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domingo, 12 de setembro de 2010

Os cem homens de Adelaide Ivánova

Acordei ontem, pensei: "Vou lugar para Adelaide, tomar café da manhã em rebordosa ressaca no parque". Mas então me lembrei... Adelaide já não mais habita terras berlinosas. Após passar três meses aqui no Berlimbo, Adelaide Ivánova voltou ontem para São Paulo. Foi muito bom ter alguém tão almodovarmente ensandecido quanto eu por perto. Volta, Adelaide. Vamos comer hummus no restaurante israelita, ou nos afogar em café preto no Weinbergspark. Nossas confissões dementes. Saudades, já.


Como despedida, deixo vocês com a nossa colaboração aqui no Berlimbo, sua instalação/projeção 100 Men (2010), para a qual preparei uma peça sonora irritante como nossas paixonites agudas.


adelaide ivánova_100 men from adelaide ivánova on Vimeo.


Adelaide Ivánova, 100 Men (2010)

100 men foi originalmente criado e apresentado por Adelaide Ivánova como uma instalação/projeção em Berlim, Alemanha, durante o evento SHADE inc, no clube Neue Berliner Initiative, a 18 de agosto de 2010. As fotos foram feitas entre 2002 e agosto de 2010, todas de autoria de Adelaide Ivánova. A instalação tem uma peça sonora de Ricardo Domeneck, feita especialmente para o trabalho, a partir da canção “Non, je ne regrette rien”, cantada por Edith Piaf. O editor de som foi Uli Buder.

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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"The poor poet (after Carl Spitzweg)", DV, stereo, 3:03, 2010.

Eu gostaria muito de escrever sobre a gênese deste vídeopoema, usando-o para discutir certas escolhas, sem cair em uma tentativa de autoexegese, o que é sempre um desafio. Por ora, eu creio que seria melhor, em primeiro lugar, mostrar o vídeopoema, sem discursos exteriores. Gostaria de acreditar, porém, que ele já carrega em si as respostas a estes questionamentos.



Ricardo Domeneck, The poor poet (after Carl Spitzweg), DV, stereo, 3:03, 2010.


Vídeopoema, ou texto-vídeo. Reencenação da pintura "Der arme Dichter" (1839), de Carl Spitzweg (1808 - 1885), um dos maiores representantes do período da arte alemã conhecido como Biedermeier. Texto composto por linhas originais, mescladas a apropriações e deformações intertextuais de linhas de Vladimir Maiakóvski, Ludwig Wittgenstein, George Oppen, John Keats, Gertrude Stein e Konstantinus Kavafis. Vídeo, texto e voz: Ricardo Domeneck. Edição de som: Uli Buder.

Texto:

The poor poet (after Spitzweg)

Like a Conversation with the Visa Inspector at the Department of Immigration about Poetry, long term investment towards glorious dust. May you flourish with bread and water, a Renaissance of minimalist proportions, based on the poverty of your organism. All you know of stock exchange has been taught to you by the relationship between your lungs and your blood. Let me recite what geography teaches. A bit of money is a joy forever. Poets? Metics in their own lands. Aliens of all times know what price that is. Well, brothers and sisters, borders can have various effects on writers as lovers. Mental note: consider the difference between Medea and Scarlett O´Hara right before The End. A thing of beauty is a toy for never. You write, darling, as someone who plays with public property. There is nobody here but us kitchens. Whisper secrets to yourself in a language your mother would fail to understand but, for migration purposes, you must tighten your belt, fasten your tongue. As if the spider exiled itself from its own web, through the web, one must eventually eject from his or her own body what others will then call his or her habitat. Dear guest, adopt the language of the host. Adapt the language of the host. Addict it, adduce it, adjourn it, adjust it. But you will never succeed in admonishing the Empire through its own language. There is nobody here but us chicanos. A beauty of thing is a boy forever. To say, finally free of heritage: Welcome, citizen of nowhere. Once upon a place, we thought you might find a home in a grammar, as one lies under the sun, on the grass. Addressed, you could legislate your own babbling, as one who seduces legions. Should poets finally be granted suffrage, you ask awestruck. Tired of being demonized as nonresidents of the Republic. Everyone knows that poets temporarily staying in the territory of Neverland must register with the migration authorities within five calendar days from the solstice. Show the fly the way out of the spider´s digestion. Now retired, you might want to sit at the gate with the king and wait for the barbarians, even forgetting you were one of the first of them. Invaders tend to mingle among the natives. Was there a new Troy, a new Jericho, or a new Canudos for which to yearn? You will register the long chronicle of the siege, not knowing sometimes on which side of the wall you first stood. Cities that fall have a way of being stubborn till the last standing brick. The History of the Past Sieges cannot help you, for you no longer know what you are supposed to record, what to erase. I cannot remember if I invaded, if I resisted. There is nobody here but us Chechens.


Ricardo Domeneck, 2010.

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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

"One and three chairs" de Joseph Kosuth e suas implicações poéticas

especial para a Modo de Usar & Co.

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Joseph Kosuth nasceu em 1945, na cidade de Toledo (Ohio), Estados Unidos. É considerado um dos mais importantes artistas conceituais do pós-guerra. Seu trabalho foi em grande parte influenciado pelos questionamentos de artistas ligados ao grupo Fluxus, que usavam a linguagem para investigar a função e natureza da arte, assim como a relação entre produtor e receptor do trabalho artístico. Artistas como George Brecht e Yoko Ono são precursores importantes. Obviamente, ao tratarmos tanto de Fluxus como da arte conceitual, temos que mencionar John Cage (um dos maiores catalisadores de transformação na arte, música e poesia do pós-guerra) e Marcel Duchamp.

Joseph Kosuth trabalha primordialmente com questionamentos epistemológicos e estéticos, investigando a natureza de nossa percepção do mundo através da linguagem. Seu trabalho lingüístico tem grande interesse para os poetas contemporâneos, especialmente em um país como o Brasil, onde os poetas por tanto tempo estiveram enamorados de conceitos como "objetividade". Este trabalho de Joseph Kosuth, considerado um dos inauguradores da Arte Conceitual do pós-guerra, acaba tendo implicações interessantíssimas para nossa avaliação do conceito de "objetividade" que guiou muito do discurso poético do pós-guerra. Este trabalho, chamado "One and Three Chairs", poderia até mesmo ser visto como uma paródia poética da noção tanto de "objetividade" como de "precisão", herdeiros do mot juste do século XIX.

Enquanto tais parâmetros seguiram guiando uma grande ala da poesia modernista, outros poetas como Gertrude Stein, John Cage e Jack Spicer passaram a questionar tal ilusão de objetividade. Na década de 70, em grande parte influenciados pelos escritos de Ludwig Wittgenstein, surgem poetas como Bruce Andrews, Lyn Hejinian, Rosmarie Waldrop, Susan Howe, Charles Bernstein (ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E) e poetas franceses como Emmanuel Hocquard, Michel Deguy ou Anne-Marie Albiach que expandem ainda mais o questionamento, levando adiante o que Marjorie Pertloff viria a chamar de poetics of indeterminacy.

Assim, um trabalho (poesia, para mim) como "One and Three Chairs" tem vários interesses para o poeta contemporâneo, por questionar tais noções ingênuas de objetividade e precisão ou, ao quebrarmos a taxinomia de gêneros que separa poetas, artistas visuais e músicos em compartimentos estanques, podermos tomar exemplos como o do músico/poeta/performer John Cage ou do artista visual/poeta Joseph Kosuth para entendermos o trabalho do poeta como sendo a materialidade e funcionamento da linguagem, não importando qual o "suporte" para esta pesquisa, se papel, pedra, vídeo ou gravação sonora.

Tudo isto nos ajudaria a compreender certas pesquisas atuais como:

1- os livros de "poetas conceituais" como Kenneth Goldsmith e Christian Bök, cujas pesquisas os ligam a Cage e Kosuth. Penso aqui em um livro como The Weather, de Goldsmith, em que ele reproduz a previsão do tempo de uma rádio nova-iorquina por um ano, ou o tour-de-force de Christian Bök no livro Eunoia, em que cada um dos cinco capítulos contém palavras com apenas cada uma das cinco vogais, em um trabalho que tem sido considerado uma das mais inventivas obras poéticas dos últimos... como dizia Pound, deixemos o número com o leitor.

2- as técnicas de composição "aleatória" de poetas flarfistas como K. Silem Mohammad, Michael Magee e Nada Gordon (ligados à Flarflist Collective) ou as googlagens de Angélica Freitas, que os ligam às técnicas de Jackson Mac Low e John Cage ou às colagens textuais de Tristan Tzara, mostrando que passamos mais uma vez por um momento de retomada das estratégias das vanguardas.

3- as pesquisas poéticas em outros suportes, como a poesia sonora e em vídeo de brasileiros como Lenora de Barros, Ricardo Aleixo e Arnaldo Antunes, ou de europeus como Jörg Piringer, Anne-James Chaton, Eduard Escoffet ou Maja Ratkje.

Não estou sugerindo que todo e qualquer poeta deva retomar estas estratégias mas, se vivemos em um momento verdadeiramente sincrônico e de pluralidade estética, que o debate deveria ser feito em torno das implicações de cada uma destas práticas. Pois o trabalho de poetas como Gertrude Stein, John Cage, Joseph Kosuth ou Kenneth Goldsmith leva-nos justamente a isso: uma poética de implicações.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Björk´s new video "Wanderlust"

more VERBIVOCOVISUAL poetry from Björk:

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Bartomeu Ferrando


(Performance video-textual "Sintaxi", dezembro de 2000, Barcelona)



Bartomeu Ferrando é um dos mais importantes poetas vivos da Espanha, nascido em Valência em 1951. Também conhecido como Bartolomé Ferrando, o poeta é um dos grandes performers e teóricos da polipoesia na Península Ibérica. Estudou música e filologia hispânica, e é hoje professor na Facultad de Bellas Artes de Valência. Fundou a revista Texto Poético, que divulgou, entre outras poéticas experimentais, a do grupo brasileiro Noigandres, e fez parte do grupo FLATUS VOCIS (Bartomeu Ferrando, Fátima Miranda e Llorenç Barber), o único grupo na Espanha a praticar de forma contínua a pesquisa poética que tinha como objetivo reunir escritura, voz e performance. Publicou ainda “Hacía una poesía del hacer” e La mirada móvil.

O poeta catalão Bartomeu Ferrando é hoje um dos mestres contemporâneos em um espaço lingüístico que deu à Espanha e ao mundo, no último século, a poesia modernista de J.V. Foix e Mercè Rodoreda e, no pós-guerra, a poesia plural de Joan Brossa e Guillem Viladot, por exemplo, nomes continuamente excluídos de qualquer antologia de “poesia espanhola”, ainda que a Catalunha tenha produzido, nas últimas cinco décadas, os poetas experimentais mais interessantes do país. É um prazer mostrar a performance vídeo-textual “Sintaxi” de Bartomeu Ferrando na Modo de Usar & Co., gravada no Festival Proposta de Barcelona, na língua catalã/valenciana do poeta. Com algumas exceções (como o respeitável Antonio Gamoneda, o estranho-no-ninho Leopoldo María Panero, além de Benjamín Prado ou Sandra Santana, para usar exemplos de 4 gerações distintas), a poesia espanhola em castelhano mostrou-se bastante conservadora e limitada no pós-guerra, perdendo-se nos debates engessados da que ficou conhecida como “poesía de la experiencia”, cabendo à poesia catalã o papel de retomar, no país ibérico, as pesquisas das primeiras vanguardas. Isto foi feito com consciência est(É)tica impecável por poetas como Joan Brossa, Guillem Viladot, Josep Iglesias Del Marquet, Bartomeu Ferrando, Carles Hac Mor, Gabriel Ferrater, Vicenç Altaió, Enric Casasses ou Ester Xargay, entre outros.

No entanto, estes poetas são muitas vezes excluídos de antologias, como disse, de “Poesia Espanhola”, e até mesmo das de “Poesia Catalã”, sejam elas organizadas por literatos espanhóis ou catalães. As implicações políticas das escolhas estéticas em um país com mais de uma língua, que, no entanto, possui uma língua oficial hegemônica, são extremamente complexas, implicações das quais um turista de poucos dias em Barcelona dificilmente poderia bancar o juiz.

Mas este tipo de poesia raramente conta com o risco de sequer ser cooptada pelo Estado. Tentar criar dualismos fáceis em um complexo debate ético/estético de identidade lingüística gera posicionamentos políticos adolescentes, tanto em bravatas nacionalistas como anti-nacionalistas.




Poemas gráficos:



("Hacía el anonimato", Collage, 1994, 74'5 x 74'5 x 4'7 cm)



("Acumulación", Collage, 1998, 120'5 x 87 x 4'7 cm)



POEMAS-OBJETOS


("Muro", Poema objeto, 1996, 19 x 28 x 14,4 cm)




("Pájaro", Poema objeto, 1996, 7,5 x 10 cm)


da série de "Escrituras superpuestas"
(Acrílico sobre papel • 2001 • 35 x 35 cm.)



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seleção e nota: Ricardo Domeneck.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

sábado, 5 de abril de 2008

Poeta que faz

Ao citar o dito-cujo de Mallarmé em resposta a Degas, de que a poesia se faz com palavras, não com idéias, a ênfase geralmente recai sobre o dueto “idéias/palavras”. Axioma usado ao longo do século XX à maneira do interesse de cada poeta: “The words of a dead man / Are modified in the guts of the living.” Pureza, servindo ao sonho simbolista da poesia/literatura como sistema hermeticamente fechado em si, independente de contextos, reverberações prismáticas que pressupõem a inércia uma vez lançados os dados. Ao mesmo tempo, talvez William Carlos Williams, afirmando que o poeta não diz, mas faz: máquina de palavras de seu poema. Machine à émouvoir? Possível armadilha de uma dicotomia entre o vates e o faber: entre a imagem romântica do poeta que diz o belo/significativo/transcendente e a profissão classicizante do poeta como artesão, craftsman, il miglior fabro?

Imagino a luz incidindo sobre o “faz/faz” e não sobre “idéias/palavras”. Possível uso para esta mallarmada em dias de HOJE seria a recusa do “texto-fantasma” pairando acima/além do texto na página, noção que transforma poemas na mera máscara do discurso de sua exegese, ou expressão pública de experiência privada. Jacques Roubaud: “O poema diz o que diz, dizendo-o”, fazendo da única paráfrase praticável de um poema a repetição do poema. Exegese: ipsis litteris. Aqui (aqui) a realidade da concretude da linguagem: não por crenças de mot juste/precisão, levando à ilusão naive de objetividade lingüística, como em machos dos Modernismos; nem “language charged with meaning to the utmost degree”, levando os desavisados a uma apoteose da palavra nos bem-dotados ou elefantíase semântica nos menos habilitados. Talvez possamos “dizer:escrever – ditar” que o trabalho poético com a linguagem seja coisação sobjetiva. Concretude da linguagem passa a funcionar como não-transparência do signo.

O que fazer, em vista disso, da possível participação política do poeta?

Numa "sociedade de corvos", há quem creia que basta bancar L´Albatros reloaded, poeta caminhando entre os dejetos da urbe num misto de asco e fascínio, crendo-se acima do luxo e do lixo, nacionalizando-se em espécie, ah! os bons poetas mortos, Chrysocyon brachyurus. Poeta bom é poeta morto, dizem os cinqüentões. Mas a ineficiência já comprovada da resistência externa por trincheiras duais de poetas que se crêem "acima de qualquer suspeita", as mãos lavadinhas com sabonete enquanto se acusa Moss de desenhar moustaches na Mona Lisa ou Bündchen de sapecar a bunda de Bastet. Poeta que “atravessa a rua como se atravessasse o Hades.”

Há, porém, a opção de resistência interna, tática de guerrilha lingüística, do poeta que faz, mais que o poeta que diz. Sem entregar-se a outro discurso em meio a discursos (falha do filho de lavouras arcaicas), mas empreendendo um curto-circuito no discurso por uma ação (a filha que despedaça com uma dança a mesa da autoridade, quando o espelho do discurso do pai pelo filho mal arranhou-lhe a superfície da tábua). Poesia-performance, poesia-intervenção. Veja abaixo um exemplo disto no poema “Qaeda, quality, question, quickly, quickly, quiet” de Lenka Clayton. Não me parece à-toa que um dos poemas mais inteligentes dos últimos X anos tenha sido feito por umA artista visual, assim como muitos dos poemas mais eficientes do pós-guerra foram feitos pelo músico John Cage. Não importa, eu creio, se she herself considera este trabalho um poema. Ao recompor em ordem alfabética o discurso de George W. Bush, a britânica Lenka Clayton agiu como poeta. Sem expressar qualquer eu, sem um texto-fantasma que paire acima de outro texto, sem a mera possibilidade de gabar-se por precisão lingüística, ela faz sua intervenção neste poema-performance.

Fragmento "A - Because" do trabalho “Qaeda, quality, question, quickly, quickly, quiet”, de Lenka Clayton:




Terminaria com um quote de Rosmarie Waldrop. Ao ser convidada por Charles Bernstein para um conferência da L=A=N=G=U=A=G=E poetry, na qual Bernsten pediu aos poetas que se concentrassem nas palavras de Percy Bisshe Shelley, de que "poets are the unacknowledged legislators of the world", e de George Oppen, de que "poets are the legislators of the unacknowledged world", ela respondeu:

"Mas eu não fico apenas perplexa como incomodada com nossas duas citações. Soa para mim como uma ressaca dos tempos em que o poeta ocupava uma posição sacerdotal. Mas em nosso tempo, a poesia não tem esta função institucionalizada, e eu tenho que dizer que não me importo. Ou será uma ambição masculina? Eu certamente não tenho o menor desejo de instituir a lei. Em meu ponto de vista, a escrita tem a ver com a descoberta de possibilidades mais que com codificação. Minhas palavras-chaves seriam exploração e manutenção: explorar a floresta, não pela madeira que pode vir a ser vendida, mas para entendê-la como um mundo e para manter este mundo vivo."

But I am not only astonished but uneasy with our two quotes. It sounds to me like a hangover from the times when the poet occupied a priestly position. But in our time, poetry has no such institutionalized function, and I must say I am not sorry. Or is it a male aspiration? I certainly have no desire to lay down the law. To my mind writing has to do with uncovering possibilities rather than with codification. My keywords would be exploring and maintaining: exploring a forest not for the timber that might be sold, but to understand it as a world and to keep this world alive.

É bom saber que ainda há tanto por fazer.

domingo, 23 de março de 2008

poesia em fuga da alcatraz de papel

« Mais velho que andar para a frente », dizia minha mãe. Poesia? Em papel? Não, porque a poesia de papel é novinha, se comparada à poesia em performance, ou a poesia sonora, pois foi assim que a poesia existiu por séculos, incorporando a cada novo contexto a inovação técnica que a ciência lhe dava. A certa altura, o papel. (O seqüestro da poesia como parte da Literatura é muito recente) Para registro. Para divulgação. Como em certo momento histórico um homem ou vários compilaram a tradição oral que gerou a Odisséia? Para que a lira de Safo sobrevivesse? A de Arnaut Daniel? A de Gregório de Matos? Por que a poesia não seguiria incorporando a seu trabalho de intervenção-linguagem as novas tecnologias dos novos contextos?


(poema sonoro e visual de Jörg Piringer)

Demonstração das possibilidades criativas para o trabalho da poesia em outras mídias, crendo na poesia como trabalho e intervenção na linguagem, independente do papel como suporte para divulgação e distribuição. Se o livro e a página seguem sendo este suporte eficiente para o trabalho poético, eles também trouxeram, ao longo dos séculos, características bastante específicas para o trabalho do poeta, que dificilmente dissociam-se, hoje, da poesia em si, privilegiando certos aspectos desta em detrimento de outros.


(First Screening, de bpNichol)

Basta pensarmos que a poesia escrita (ou literária, digamos) não carrega, geralmente, rótulos. É chamada, de forma ilusoriamente essencialista, simplesmente de p-o-e-s-i-a, e seus praticantes muitas vezes desconhecem toda a tradição poética que privilegiou o som e a performance, elementos do trabalho poético muito anteriores aos aspectos visuais surgidos com o “papel”.


("Karawane", poema fonético de Hugo Ball, interpretado por Marie Osmond)


Com a exceção de certos trabalhos esparsos de Augusto de Campos entre os concretos, apenas nas últimas duas décadas surgiria um número maior de poetas interessados naquilo que se chama de "poesia sonora" ou “poesia em performance”, para diferenciá-las do trabalho poético baseado no papel, com seus suportes da página e livro. Philadelpho Menezes, infelizmente já falecido, Arnaldo Antunes e Ricardo Aleixo são exemplos de poetas ativos a partir das décadas de 80 e 90 com um trabalho consciente e consistente neste campo.


(Maja Ratkje em performance)

A poesia experimental no Brasil tende a privilegiar a pesquisa visual acima de tudo e deu à poesia mundial uma contribuição incontornável e inesquecível, para quem queira compreender a poesia de hoje. È necessário dizer, no entanto, que o "verbivocovisual" dos poetas concretos foi, sim, esta contribuição importante, mas avançou pouco na pesquisa de uma poesia sonora no Brasil, se comparada à de outros poetas concretos como Henri Chopin e Bob Cobbing.



(performance de Henri Chopin)

Parece-me que o "voco", o "sonoro" da poesia concreta funcionava muito mais como "adendo", digamos, ao trabalho visual e verbal, com a exceção (faz-se necessário repetir, especialmente para os bisnetos defensores de plantão) de trabalhos importantes de Augusto de Campos.


(Greve, de Augusto de Campos)

Com o surgimento de novas tecnologias como o vídeo à disposição dos poetas (como o papel foi também, a seu tempo, uma inovação técnica) podemos imaginar que o trabalho com a poesia possa atingir uma unidade poética apenas sonhada na década de 50. Entre os poetas trabalhando hoje com vídeo, podemos citar o brasileiro Henrique Dídimo, que vive e trabalha em Fortaleza, a argentina Silvana Franzetti (Buenos Aires), a peruana Roxana Crisólogo, o austríaco Jörg Piringer, ou os videastas americanos Gary Hill e Bill Viola, que trabalham muito próximos do que ainda poderíamos chamar de poesia.


(fragmento de Soundings, de Gary Hill)

Estes poemas mostram-se também como exemplos do "poeta que faz" com a língua, ao invés do "poeta que diz" através dela. Não há metaforização ou retorno a ideias poéticos do século XIX, como em certos poetas brasileiros envolvidos em revistas como a Zunái, que divulga e defende uma poesia neo-simbolista, não muito distante do decadentismo do fim do século retrasado, com o mesmo tipo de linguagem ilusoriamente pura, descontextualizada e praticante dos exotismos orientalistas de poetas do fim do século XIX e início do XX. Ainda que defendam o "vanguardismo", estes poetas estão mais próximos da mesma negação do modernismo perpetrada pela so called Geração de 45.


(Cross Rhythm and White Noise, de Nobuo Kubota e W. Mark Sutherland)

Em poemas como estes, o poeta passa a agir por uma poética de implicaçoes, por poemas em que não há como buscar o "texto-fantasma" de sua exegese. Nas palavras de Jacques Roubaud: "O poema diz o que diz, dizendo-o". Poesia não é parte da literatura. A literatura é que é apenas uma parte da poesia. Parte moribunda, diga-se de passagem, e é por isso que mesmo a poesia-escrita (que sigo amando e praticando) mais interessante de hoje está se afastando da prática literária-beletrista da mera "escrita poética". Desbeletrizar a poesia parece-me inevitável, necessário e, acima de tudo, muito divertido.


Ricardo Domeneck

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