Seguindo com minha pequena série de postagens de poemas dos autores convidados por mim para o Festival de Poesia de Berlim deste ano, compartilho com vocês um dos poemas de Jussara Salazar que estará incluído na antologia binacional a ser lançada após a Oficina de Tradução. A propósito, o parceiro alemão de Jussara Salazar já foi definido, será Christian Lehnert, nascido em 1969 na cidade de Dresden, então Alemanha Oriental, e formado em teologia pela Universidade de Jerusalém. Lehnert estreou em 1997 com o livro Der gefesselte Sänger, e tem seus livros publicados pela Suhrkamp, seis coletâneas, sendo o mais recente Aufkommender Atem (2011).
Como vocês devem saber, Jussara Salazar nasceu em 1959, no agreste de Pernambuco, e é autora de Inscritos da casa de Alice (1999), Baobá - Poemas de Leticia Volpi (2002), Natália (2004), Coraurissonoros (Buenos Aires, 2008) e o mais recente (e belo) Carpideiras (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011).
Bestiário
Jussara Salazar
a minha guerra será a tua guerra
não a guerra dos homens
mas a dos pássaros desgarrados
o nosso bestiário será esse
o do contrário nunca jamais
e a minha casa será a tua guerra
o nosso bestiário será esse
o do contrário e dos urubus diários
e a minha carne será a tua guerra
o nosso bestiário será esse
o dos monstros submersos que eunoé lembrará
quando a minha cruz for a tua guerra
então o nosso bestiário será esse
canto perdido sem prumo retalhado
sem dor sem beleza nem terra
e então a minha guerra será a tua guerra
Para quem conhece meu trabalho, creio que não será difícil perceber o porquê do meu apreciar. Tenho grande apreço pela escrita que adota o permutacional, especialmente quando aplicada a um texto tão marcadamente lírico. Em língua portuguesa, tal processo encontrou sua expressão magistral, por exemplo, em um livro como A Máquina Lírica, de Herberto Helder, livro e poeta sobre o qual pretendo escrever aqui em breve. Aqui, no "Bestiário" de Jussara Salazar, nada há de gratuito no uso do permutacional entregue à mimese de uma relação, já que nossa própria vida amorosa parece adotar por vezes estratégias de permutação. Algo como Frank O´Hara exclamando "Each time my heart is broken it makes me feel more adventurous (and how the same names keep recurring on that interminable list!)", em seu poema "Meditations in an emergency" - nunca deixo de admirar a escolha daquele "in" no lugar do gramaticalmente usual "on".
O último livro de Jussara Salazar, intitulado Carpideiras, retoma a tradição ibérica de uma poesia elegíaco-religiosa, remontando à poesia medieval e à milenar tradição oral. Se esta se afasta do religiosamente agônico em Hilda Hilst, talvez aproxime-a da delicadeza lírica firme de Henriqueta Lisboa. Uma carpideira, como se sabe, é uma profissional feminina contratada para prantear um morto. Seria interessante pensar se o livro de J. Salazar exerce tal função em relação à mesma tradição à qual se liga.
TYRANA CANTADA À SACRA PRECLARÍSSIMA SANTA JOANA PRINCESA EM SEU LEITO DE MORTE.
Jussara Salazar
1 Ela disse ao coração do cantor
não cante/aos corvos
ela disse ao mar profundo
jazem/as brumas da ira
ela disse não cante /apenas diga
ao silêncio/que plante
aquela flor/
e rasgando a sombra/cuja mão
ela /esguia como um longo cravo
segurava/disse ao tempo/
não espantes/o sol com a tua dor
Termino esta pequena postagem com outro poema de Jussara Salazar que aprecio em sua labiríntica sonoridade entremalhando a sintaxe.
Água celeste
ou jogos da amarelinha
Jussara Salazar
antes tarde
que nunca
entulho
antes música
e estilhaço
no ardor
aquático
deste ácido entre
a orla
sempre um cáustico
iça
funde o corpo
um tímpano
ao pólen
quem beira o lago
e o astro
rapta
o concêntrico eco
e antes refaz-se
do que nunca
hálito
enquanto ara
um palavreado
e apalpa
a teia
o átimo
ante
o acústico
caleidoscópio
.
.
.
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