quarta-feira, 11 de maio de 2011

Defenderei, defenderei, defenderei: Kenneth Patchen, poeta norte-americano da década de 30, um dos meus heróis pessoais

Vagando ontem pelos canais de vídeos compartilhados à procura de documentários sobre poesia e os poetas que amo, encontrei alguns arquivos de áudio de um dos meus heróis, Kenneth Patchen.



Kenneth Patchen lê seu texto "In order to"



O norte-americano, nascido em 1911, é herói pessoal meu. Sua poesia, sua prosa e seu trabalho visual o enquadram lá no mesmo rol em que incluo minha mestra Hilda Hilst, minha presidente das febres.


Creation
Kenneth Patchen


Wherever the dead are there they are and
Nothing more. But you and I can expect
To see angels in the meadowgrass that look
Like cows -
And wherever we are in paradise
in furnished room without bath and
six flights up
Is all God! We read
To one another, loving the sound of the s’s
Slipping up on the f’s and much is good
Enough to raise the hair on our heads, like Rilke and Wilfred Owen

Any person who loves another person,
Wherever in the world, is with us in this room -
Even though there are battlefields.


§

Poesia catúlica, prosa febril. Seu romance The Journal of Albion Moonlight (1941) é um dos meus livros de cabeceira, e um dos textos distópicos mais assustadores que já li. Antecipa muita coisa da prosa do pós-guerra.



Kenneth Patchen lê de seu romance The Journal of Albion Moonlight (1941)


Seria interessante lê-lo à luz dos romances de Samuel Beckett, por exemplo. Não sei se isso já foi feito. Os dois são muito diferentes, é verdade. Patchen é quase sempre exuberante, mesmo em meio à destruição. Beckett é muito mais seco, irônico. Na poesia, Patchen vai do celebratório ao satírico. Gosto bastante.


My Generation Reading The Newspapers
Kenneth Patchen

We must be slow and delicate; return
the policeman's stare with some esteem,
remember this is not a shadow play
of doves and geese but this is now
the time to write it down, record the words—
I mean we should have left some pride
of youth and not forget the destiny of men
who say goodbye to the wives and homes
they've read about at breakfast in a restaurant:
'My love.'—without regret or bitterness
obtain the measure of the stride we make,
the latest song has chosen a theme of love
delivering us from all evil—destroy. . . ?
why no. . . this too is fanciful. . . funny how
hard it is to be slow and delicate in this,
this thing of framing words to mark this grave
I mean nothing short of blood in every street
on earth can fitly voice the loss of these.



Muito do que tornou os Beats famosos (nestes momentos eu chego a quase ter um pouco de raiva dos Beats, confesso, por sua máquina marqueteira que nem sempre foi justa com os seus próprios mestres) já estava em poetas da década de 20, como Langston Hughes, Kenneth Rexroth, Muriel Rukeyser e o próprio Kenneth Patchen.


Allen Ginsberg e Kenneth Patchen no backstage do Living Theatre, onde Patchen fazia uma de suas performances
com Charlie Mingus, Nova Iorque, 1959. Foto de Harry Redl.




Be Music, Night
Kenneth Patchen

Be music, night,
That her sleep may go
Where angels have their pale tall choirs

Be a hand, sea,
That her dreams may watch
Thy guidesman touching the green flesh of the world

Be a voice, sky,
That her beauties may be counted
And the stars will tilt their quiet faces
Into the mirror of her loveliness

Be a road, earth,
That her walking may take thee
Where the towns of heaven lift their breathing spires

O be a world and a throne, God,
That her living may find its weather
And the souls of ancient bells in a child's book
Shall lead her into Thy wondrous house



§



Kenneth Patchen oraliza dois poemas, em vídeo com cenas de seu contexto histórico.


§


Eve Of St. Agony Or The Middleclass Was Sitting On Its Fat
Kenneth Patchen

Man-dirt and stomachs that the sea unloads; rockets
of quick lice crawling inland, planting their damn flags,
putting their malethings in any hole that will stand still,
yapping bloody murder while they slice off each other’s heads,
spewing themselves around, priesting, whoring, lording
it over little guys, messing their pants, writing gush-notes
to their grandmas, wanting somebody to do something pronto,
wanting the good thing right now and the bad stuff for the other boy.
Gullet, praise God for the gut with the patented zipper;
sing loud for the lads who sell ice boxes on the burning deck.
Dear reader, gentle reader, dainty little reader, this is
the way we go round the milktrucks and seamusic, Sike’s trap and Meg’s rib,
the wobbly sparrow with two strikes on the bible, behave
Alfred, your pokus is out; I used to collect old ladies,
pickling them in brine and painting mustaches on their bellies,
later I went in for stripteasing before Save Democracy Clubs;
when the joint was raided we were all caught with our pants down.
But I will say this: I like butter on both sides of my bread
and my sister can rape a Hun any time she’s a mind to,
or the Yellow Peril for that matter; Hector, your papa’s in the lobby.
The old days were different; the ball scores meant something then,
two pill in the side pocket and two bits says so; he got up slow see,
shook the water out of his hair, wam, tell me that ain’t a sweet left hand;
I told her what to do and we did it, Jesus I said, is your name McCoy?
Maybe it was the beer or because she was only sixteen but I got hoarse
just thinking about her; married a john who travels in cotton underwear.
Now you take today; I don’t want it. Wessex, who was that with I saw you lady?
Tony gave all his dough to the church; Lizzie believed in feeding her own face;
and that’s why you’ll never meet a worm who isn’t an antichrist, my friend,
I mean when you get down to a brass tack you’ll find some sucker sitting on it.
Whereas. Muckle’s whip and Jessie’s rod, boyo, it sure looks black
in the gut of this particular whale. Hilda, is that a .38 in your handbag?


Ghosts in packs like dogs grinning at ghosts
Pocketless thieves in a city that never sleeps
Chains clank, warders curse, this world is stark mad


Hey! Fatty, don’t look now but that’s a Revolution breathing down your neck.



§


Leia abaixo um artigo meu sobre o norte-americano, tratando mais uma vez sobre a questão dificílima política x / + poética, com uma tradução para um dos meus poemas favoritos de Kenneth Patchen.


§


"A poesia ativa de Kenneth Patchen"

por Ricardo Domeneck

(artigo publicado a 2 de março de 2009 na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co.)

O poeta estadunidense Kenneth Patchen nasceu na pequena cidade de Niles, no estado de Ohio, em 1911. Contemporâneo de poetas que se tornariam muito importantes no pós-guerra, como Charles Olson (nascido em 1910), John Cage (nascido em 1912) ou Robert Duncan (nascido em 1919), Kenneth Patchen inicia suas atividades poéticas em um dos períodos mais tumultuados da história dos Estados Unidos, em plena Depressão pós-1929, unindo-se a poetas como os que se ligaram à comunidade dos Objectivists (Louis Zukofsky, George Oppen, Lorine Niedecker, Carl Rakosi, Charles Reznikoff) e poetas "independentes" como Kenneth Rexroth, Muriel Rukeyser, Langston Hughes, Robinson Jeffers e Kenneth Fearing.

Esta "geração" de poetas, que se tornaria ativa no período entre-guerras, foi a mais politizada que o modernismo americano gerou. Trata-se de uma geração de poetas ativistas. Entre o liberalismo democrático-esquerdista de Cummings ou Williams e as tendências de Lewis ou Pound à direita (sem mencionar a posição conservadora de Eliot), estes poetas da década de 20 e 30 assumiram altos riscos da ação política, na vida e na escrita, muitos ligados ao Partido Comunista americano. Ninguém está sugerindo que sua poesia seja lida por causa de seu engajamento político. Mas é também um equívoco que eles não sejam lidos pelo mesmo motivo. Pois o cânone, que muitos crêem ser "incondicionado e neutro", exilou por décadas muitos destes poetas por motivos políticos. Basta ler seus poemas para saber que eles teriam muito a nos ensinar se suas obras tivessem a visibilidade que a seleção oficial do cânone provê a seus eleitos.

Mas estes poetas realmente levavam a sério suas est-É-ticas. George Oppen e Kenneth Fearing abandonaram a escrita pelo ativismo político, foram investigados pelo FBI e pelo comitê do senador Joseph McCarthy, voltando a publicar no fim da década de 50. Oppen se exilaria no México, antes de retornar aos Estados Unidos e publicar livros importantes como The Materials (1962) e Of Being Numerous (1968). Sem abandonar a poesia, Muriel Rukeyser seguiu com seu trabalho de resistência, sendo também perseguida e investigada. Louis Zukofsky incorporou escritos políticos (até mesmo fragmentos d´O Capital, de Marx) em seu épico A, e o anarquismo de Kenneth Rexroth seria fundamental para a educação política de poetas mais jovens, como os Beats.

O período entre as duas Grandes Guerras foi marcado pela reação às vanguardas da primeira década no âmbito anglófono. Quando pensamos hoje na fama de poetas como Ezra Pound, Gertrude Stein e William Carlos Williams, é fácil esquecer que estes poetas estavam completamente soterrados e quase esquecidos até meados da década de 50 e 60, quando poetas mais jovens, como Allen Ginsberg, Jack Spicer, Frank O´Hara e John Ashbery começaram a recuperar seus trabalhos, em reação à crítica unívoca e à poesia que eram pregadas pelos New Critics, baseadas na poética tardia de T.S. Eliot e W.H. Auden, que imperaram nas décadas de 40 e 50, formando a parte mais visível e oficial do cânone. Algo muito parecido ocorreu no Brasil, com o Grupo de 45 reagindo contra os primeiros modernistas brasileiros, acusando-os de "falta de seriedade e profundidade", tomando muitos dos parâmetros dos New Critics para sua poética. Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência. Humor, a quebra das dicotomias entre as tais de cultura erudita e cultura popular, linguagem coloquial e experimentação sintática, uma alta consciência histórica sobre a posição social do poeta, assim como o envolvimento político explícito eram (e ainda são) vistos como uma espécie de traição da causa "propriamente poética". Mas, para poetas como Patchen, Oppen ou Rukeyser, assim como mais tarde para os poetas ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E, toda escrita tem implicações políticas, mesmo naqueles autores que se sonham "neutros e universais", mascarando, de certa forma, sua posição política, assim como dissimulam sua visão subjetiva em uma linguagem que se sonha realmente objetiva.

Talvez algo próximo daquilo que escreveu Wittgenstein, de que ética e estética são uma só?

Em poetas como Ezra Pound e Louis Zukofsky, para citar posicionamentos distintos, isto se refletia de forma direta na escrita. George Oppen o faz de forma mais implícita, em poemas como os do livro Of Being Numerous. Kenneth Patchen tem límpidos poemas de amor, sem "sombra" de ativismo político (a resistência pela negação, como queria Theodor Adorno no ensaio "Lírica e sociedade"?) e textos em que ele se entrega à resistência declarada ao sistema e à guerra. Devemos contornar a política de um poeta para poder ler seus textos? A política de direita de Ezra Pound? A marxista de Louis Zukofsky? A política impede nossa apreciação dos poemas de A Rosa do Povo (1945), de Carlos Drummond de Andrade? É mais implícita e discreta em A Educação pela Pedra (1966), de João Cabral de Melo Neto? Devemos separar os poemas "condicionados" dos "incondicionados" na obra de poetas como Kenneth Patchen? Há poemas incondicionados?

Se os primeiros modernistas encontraram seus "defensores" entre os mais jovens (ainda que muitos sigam negligenciados), os poetas da década de 30 não tiveram a mesma sorte. Sob a "acusação" de serem "meros poetas políticos", perseguidos pelo establishment literário paranóico e histérico da Guerra Fria, bons autores como Kenneth Patchen, Muriel Rukeyser, Louis Zukofsky e George Oppen seguem à margem da historiografia literária e poética americana e mundial. Apenas nos últimos anos o excelente trabalho de George Oppen, por exemplo, parece começar a dar sinais de estabelecer-se como incontornável.

§

First Will and Testament
Kenneth Patchen

I here deliver you my will and testament, in which you
will find that what I am is not at all what I would: I
make no demand that you be just in weighing it, for I
know that you will be so for your own sake; but I do
charge you by the religion of poetry itself not to sneer
at some things which may seem strange to you, for I
have burnt no house but my own and nobody will
force you to warm yourself at its heat.



Aqui entrego a vocês meu testamento, no qual
descobrirão que o que sou não é por certo o que seria: eu
não exijo que sejam justos ao ponderar sobre ele, pois eu
sei que o serão para o seu próprio bem; no entanto, eu
comando pela religião mesma da poesia que não zombem
daquilo que possa lhes parecer estranho, pois eu
não queimei casa alguma além da minha e ninguém
há-de forçar que vocês se aqueçam em seu fogo.

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

Aqueles que se reuniram em uma comunidade, como os Objectivists, têm recebido mais atenção nos últimos anos, e começam a estabelecer seus lugares no cânone historicamente elíptico. Poetas independentes como Kenneth Patchen, Muriel Rukeyser, Kenneth Rexroth acabaram soterrados sob a fama daqueles que eles próprios ajudaram a educar e formar, como os media darlings dos Beats: Ginsgerg, Kerouac e colegas.

Muito do que vemos de inovação nos Beats e autores da New York School (Ashbery, O´Hara, etc), por exemplo, foi iniciado por poetas como Kenneth Patchen, Langston Hughes e Kenneth Rexroth, como a criação da jazz poetry, o retorno à tradição bárdica, o ativismo político, a boemia entre a costa Leste e Oeste americanas, a recuperação de técnicas dadaístas e a tentativa de quebra do dualismo arte/vida.

Kenneth Patchen colaborou com músicos como Charles Mingus e John Cage, gravando muitos poemas oralizados ao som do jazz, prática que Jack Kerouac tornaria mais tarde célebre.

Pelo menos dois romances de Kenneth Patchen são considerados obras únicas na língua inglesa: The Journal of Albion Moonlight (1941) e The Memoirs of a Shy Pornographer (1945). Sua escrita fluida, dividindo-se entre a claridade de um Catulo na poesia e a densidade de um Beckett na prosa, lembra-me a figura fugidia e plural de Hilda Hilst.

Eu acredito que o trabalho de Kenneth Patchen oferece interesse formal para os jovens poetas contemporâneos. Sua obra entrega-se a muitas práticas distintas e plurais, em escrita e em performance oral, criação sonora e composição visual, em prosa-poesia e poesia-prosa. Se os norte-americanos não estão muito interessados, o azar é deles. Devoremos nós a Patchen.


--- Ricardo Domeneck


§

Abaixo, a excepcional poesia pictórica de Kenneth Patchen, que nos lembra o trabalho visual de brasileiros como Valêncio Xavier e Sebastião Nunes. Kenneth Patchen os chamava de picture poems.


PICTURE POEMS, Kenneth Patchen









§




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