Morreu este fim de semana inesperadamente, com apenas 62 anos, o poeta norte-americano Gil Scott-Heron, nascido em Chicago a 1° de abril de 1949, falecido ontem, 27 de maio de 2011, em Nova Iorque. Scott-Heron tornou-se conhecido com o livro de poemas/álbum Small Talk at 125th and Lenox (1970), que traz alguns de seus textos e poemas vocais mais famosos, como o icônico "The Revolution Will Not Be Televised", e ainda "Who'll Pay Reparations on My Soul?" e "Whitey on the Moon".
Scott-Heron lançaria em seguida, numa década em que foi prolífico, outros ótimos trabalhos: Pieces of a Man (1971), Free Will (1972), Winter in America (1974), The First Minute of a New Day (1975), From South Africa to South Carolina (1976), It's Your World (1976), Bridges (1977), Secrets (1978), Real Eyes (1980), Reflections (1981) e Moving Target (1984). Uma pausa de 12 anos se seguiria até o lançamento de Spirits (1994), e então outra de 15 anos até o lançamento de I´m New Here (2010). Colaborações suas com Brian Jackson, como as incríveis "Home is Where the Hatred Is" e "We Almost Lost Detroit", também foram bastante influentes sobre outros artistas.
Seus livros, além do já mencionado Small Talk at 125th and Lenox (1970), incluem o romance The Vulture (1970), The Nigger Factory (1972), So Far, So Good (1990) e a reunião de sua poesia em Now and Then: The Poems of Gil Scott-Heron (2001).
Eu poderia voltar aqui a alguns de meus assuntos obsessivos. Falar sobre como Gil Scott-Heron renova e faz renascer com força mamute em terras americanas a tradição oral da poesia africana dos griots. Sobre como a historicidade da poesia se encontra em toda a sua força de transpor contextos em uma obra como "The Revolution Will Not Be Televised". Historiadores do futuro encontrarão material de sobra neste poema para entender alguns dos conflitos do pós-guerra. Datado? Quem negará a atualidade desta peça em tempos de Wikileaks, revoltas da população do Egito e da Espanha, da Líbia e do Bahrein? É um pouco como o ótimo poema de Adrian Mitchell (1932 - 2008), intitulado "To Whom It May Concern". Sobre a Guerra do Vietnã? Ora, o que muda realmente de guerra em guerra? Nós aprendemos tanto com um poema sobre a Guerra do Vietnã como com um poema da antiguidade sobre a Guerra do Peloponeso.
Eu tenho calafrios, por exemplo, ao ler o famoso epigrama de Simônides de Ceos sobre os soldados mortos na Batalha das Termópilas (480 a.C.), que diz:
"Vai, desconhecido, diz aos lacedemônios:
aqui jazemos em obediência a suas leis."
Termópilas, Waterloo, Manchuria, Montecristo, Bagdá. A lista é interminável e crescente. Em qualquer lugar do mundo, dever-se-ia cavar a terra com o cuidado de quem possa estar escavando, sem saber, uma vala comum.
Será que um dia os versos de Gil Scott-Heron serão completamente incompreensíveis para os homens do futuro? Ora, todo poeta épico, se pensarmos na descrição de Ezra Pound para a poesia épica ("um poema que inclui a História") trabalha com o contextual: canta com tanta frequência o morto e o que vai morrer. Eles carregam a História em seu bojo, ainda que muitas vezes a mitificando, seja na Ilíada, ou mesmo, mais recentemente, n´O Guesa, de Sousândrade; n´Os Cantares, de Pound; no A, de Zukofsky; em The Walls Don´t Fall, de H.D.; n´A Rosa do Povo, de Drummond, e no gigantesco poema "Janela do Caos", de Murilo Mendes. A poesia reassume significados, sem ter que os engessar. Mesmo que o jogo inteligentíssimo de Scott-Heron em um verso como "You will not be able to plug in, turn on and cop out" se perca, e não saibamos que nele o poeta apropriou-se em intertextualidade da frase famosa de Timothy Leary, "Turn on, tune in, drop out", eu acredito que muito do texto sobrevive em sua própria carga de força.
A potência sonora, em aliteração e anáfora, é quase hipnótica, torna-se quase surreal-expressionista em certas imagens, ainda que saibamos lidar com figuras históricas. É texto de poeta. Em "lose yourself on skag and skip, / Skip out for beer during commercials", ou nas imagens de força expressionista em "The revolution will not show you pictures of Nixon / blowing a bugle and leading a charge by John / Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat / hog maws confiscated from a Harlem sanctuary", sem esquecer o jogo inteligente de criar paralelos sonoros entre Xerox e o nome de Nixon. Isso é sutil e ao mesmo agressivo, um soco, coisa de poeta satírico talentoso. Versos como "The revolution will not give your mouth sex appeal. / The revolution will not get rid of the nubs. / The revolution will not make you look five pounds / thinner, because the revolution will not be televised, Brother" preconizam elementos de apropriação que se tornariam comuns na poesia de hoje, além de ligá-lo, em minha opinião, a certas táticas de poetas modernistas, como Maiakóvski talvez, ou Brecht.
Sua morte é uma perda gigante, num momento em que precisamos tanto de poetas com coragem para incluir, quando necessário, a História em seus textos.
The Revolution Will Not Be Televised
Gil Scott-Heron
You will not be able to stay home, brother.
You will not be able to plug in, turn on and cop out.
You will not be able to lose yourself on skag and skip,
Skip out for beer during commercials,
Because the revolution will not be televised.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by Xerox
In 4 parts without commercial interruptions.
The revolution will not show you pictures of Nixon
blowing a bugle and leading a charge by John
Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat
hog maws confiscated from a Harlem sanctuary.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by the
Schaefer Award Theatre and will not star Natalie
Woods and Steve McQueen or Bullwinkle and Julia.
The revolution will not give your mouth sex appeal.
The revolution will not get rid of the nubs.
The revolution will not make you look five pounds
thinner, because the revolution will not be televised, Brother.
There will be no pictures of you and Willie May
pushing that shopping cart down the block on the dead run,
or trying to slide that color television into a stolen ambulance.
NBC will not be able predict the winner at 8:32
or report from 29 districts.
The revolution will not be televised.
There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of Whitney Young being
run out of Harlem on a rail with a brand new process.
There will be no slow motion or still life of Roy
Wilkens strolling through Watts in a Red, Black and
Green liberation jumpsuit that he had been saving
For just the proper occasion.
Green Acres, The Beverly Hillbillies, and Hooterville
Junction will no longer be so damned relevant, and
women will not care if Dick finally gets down with
Jane on Search for Tomorrow because Black people
will be in the street looking for a brighter day.
The revolution will not be televised.
There will be no highlights on the eleven o'clock
news and no pictures of hairy armed women
liberationists and Jackie Onassis blowing her nose.
The theme song will not be written by Jim Webb,
Francis Scott Key, nor sung by Glen Campbell, Tom
Jones, Johnny Cash, Englebert Humperdink, or the Rare Earth.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be right back after a message
bbout a white tornado, white lightning, or white people.
You will not have to worry about a dove in your
bedroom, a tiger in your tank, or the giant in your toilet bowl.
The revolution will not go better with Coke.
The revolution will not fight the germs that may cause bad breath.
The revolution will put you in the driver's seat.
The revolution will not be televised, will not be televised,
will not be televised, will not be televised.
The revolution will be no re-run brothers;
The revolution will be live.
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