quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Duas palavras, que são um nome, que pertence a uma pessoa, que é minha principal interlocutora: Marília Garcia



Tenho hoje um diálogo muito forte e frutífero com vários poetas contemporâneos, debates que são importantíssimos para meu trabalho como poeta e crítico, com companheiros específicos e pontuais espalhados por vários países e línguas, no Brasil, na Alemanha, Catalunha, Argentina, México. São debates com regularidade e intensidade variadas, sobre questões que são pontos nevrálgicos, se me permitem, a unir e separar meu trabalho do destes poetas. Uma relação de grande respeito guiando os questionamentos de nossas discordâncias e concordâncias, como minhas conversas sobre forma e historicidade com autores como Érico Nogueira, Dirceu Villa e, nos últimos tempos, Ezequiel Zaidenwerg.

Há poetas com quem sinto a sorte comunal de possuir pura e estrutural afinidade est-É-tica, como é o caso de minha admiração por Angélica Freitas. É uma corrente subterrânea que carrega meus pés e talvez nos leve, quem sabe, à mesma cachoeira.

Mas, com exceção talvez do catalão Eduard Escoffet e por razões distintas, mal encontro palavras para descrever a comunhão única de preocupações, perguntas e obsessões que sinto ao dialogar com Marília Garcia. Grande parte de um debate, tornando-o às vezes tão difícil, perde-se e perde tanto na necessidade de explicarmo-nos antes de podermos realmente dialogar, e é justamente esta perda de tempo no explicar-se que raramente sinto em meu diálogo com esta poeta, por compartilharmos tantas referências, que não deixam ao mesmo tempo de ser adversativas e complementares. Minha leitura crítica tão marcada por germânicos e anglófonos, ligada ao seu conhecimento do debate francófono, por exemplo. Foi meditando sobre seu trabalho que se clarificou em minha mente a busca pelo que venho chamando de uma lírica analítica, que já intuíra, no Brasil, em Marcos Siscar na década de 90 e poderia elaborar melhor para mim mesmo ao pensar sobre o trabalho de Juliana Krapp, cuja pequena obra, declarada pela própria autora como já encerrada, parece ter sido aquela que, no Brasil, mais claramente assumiu certos questionamentos que eu declararia encontrarmos apenas em poetas como Lyn Hejinian, Rosmarie Waldrop ou Rae Armantrout, dentro do meu limitado campo de visão, audição e pensamento.

Questionamentos, no entanto, aos quais acredito que Marília Garcia também uniria sua consciência do debate tão culturalmente específico sobre o lirismo que foi empreendido na França, por poetas tão diversos quanto Emmanuel Hocquard e Nathalie Quintane, talvez já germinado no trabalho de Gertrude Stein, que Marília Garcia vem traduzindo belamente para o português, e eu incorporava por implicações através de minha leitura obsessiva de Ludwig Wittgenstein.

Com Marília Garcia, a paixão quase obsessiva por esta Gertrude Stein, nosso interesse por uma textualidade que tantos dizem "não ser poesia", aquela que amamos nos trabalhos talvez inclassificáveis da própria norte-americana, ou ainda de John Cage, David Antin, Emmanuel Hocquard, como em certos textos de Barthes e artistas visuais que se embrenham na floresta de signos da textualidade, como o interesse de Marília por Guillermo Kuitca e Alfredo Prior, o meu por Gary Hill e Martha Rosler, e o nosso amor comum por Mira Schendel.

Ter tido a honra de lançar no Rio de Janeiro meu Ciclo do amante substituível (7Letras, 2012) ao lado de seu engano geográfico (7Letras, 2012) não é apenas a alegria de compatilhar um momento bonito com uma companheira. É como uma figura (em seu sentido teológico) pessoalíssima, dos caminhos que sinto partilhar e palmilhar com esta poeta, embrenhando-nos por uma poesia lírica desbragadamente nua, protegida do frio crítico de um país tão apaixonado pelo antilirismo apenas pelo aquecimento único dos pelos de seu próprio corpo.

A apresentação de Marília Garcia no evento que organizamos, ao lado de Marta Mestre no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi uma das experiências mais fortes que já tive com um poeta de carne e osso, vocalizando seu texto. Houve leituras que me entusiasmaram ou divertiram muitíssimo, mas nenhuma que tenha me emocionado tanto, este ato tão fora de moda como é o emocionar-se. Graças ao jovem poeta carioca Ícaro Lira, há um registro em vídeo da apresentação, com um excerto da intervenção de Marília sobre a peça que fez em colaboração com o músico Rodolfo Caesar, e sua própria intervenção sobre seu poema "é uma lovestory e é sobre um acidente".

Antes do vídeo, uma última asserção apaixonada: se eu morrer um segundo depois da postagem deste artigo, que o mundo saiba que Marília Garcia é a única com autoridade total e irrestrita para decidir o destino do que eu, com riso contido, chamaria de meu espólio. Hoje, basicamente, um amontoado de cartas ridículas de amor e um ou outro artigo.



Leitura dos poemas "Aquário" e "é uma lovestory e é sobre um acidente"
no evento Textualidade: modos de usar, organizado pela Modo de usar & co.
em parceria com o MAM, através da Marta Mestre, que teve lugar no próprio museu.
Quanto ao primeiro poema, trata-se da parte final da intervenção
na peça musical "Aquário", de Rodolfo Caesar.
Vídeo filmado e editado por Ícaro Lira.

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