês com os dois primeiros poemas da série.
Dois fragmentos iniciais de "Deu branco"
Érico Nogueira
1.
É sempre assim: bater o ponto de saída
e “ufa, até que enfim” e “hoje, só amanhã”
pensar picando a mula, o cérebro fervendo
e o ego semi-cheio da mão-boba a mais;
a rua até que tá bonita: o sol se põe,
a praia é uma promessa, mas um mal-estar,
o velho mal-estar de sempre, ameaça tudo,
insiste em ser imune a tudo o que tem sal;
a voz esgrouvinhada da rabeca (não,
não é hebraico, não) pendula pelo tímpano
assim como gangorra, e um soco no nariz,
mais outro soco, “ah, dã, dã, dã – dama da noite!”;
um vento chega, tu já quase em casa, e o bosque
em frente (sempre esteve ali?) chama o teu nome,
o nome de verdade, que não tem crachá;
lá bem lá em cima a lua luz sem dar por nada,
e desse nada tu no último degrau;
um frio, enfim, a cama quente: é sempre assim.
2.
Mas que dormir, que nada, é a vida na janela,
a via-láctea e tanta estrela que confunde,
um pisca aqui, pisca acolá, pra quem quer ver;
o que é que a noite dá, por que, ninguém entende,
foi Deus que deu, sei lá, talvez, melhor de dia
quando a cabeça faz, não pensa, e o mundo é mais;
agora, já sem luz, já sem barulho, é dose,
e a vida é menos vida – ou mais –, é dose, eu disse,
alguém se levantar, querer ir ao banheiro
e, louco pelo espelho, ter colhão de olhar;
relógio de parede, espelho, alma penada
e tudo aquilo que ataranta e me esqueci,
vem só de noite, como alguém que não quer nada,
puxar teu pé, mané, sem dó de ti: levanta,
homem, levanta e encara, vai, olha de frente;
nada é tão feio assim, tão mau nem tão terrível
quanto um singelo sol de uma segunda-feira;
o escuro é bom, protege, o escuro é teu amigo.
Érico Nogueira, Dois (São Paulo: É, 2010)
II. Poetas de Israel.
Em duas semanas parto para Tel Aviv, em Israel, onde fui convidado a me apresentar como DJ. Será minha primeira visita ao país. Como sempre faço antes de viajar a um país, seja como DJ, poeta ou turista, comecei uma pesquisa mais demorada sobre a poesia moderna e contemporânea do lugar. Encomendei alguns livros, dos quais até agora só chegou Selected Poems and Drama, de Lea Goldberg (1911 - 1970), em tradução para o inglês de Rachel Tzvia Back. Goldberg é considerada poeta da "segunda geração israelense", de um tempo no Brasil que nos daria Henriqueta Lisboa e Vinícius de Moraes. Encomendei antologias também de Iehuda Amichai e Dan Pagis. Já tenho uma bela antologia espanhola dos poetas modernos de Israel, e uma seleção também espanhola do poeta contemporâneo Nathan Zach (n. 1930), de uma geração equivalente à que nos daria Haroldo de Campos, Ferreira Gullar e Mário Faustino. Andei procurando pela Rede alguma página que fale sobre os poetas jovens do país, mas é difícil encontrar informações. Quem as tiver e quiser compartilhá-las comigo, seria muito gentil. Deixo vocês com uma paráfrase minha para um pequeno poema de Dan Pagis, meu poeta israelense favorito.
Escrito a lápis em um vagão de trem lacrado
Dan Pagis, paráfrase de Ricardo Domeneck
Aqui neste vagão
eu Eva
com meu filho Abel
se virem meu primogênito
Caim filho de Adão
digam-lhe que eu
III. O poeta inuíte Orpingalik
Preparei hoje uma postagem para a nossa Modo de Usar & Co., que, como vocês sabem, coedito com os companheiros Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia, sobre o poeta inuíte Orpingalik (floruit 1921 - 1924), para a qual preparei uma paráfrase de seu poema-canção "Meu fôlego", além de sua declaração poética concedida a Knud Rasmussen. Contra a centralização europoética que nos aflige a todos.
Orpingalik na Modo de Usar & Co.
IV. Hilda Magazine
Meu companheiro Oliver Roberts e eu estamos trabalhando em um novo design para a nossa Hilda Magazine. O novo layout irá ao ar em cerca de uma semana. Faz algum tempo que não a atualizamos, mas com o novo sistema que estamos criando será mais fácil publicar trabalhos por lá. Quem nunca a visitou ou não o faz há algum tempo, convido-o a passar algum tempo naquele que é um dos meus projetos de maior alegria:
HILDA MAGAZINE
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Algumas notícias antes do fim-de-semana, sobre o novo livro de Érico Nogueira, minha viagem a Israel, Orpingalik e a Hilda Magazine
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2 comentários:
Olá Ricardo, tudo bem? Sempre acompanho teus escritos. Muito bom. Qual editor de vídeo que vc usa? Vou participar de um concurso de vídeo Poesia, e quero bolar algo bacana...
abraço...
marcelo.desousa@hotmail.com
Marcelo,
eu uso Final Cut Pro.
abraço!
Ricardo
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