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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Dois poemas de Marília Garcia (em vídeo)

 

Marília Garcia vocaliza seu texto "é uma lovestory e é sobre um acidente", 
em Berlim, Alemanha, a 6 de dezembro de 2011. 

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Marília Garcia - "Aquário" - colaboração com Rodolfo Caesar - 
Performance no MAM-Rio a 26 de janeiro de 2012.

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Marília Garcia, minha companheira,
e eu - na Bélgica, em 2011.

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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Três companheiros, cinco anos.

Angélica Freitas, Rilke shake (2007)

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Marília Garcia, 20 poemas para o seu walkman (2007)

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Ricardo Domeneck, a cadela sem Logos (2007)

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Angélica Freitas, Um útero é do tamanho de um punho (2012)

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Marília Garcia, engano geográfico (2012)

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Ricardo Domeneck, Ciclo do amante substituível (2012)

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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Nova capa para "Carta aos anfíbios" (2005)

Como prometi aqui ao tornar meu livro Cigarros na cama (2011) disponível para download gratuito, estou rediagramando com Marília Garcia meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (2005). Alguns poucos poemas foram reescritos e incluí um inédito que havia ficado perdido numa gaveta à época em que o preparei para publicação. O link virá em breve. Por ora, deixo vocês com a linda capa nova, feita por Marília Garcia sobre foto de Heinz Peter Knes. 




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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Duas palavras, que são um nome, que pertence a uma pessoa, que é minha principal interlocutora: Marília Garcia



Tenho hoje um diálogo muito forte e frutífero com vários poetas contemporâneos, debates que são importantíssimos para meu trabalho como poeta e crítico, com companheiros específicos e pontuais espalhados por vários países e línguas, no Brasil, na Alemanha, Catalunha, Argentina, México. São debates com regularidade e intensidade variadas, sobre questões que são pontos nevrálgicos, se me permitem, a unir e separar meu trabalho do destes poetas. Uma relação de grande respeito guiando os questionamentos de nossas discordâncias e concordâncias, como minhas conversas sobre forma e historicidade com autores como Érico Nogueira, Dirceu Villa e, nos últimos tempos, Ezequiel Zaidenwerg.

Há poetas com quem sinto a sorte comunal de possuir pura e estrutural afinidade est-É-tica, como é o caso de minha admiração por Angélica Freitas. É uma corrente subterrânea que carrega meus pés e talvez nos leve, quem sabe, à mesma cachoeira.

Mas, com exceção talvez do catalão Eduard Escoffet e por razões distintas, mal encontro palavras para descrever a comunhão única de preocupações, perguntas e obsessões que sinto ao dialogar com Marília Garcia. Grande parte de um debate, tornando-o às vezes tão difícil, perde-se e perde tanto na necessidade de explicarmo-nos antes de podermos realmente dialogar, e é justamente esta perda de tempo no explicar-se que raramente sinto em meu diálogo com esta poeta, por compartilharmos tantas referências, que não deixam ao mesmo tempo de ser adversativas e complementares. Minha leitura crítica tão marcada por germânicos e anglófonos, ligada ao seu conhecimento do debate francófono, por exemplo. Foi meditando sobre seu trabalho que se clarificou em minha mente a busca pelo que venho chamando de uma lírica analítica, que já intuíra, no Brasil, em Marcos Siscar na década de 90 e poderia elaborar melhor para mim mesmo ao pensar sobre o trabalho de Juliana Krapp, cuja pequena obra, declarada pela própria autora como já encerrada, parece ter sido aquela que, no Brasil, mais claramente assumiu certos questionamentos que eu declararia encontrarmos apenas em poetas como Lyn Hejinian, Rosmarie Waldrop ou Rae Armantrout, dentro do meu limitado campo de visão, audição e pensamento.

Questionamentos, no entanto, aos quais acredito que Marília Garcia também uniria sua consciência do debate tão culturalmente específico sobre o lirismo que foi empreendido na França, por poetas tão diversos quanto Emmanuel Hocquard e Nathalie Quintane, talvez já germinado no trabalho de Gertrude Stein, que Marília Garcia vem traduzindo belamente para o português, e eu incorporava por implicações através de minha leitura obsessiva de Ludwig Wittgenstein.

Com Marília Garcia, a paixão quase obsessiva por esta Gertrude Stein, nosso interesse por uma textualidade que tantos dizem "não ser poesia", aquela que amamos nos trabalhos talvez inclassificáveis da própria norte-americana, ou ainda de John Cage, David Antin, Emmanuel Hocquard, como em certos textos de Barthes e artistas visuais que se embrenham na floresta de signos da textualidade, como o interesse de Marília por Guillermo Kuitca e Alfredo Prior, o meu por Gary Hill e Martha Rosler, e o nosso amor comum por Mira Schendel.

Ter tido a honra de lançar no Rio de Janeiro meu Ciclo do amante substituível (7Letras, 2012) ao lado de seu engano geográfico (7Letras, 2012) não é apenas a alegria de compatilhar um momento bonito com uma companheira. É como uma figura (em seu sentido teológico) pessoalíssima, dos caminhos que sinto partilhar e palmilhar com esta poeta, embrenhando-nos por uma poesia lírica desbragadamente nua, protegida do frio crítico de um país tão apaixonado pelo antilirismo apenas pelo aquecimento único dos pelos de seu próprio corpo.

A apresentação de Marília Garcia no evento que organizamos, ao lado de Marta Mestre no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi uma das experiências mais fortes que já tive com um poeta de carne e osso, vocalizando seu texto. Houve leituras que me entusiasmaram ou divertiram muitíssimo, mas nenhuma que tenha me emocionado tanto, este ato tão fora de moda como é o emocionar-se. Graças ao jovem poeta carioca Ícaro Lira, há um registro em vídeo da apresentação, com um excerto da intervenção de Marília sobre a peça que fez em colaboração com o músico Rodolfo Caesar, e sua própria intervenção sobre seu poema "é uma lovestory e é sobre um acidente".

Antes do vídeo, uma última asserção apaixonada: se eu morrer um segundo depois da postagem deste artigo, que o mundo saiba que Marília Garcia é a única com autoridade total e irrestrita para decidir o destino do que eu, com riso contido, chamaria de meu espólio. Hoje, basicamente, um amontoado de cartas ridículas de amor e um ou outro artigo.



Leitura dos poemas "Aquário" e "é uma lovestory e é sobre um acidente"
no evento Textualidade: modos de usar, organizado pela Modo de usar & co.
em parceria com o MAM, através da Marta Mestre, que teve lugar no próprio museu.
Quanto ao primeiro poema, trata-se da parte final da intervenção
na peça musical "Aquário", de Rodolfo Caesar.
Vídeo filmado e editado por Ícaro Lira.

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Vídeo com excertos das leituras de Lu Menezes, Luca Argel, Alice Sant´Anna, Marília Garcia e deste que vos digita, no Baukurs Cultural, 28/01/12


Lançamento e leituras no Baukurs Cultural, a 28 de janeiro de 2012.
Organizado pela Editora 7Letras e pela Modo de Usar & Co.
Lançamento dos livros "engano geográfico", de Marília Garcia,
e "Ciclo do amante substituível", de Ricardo Domeneck.
Leituras com os poetas
LU MENEZES,
LUCA ARGEL,
ALICE SANT´ANNA,
RICARDO DOMENECK
e MARÍLIA GARCIA.

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domingo, 29 de janeiro de 2012

Pequena nota de despedida do Rio de Janeiro, com poemas de Lu Menezes, Alice Sant´Anna e Luca Argel, mais excerto do poema-livro de Marília Garcia

Marília e eu no Villarino, centro do Rio, após apresentação no MAM.
Foto de Alexandra Lucas Coelho.

Último dia no Rio de Janeiro, último dia no Brasil, último dia da viagem que me trouxe de Berlim, levou-me à Cidade do México, carregou-me a São Paulo, a Bebedouro e agora ao Rio de Janeiro. Revi algumas das pessoas mais importantes de minha vida, amigos milenares, a família que liga todas as minhas encarnações, amigos novos que já se tornaram indispensáveis para minha saúde. Esta noite, embarco de volta a Berlim, com uma sensação muito estranha que mal consigo descrever. Queria muito mais uma semana aqui, não sei se estou pronto para voltar para o inverno berlinense, para a cidade novamente dividida em dois hemisférios. Mas volto diferente. O lançamento do meu livro ontem aqui, com a leitura, foi como o ponto final que me dará forças para fazer aquele ato tão difícil de virar a página de nossa própria biografia. Porque eu quero virar a página. Abrir novo capítulo, sem enganar-me ou iludir-me que isso significa exilar-se em outro romance.

Estou feliz, queridos. Marquem seus calendários, o poeta maysado, douglas-sirkense e almodovaricado está feliz.

E estar feliz sempre me traz à mente o início do lindo Happily (2000), de Lyn Hejinian:


Constantly I write this happily
Hazards that hope may break open my lips
What I felt has taken place a large context a long yielding incessant
chance, and to doubt it would be a crime against it
Is happiness the name for our (involuntary) complicity with chance?


Lyn Hejinian, in Happily (2000).


A tarde de ontem foi novamente muito, muito bonita, como a noite no MAM. A sala do Baukurs encheu-se para o lançamento do poema-livro de Marília, chamado engano geográfico (7Letras, 2012), e para o meu Ciclo. Nossa convidada de honra, Lu Menezes, abriu a tarde e fez uma leitura de alguns poemas de seu onde o céu descasca (7Letras, 2011), um dos livros mais bonitos dos últimos anos no Brasil. Escreverei sobre ele em breve, quando estiver assentado no Berlimbo. Abaixo, um dos meus poemas favoritos no livro:

Luzes ao longe

Agora, é como se desse pedaço de vidro negro
com que pintores monocromatizam reduzindo
a tons, só tons a paisagem
("vidro de Claude")
vasta mortalha derivasse, nuvem íntima
da tinta que o polvo-mor tanto aspira,
petróleo
derramado sobre as 1001 cores de Bagdá
respingando
o Rio
da vida inteira quando na fila dos alvos de cá
sua vez
chegar enegrecendo o Corcovado verde-jade,
enegrecendo
palmeiras e azulejos do passado árabe-português,
enegrecendo
o Pão de Açúcar – sonho celeste chinês,

de tal maneira que não possas mais
preferir ver ao anoitecer
"noite, esperança e pedraria" através
do amado verso de Mallarmé
(teu vidro de Mallarmé)
porque
só em tempo de paz
segregam esperança as reentrâncias da pedraria;
só em tempo de paz
luzes ao longe – algum remoto bem
anunciam mesmo a quem o desespero tangencia

Lu Menezes, onde o céu descasca (7Letras, 2011).


Convidamos também a jovem poeta carioca Alice Sant´anna para ler conosco. A poeta estreou em 2008, com o volume Dobradura, também pela editora 7Letras. Gostamos bastante do trabalho dela. Abaixo, um poema recente, sem título:

a sandália nova branca com dedos
que se refestelam do lado de fora
como crianças que sabem o verão que vem
de repente a chuva mingua os planos
da calça jeans com sandália de dedos
uma combinação entre-estações
para não se sentir nem tão lá nem tão
cá os dedos curvados corcundas
como crianças tristes que sabem
o toró que se aproxima as unhas recém-cortadas
que planejaram se mostrar sobre a cadeira de rodinhas
que nada a água inundou a sexta
da janela os bambus se movem muito
chegam a parecer desesperados
as folhas penduradas são cabelos colados
que gritam novas rugas onde nada havia



Alice Sant´Anna, inédito em livro.


Uma das chances e descobertas, das mais felizes nesta minha viagem ao Rio de Janeiro, foi poder ter um pouco de contato e conhecer pessoalmente o jovem poeta Luca Argel, que na manhã de ontem mesmo teve 3 poemas inéditos publicados na página Risco, do jornal O Globo, editada por Carlito Azevedo. Já havíamos trocado algumas mensagens ao longo do ano passado, e ele havia me apresentado alguns de seus trabalhos visuais, mas fiquei muito tocado por seu lirismo tão direto, simples, delineado pelo enunciado da voz. Um lirismo de garganta seca, ligando-o a poetas tão diversos quanto Vasko Popa ou Diane Di Prima. Vou certamente acompanhar com muito interesse o seu trabalho e espero ter a chance no futuro de conviver mais tempo com ele. Abaixo, um dos poemas na Risco:

Para você aprender a palavra nacre

oi eu estou com seu casaco frio
oi eu estou dentro do seu casaco frio
oi eu estou cobrindo todo o meu rosto
com o capuz do teu casaco frio
agora eu não vejo mais nada
agora está ficando
mais difícil
respirar

Luca Argel, poema na página Risco, d´O Globo, editada por Carlito Azevedo.

Eu gostaria de terminar esta postagem com um excerto do poema-livro de Marília Garcia, a última a ler ontem à tarde, encerrando muito bem a tarde linda. Trata-se do excerto na quarta-capa do poema-livro engano geográfico (7Letras, 2012), sobre o qual escreverei em breve. O excerto talvez seja a melhor expressão do que sinto nesta estranha manhã chuvosa, esta manhã de deslocamentos, prestes a deixar o Rio de Janeiro e voltar a Berlim. Agradeço a todos que me salvaram com seu carinho. Estou partindo, mas c´est pas grave, partir, though it may look like (I feel it) like a disaster.


um engano geográfico estar aqui
uma cronologia trocada pensa
onde estão os bilhetes pergunta
aqui trocaremos de língua ela diz
o iogurte passou da validade c´est pas grave
é preciso aprender a dizer isso
em qualquer língua
é preciso aprender a dizer c´est pas grave
em qualquer lugar


Marília Garcia, engano geográfico (7Letras, 2012).


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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Último dia em Berlim, seguido de 32 horas no Rio de Janeiro, featuring Rebello, Garcia, Chomski, Tirelli, Heringer e Freitas (in absentia)

Marília Garcia e Ricardo Domeneck num momento: "Assim deveriam ser encontros de poetas" - Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2011

Escrevo já do México, mas quero falar um pouco sobre as felicíssimas 32 horas que passei no Rio de Janeiro. Está sendo uma verdadeira maratona. Acho que não durmo uma noite completa há uma semana. Meu corpo está começando a pifar.

O último dia em Berlim foi um dos mais estressantes e intensos que já vivi, mas ao fim do dia senti como se estivesse finalmente na areia após nadar e nadar muito no alto-mar das borrascas. Mal pude me despedir de amigos, e serão dois meses longe.

Mas cheguei ao Rio de Janeiro na sexta-feira à noite com um sorriso enorme no rosto. Mal podia crer que teria apenas 32 horas ali, naquela cidade cheia de amigos tão queridos. Esta postagem é uma celebração dos reencontros e novos encontros que desfrutei nestas poucas horas.

Como foi bom ser acolhido por meu amigo Dimitri Rebello, poder conversar como se fizesse dois minutos que não nos víamos, e não dois anos! Há amizades que distância nenhuma pode esfriar. Estar ali em seu apartamento, conversando e ouvindo-o cantar foi muito revigorante para o meu miocárdio em frangalhos.

No sábado, nos encontramos com Marília Garcia (com quem estive em Bruxelas e Berlim na mesma semana) e fomos à Livraria Berinjela para que eu pudesse rever meu caríssimo Daniel Chomski, o diretor da livraria e aquele que tem sido nosso companheiro e aliado na edição das revistas impressas. Sempre tão generoso (além de possuir wit verdadeira), ganhei dele um exemplar da Poesia Reunida de Osvaldo Lamborghini (livro que queria há tempos!) e uma edição peruana linda com poemas de Francisco Alvim e Zuca Sardan traduzidos para o castelhano, estes cavalheiros tão encantadores que tive a honra de finalmente conhecer pessoalmente na Bélgica.

Em Santa Teresa, com uma câmera na mão e um poema na garganta, Dimitri filmou a leitura que Marília e eu fizemos do poema "O livro rosa do coração dos trouxas", de nossa queridíssima Angélica Freitas. Era como ter nossa amiga pelotense tão amada ali conosco.



Marília Garcia e Ricardo Domeneck leem "O livro rosa do coração dos trouxas", de Angélica Freitas,
no Rio de Janeiro. Gravado por Dimitri Rebello, 10 de dezembro de 2011.


Mais tarde, uniram-se a nós duas criaturas de quem começo a gostar muito e a quem eu, pessoalmente, considero dois dos poetas mais interessantes surgidos nestes últimos poucos anos: Ismar Tirelli Neto, a quem já conhecera no Rio em 2009, quando lancei meu Sons: Arranjo: Garganta, mas com quem não tivera ainda a chance de conversar e conviver; e Victor Heringer, que encontrei pessoalmente pela primeira vez, ainda que já conhecesse seu livro de estreia, Automatógrafo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011), que ele tão gentilmente me havia enviado a Berlim. Vocês ouvirão mais sobre Heringer em breve, aqui neste espaço e no da Modo.

Para celebrar estes reencontros e encontros, deixo vocês com o vídeo para "Mercado negro", canção do grande Dimitri BR que ele me dedicou e que é uma de minhas canções favoritas; o vídeo das leituras de Ismar Tirelli Neto que preparamos para a Modo de Usar & Co.; e um poema de Victor Heringer do qual gosto muito. Em poucos dias, escrevo sobre os encontros maravilhosos que estou tendo aqui na Cidade do México. Beijos e abraços apertados a Marília, Dimitri, Chomski, Ismar e Victor, assim como a todos os generosos que frequentam este espaço.



Dimitri Rebello, ou Dimitri BR - "Mercado Negro"

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Ismar Tirelli Neto - "Preocupações épicas" e outros poemas, vídeo de Marília Garcia

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Posições desconfortáveis
Victor Heringer


cotovelo no asfalto em cotovelo cotovela.
a fila espera. estou na fila. espero também.
a fila dá a volta num quarteirão inteiro
que suspeito não ser um quadrado perfeito.
não sei o que espero. não sei se a fila sabe.
espero. não pergunto. seria ridículo, agora,
depois de tantas horas com a mesma cara
bovina. sei fazer cara bovina. muito bem.
trouxe coisas para me ocupar: um jornal;
um lápis para escrever o Tratado para a
desinvenção da penicilina, opus magnum
romantiquinha; cinco dores (uma moral).
esqueci algumas outras coisas. me ocupo
com as que ficaram longe: o mínimo
necessário (por exemplo) para aterrissar
um aeroplano num rio que parece o mar.

a fila anda. eu ando atrás. não sei do quê.
ouvi dizer que é bom, bonito, barato não sei.
ouvi dizer de esquina, assim, canto de boca,
assim um sussurro que cotovelou o quarteirão
que não é um quadrado perfeito porque aqui
é o Rio de Janeiro. aquele é aquele. olharam
para mim. meu nome deu a volta no cotovelo
dobrei meu rosto. tenho que esperar. espero.
não posso ir, agora, bovinamente, falam de mim:
aquele que nem chegou a amar aquela ali
no espaço daquele dia. o que faz logo aqui.

a fila anda. eu ando atrás. não sei do quê.


in Automatógrafo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011)

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vídeo com Marília Garcia e sua vocalização do texto "É uma lovestory e é sobre um acidente"

Marília Garcia (Rio de Janeiro, 1979)


Voo amanhã de manhã para o Rio de Janeiro, como disse, onde passo 30 e poucas horas antes de embarcar para a Cidade do México. Espero, nestas parcas horas, conseguir encontrar amigos como Dimitri Rebello e minha querida Marília Garcia, que esteve há poucos dias em Berlim após nossa passagem pela Bélgica. Aqui, gravamos o vídeo abaixo, com este lindo poema recente dela.



Marília Garcia vocaliza seu texto "é uma lovestory e é sobre um acidente", em Berlim, Alemanha,
a 6 de dezembro de 2011. Um vídeo de Ricardo Domeneck.


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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tarde com Marília Garcia pelas ruas de Bruxelas, gravação da minha cantiga de escárnio "Quadrilha irritada" e leitura na Maison de la Poésie, em Namur

Ricardo Domeneck e Marília Garcia, editores-coruja da Modo de Usar & Co.,
na Maison de la Poésie, Namur, Bélgica. Foto de Arnaud de Schaetzen.

A manhã de sexta-feira começou com rojões, mas não era exatamente para celebrar a presença de quatro poetas brasileiros na cidade. Era a vez dos habitantes da capital oficial da Europa protestarem contra os planos de austeridade do Governo Belga, por conta e consequência das catástrofes de especuladores norte-americanos que explodiram em 2008. Francisco Alvim, Lu Menezes, Marília Garcia e eu, após o café-da-manhã no hotel, saímos para as ruas para acompanhar e observar os slogans e reivindicações da população bruxelense.

Os protestos estão explodindo por toda a Europa, da Espanha à Grécia, da Inglaterra à França. Na Alemanha, que tenta equilibrar os pratos bambos da União Europeia, as coisas parecem calmas, ainda que a população comece a se perguntar se o país pode mesmo dar ordem à confusão deste novelo embaraçadíssimo. É muito esclarecedor observar o que ocorre nos países vizinhos. O Brasil e a Alemanha parecem ter-se saído com arranhões mas sãos da crise iniciada em 2008, ou será ilusão? Meus amigos e eu temos sentido na carne o aumento abusivo dos aluguéis em Berlim, do preço da comida. Berlim já não é a cidade que era quando cheguei.

Mais tarde, Marília e eu seguimos para livrarias, queríamos pesquisar poesia belga para futuras traduções e artigos na Modo de Usar & Co.. Eu queria também tentar encontrar mais livros de Gerard Reve (ver postagem anterior). Encontramos algumas coisas interessantes, mas fomos aconselhados a tentar a Librarie Quartiers Latins, onde há tudo o que se busca de prosa e poesia belgas. Como era justamente a livraria onde faríamos a leitura de Bruxelas, deixamos o resto da pesquisa para o dia seguinte.

Almoçando, Marília e eu tivemos uma ideia muito legal para um volume de ensaios, para o qual pretendemos convidar alguns poetas em breve. Mais informações assim que a coisa se concretizar.

Estamos filmando as leituras no Europalia para prepararmos um vídeo para a Modo de Usar & Co.. Como eu havia escrito em Bruxelas uma cantiga de escárnio intitulada "Quadrilha irritada", paródia do poema de Carlos Drummond de Andrade, Marília quis que gravássemos a porrada maysada e lupiciníaca a quente. O resultado é o vídeo abaixo:



Ricardo Domeneck - "Quadrilha irritada", cantiga de escárnio e poema satírico-paródico, gravado em Bruxelas, Bélgica, a 2 de dezembro de 2011. Vídeo de Marília Garcia.

Mais tarde, seguimos para Namur, onde lemos novamente os quatro juntos na Maison de la Poésie, numa noite que foi realmente muito legal. O vídeo das leituras seguirá em breve.

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Pequena nota sobre Gante, seguida de poemas de Francisco Alvim, Lu Menezes e Marília Garcia

Ontem ocorreu a primeira leitura como parte do lançamento da antologia bilíngue holandês/português Vijfentwintig keer Brazilië / Vinte e cinco no Brasil, org. Flora Süssekind, trad. Harrie Lemmens & Bart Vonck (Gent: Poëziecentrum, 2011), um dos marcos poéticos do festival Europalia. Como escrevi, os poetas brasileiros presentes são Francisco Alvim, Lu Menezes, Marília Garcia e eu, 4 dentre os 25 poetas contemporâneos brasileiros incluídos na antologia, que abre com Augusto de Campos (São Paulo, 1931) e fecha com Marília Garcia (Rio de Janeiro, 1979). Escreverei sobre a antologia, mencionando os outros poetas, em alguns dias.

A leitura foi no Poëziecentrum, um espaço dedicado à poesia na cidade de Gante (Gent/Ghent), com uma excelente biblioteca que conta com praticamente tudo o que é e foi publicado em poesia em holandês, seja esta a língua original ou a de tradução dos poemas. Trata-se do lindo prédio que vocês podem ver na pequena foto que abre a postagem, uma instituição totalmente voltada para a divulgação e publicação de poesia em flamengo, dirigida pela entusiasta generosíssima que é Sieglinde Vanhaezebrouck, a quem deixo aqui meus agradecimentos sinceros pela linda, linda noite que ela organizou. A sala de leitura era no último andar, com cerca de duas dezenas de belgas flamengos interessados, respeitosos, muito generosos, vários deles falando português por paixão pela língua, outros apenas interessados em poesia, seja ela de onde for. Entre as leituras, o violonista Daniel Miranda tocou clássicos de Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Dilermando Reis e Tom Jobim. Foi uma noite muito bonita. Deixo vocês com um poema de cada um dos meus companheiros de leituras, Francisco Alvim, Lu Menezes e Marília Garcia, dentre os incluídos na antologia, assim como posto uma vez mais meu "O acordeonista da Catedral de Bruxelas", que Flora Süssekind decidiu incluir na antologia, deixando-me muito contente de o ler em plena Bélgica, após tê-lo escrito aqui. Encerro com a linda composição de Dilermando Reis que Daniel Miranda tocou ontem à noite. Está sendo um prazer passar estes dias com minha companheira Marília Garcia, conhecer e privar da companhia de Francisco Alvim, rever Lu Menezes após um brevíssimo encontro no Rio de Janeiro em 2009, poder conversar com eles com paz e respeito tamanhos.


QUATRO POEMAS, QUATRO POETAS
incluídos na antologia Vijfentwintig keer Brazilië / Vinte e cinco no Brasil, org. Flora Süssekind, trad. Harrie Lemmens & Bart Vonck
(Gent: Poëziecentrum, 2011)


Escolho
Francisco Alvim

Parado

Na plataforma superior

Entre as pernas
no chão
as compras no plástico

Longe do verso perto da prosa
Sem ânimo algum
para as sortidas sempre -
enquanto duram -
venturosas da paixão

Longe tão longe
do humor da ironia
das polimorfas vozes
sibilinas
transtornadas no ouvido
da língua

Ali onde o chão é chão
as pernas, pernas
a coisa, coisa
e a palavra, nenhuma
Onde apenas se refrata
a ideia
de um pensamento exaurido
de movimento

Entre dois trajetos
dois portos
(duas lagunas
duas doenças)

Sublimes virtudes do acaso
por que não me tomais
por dentro
e me protegeis do frio de fora
da incessante, intolerável, fugo do enredo?
da escolha?


§


onde o céu descasca
Lu Menezes

No interior
da pizzaria pintada de azul com nuvens
um ponto
onde descola a tinta, onde o céu descasca
denuncia
o sórdido teto anterior

descor
de burro quando surge

E é só
o que delicia certo solitário comensal
– esse ponto no qual
extramolduras
o apetite de um Magritte por superfícies
genuína companhia lhe faz

Genuína companhia...
num simulacro de céu, tal ninharia?
Yes!, no mínimo mais
que a fatia no prato,
o pedaço de teto nu e cru
– amostra menor do limbo,
do franco, fiel, frio limbo –
duraria, oh sim, duraria


§


Le pays n´est pas la carte,
Marília Garcia

I

pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metro, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa



II


não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)



III


de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com frequência

(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


§


O acordeonista da Catedral de Bruxelas
Ricardo Domeneck

De Bruxelas eu
esperava tudo, talvez
a reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
a quem doei 2 euros
num excitativo segundo de tato
entre sua mão e meus dedos fechados
abrindo-se em bojo sobre sua palma,
após fazer com a visão
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes
ou qualquer fotógrafo
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem loira,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir seu nome,
e é assim, sr. Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.


§
§
§


Dilermando Reis - "Se ela perguntar", composição que foi tocada por Daniel Miranda no Poëziecentrum ontem à noite.

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Nota de Alice Sant´Anna no jornal "O Globo" de hoje, sobre Marília Garcia, o festival Europália e o terceiro número impresso da "Modo de Usar & Co."

Abaixo, você pode ler o pequeno artigo de Alice Sant´Anna n´O Globo de hoje, sobre Marília Garcia, o festival Europália – que homenageia o Brasil este ano, trazendo à Bélgica artistas visuais, músicos, cinema e escritores do País –, e chamando a atenção para o lançamento do próximo número impresso da Modo de Usar & Co.

Marília Garcia e eu, coeditores da Modo, estaremos presentes na Bélgica entre os autores brasileiros em novembro e dezembro. O festival prepara duas antologias com os poetas e prosadores convidados para o Festival, bilíngues, uma em francês e outra em holandês. Os outros poetas convidados são Augusto de Campos, Zuca Sardan, Francisco Alvim, Alice Ruiz, Lu Menezes, Ricardo Aleixo, Carlito Azevedo, Arnaldo Antunes e Paula Glenadel. Marília e eu somos os mais jovens dentre os poetas. Os prosadores convidados são João Almino, Beatriz Bracher, Bernando Carvalho, Daniel Galera, Milton Hatoum, Paulo Lins, Lourenço Mutarelli, Nuno Ramos, Silviano Santiago, Veronica Stigger e João Ubaldo Ribeiro. O autor brasileiro homenageado, com exposições, traduções e outras publicações, será Clarice Lispector.

Quanto ao terceiro número da Modo de Usar & Co., o lançamento oficial está marcado: dia 17 de setembro de 2011, na Livraria Berinjela, no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, lançarei um pequeno livro de poemas, intitulado Cigarros na cama, diagramado por Marília Garcia e lançado em conjunto com a revista.

Este número impresso da Modo de Usar & Co. traz traduções para textos de Gertrude Stein, Roberto Bolaño (poesia e prosa), Charles Reznikoff, Vicente Huidobro, Helmut Heissenbüttel, Nathalie Quintane, Emmanuel Hocquard, Violeta Parra, entre outros; texto crítico de Rosmarie Waldrop (em tradução de Andrea Mateus); ensaios de Inês Cardoso e Reuben da Cunha Rocha; poemas de brasileiros como Dirceu Villa, Érico Nogueira, Rodrigo Damasceno, Érica Zíngano, Fabiana Faleiros, entre outros, assim como inéditos dos editores: Angélica Freitas, Fabiano Calixto, Marília Garcia e eu.


clique na imagem para aumentá-la



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domingo, 26 de junho de 2011

Amigos em revistas: Marília Garcia e outros poetas brasileiros em uma antologia da revista francesa "Action Poétique"

Capa do número da Action Poétique com a antologia de poesia brasileira contemporânea



Action Poétique é uma das mais antigas revistas de poesia em atividade na França, fundada em 1950 em Marselha. Seu editor-chefe é o poeta Henri Deluy (n. 1931). O último número traz uma pequena antologia de poesia brasileira contemporânea, Poètes du Brésil aujourd´hui, e inclui poemas de Marília Garcia, Ricardo Aleixo, Márcio-André, Fabrício Carpinejar, Marcelo Ariel, Simone Brantes, Paula Glenadel, Karinna Gulias, Nora Fortunato e Eduardo Sterzi. Alguns deles são verdadeiramente poetas que respeito.


§


Marília Garcia



Como celebração, deixo vocês com dois dos meus poemas favoritos de Marília Garcia, que está entre os vários poetas que respeito na lista acima, mas também por ser uma poeta com quem tenho muitas afinidades est-É-ticas. O trabalho dela sempre me pareceu um representante corajoso na poesia contemporânea, tão obcecada por precisões, daquilo que Marjorie Perloff chamou de "poética da indeterminação". Sempre tive esta afinidade com seu trabalho, este seu questionamento da objetividade fictícia dos dogmas crítico-poéticos brasileiros das últimas décadas, através desta exposição e desnudamento do que eu chamaria de uma realidade editável.

Nós compartilhamos várias escolhas críticas. Amigos muito sérios e inteligentemente preocupados com parâmetros infalíveis de qualidade literária talvez dissessem que nós dois somos apenas indulgentes com os mesmos autores. Talvez. Será um equívoco o prazer que encontramos em livros como Un Test de Solitude (2001), de Emmanuel Hocquard? Nosso interesse por poetas como Charles Pennequin, Nathalie Quintane e Pierre Alferi? Esta insistência que compartilhamos em encontrar implicações poéticas em tautologias e listagens absurdamente cotidianas? Por nos emocionarmos com o que há de impreciso na observação da experiência?

Nós captamos parcialmente. O poeta é a antena seletiva e ligeiramente distraída da raça. A nós só é dado ver em parte. Conhecemos apenas fragmentos das pessoas, como nos poemas de Marília, em que somos expostos a vislumbres de biografias alheias, vivas, talvez fictícias, editáveis. Nossa vida é editada pela memória, pela atenção.

Foi durante uma das edições do Festival de Cinema de Berlim que espalharam pela cidade um cartaz, trazendo uma frase de um cineasta (já não me lembro do nome), que dizia que a diferença entre o cinema e a vida é que a vida não se pode editar. Era algo assim, cito de memória. Eu entendo o que ele quer dizer, mas sempre me pareceu ligeiramente falsa esta proposição, pois nós editamos sim a vida, pela nossa atenção deficitária que dá tanta importância a uma única pessoa em meio à multidão, pelo foco do nosso desejo, pelas prioridades das nossas expectativas.

O trabalho de Marília Garcia me emociona pois, para mim (trata-se de visão muito subjetiva e pessoal), demonstra esta aceitação da impossibilidade da ambição de abarcar a existência e sua experiência de maneira, digamos, imperialista ou totalitária. Trata-se de uma poesia que aceita o contextual, o limitado, a visão parcial. Sabe que atrás de nossos corpos, logo à nuca, há ainda paisagem, paisagem não vista.

Neste aspecto, o título do primeiro poema é muito apropriado: trata-se da tradução francesa do título de um poema de Jack Spicer (1925 - 1965), "The territory is not the map". Eu sorrio muito com as implicações deste título. Sim, Marília e eu, ouso dizer, compartilhamos deste desejo por uma poética de implicações. Daí talvez nossa indulgência, diriam os que são mais prudentes que a gente, nossa indulgência inocente com tautologias. Jack Spicer entendia bem disso.

Eu viria a dialogar com este poema de Marília (que eu lera em manuscrito) e com o de Spicer em um dos fragmentos do poema-livro "Dedicatória dos joelhos", incluído em minha segunda coletânea, a cadela sem Logos, lançada juntamente com o livro de Angélica Freitas e o de Marília (na coleção Ás de Colete da Cosac Naify), 20 poemas para o seu walkman (2007). Trata-se do seguinte fragmento:


o real é a
decoração do momento
& a cidade não é o
mapa mas o mapa
está correto
pois entre os sujeitos
que o
parto consagra estão
apenas os sujeitos com
corpo
do centro da fertilidade
da mãe do acaso
o ensinamento necessário
da devastação completa
da decepção do
salto no escuro na
crença dos
braços abertos do
chão do colo
a diferença básica
entre
abraão medéia
o Logos já não
me procura
mais meu
filho


(fragmento de "Dedicatória do joelhos", fragmento que dediquei a Marília Garcia,
incluído em a cadela sem Logos, São Paulo: Cosac Naify, 2007)


Estas preocupações, que acredito compartilhar com ela, talvez levem nosso trabalho a parecer demasiado oblíquo para algumas pessoas. É que enquanto muitos se preocupam prudente e exclusivamente com a concretude do signo, em muitos textos sinto-me compartilhar com Marília Garcia justamente o interesse pela opacidade da linguagem. Nós somos mesmo muito imprudentes.



Marília Garcia lê os poemas "plano b" e "39°34´13.26´´N 2°20´49.50´´E (diz em catalão)"

O segundo poema dela que mostro aqui chama-se "Classificação da secura" e é também um de meus favoritos. Não consigo deixar de ler em parte deste poema uma sátira à precisão objetivizante dos cabralinos e seus desertos e pedras e sequidões.

Eu continuo vendo como uma espécie de sabedoria – que me comove, a de poetas que parecem aceitar, de forma tão cândida, que "Vivianne est Vivianne", como escreveu Hocquard em um poema de amor. Que "o nível do mar / é um engano" e que "a voz esconde o que realmente quer dizer", como escreveu Marília Garcia.

E ela talvez mal saiba como me comove quando escreve no poema "plano b" (Deus meu, as implicações deste título!):

"saber se está triste há um ano / ou há 24 horas // (de volta, passa a colecionar / objetos. a vingança começa num / aquário / é como furar a realidade com a / realidade, dizia, ficar no quarto medindo o / nível do mar para descobrir / onde pôr os peixes)".


Marília, eu estou em espírito neste exato momento em Santa Teresa, sussurrando em seu ouvido: "Vivianne est Vivianne".


§


DOIS POEMAS DE MARÍLIA GARCIA
extraídos do livro 20 poemas para o seu walkman (SP: Cosac Naify, 2007)



Le pays n´est pas la carte,


pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metro, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa


II


não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)


III


de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com frequência
(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


§


Classificação da secura
Marília Garcia

I


agora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa, "é lilás", para
não dizer algo preciso
para não terminar: com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
até chegar o instante antes
do instante, momento em que vê o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)


II


alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral:
recorta os sons de cada
quarto e apaga as perguntas que
mais detesta responder. como aquela
noite no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados — sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, que custa chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.





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segunda-feira, 1 de março de 2010

Um reencontro com Dimitri Rebello e Marília Garcia

Meu caminho começou a se cruzar com o de Marília Garcia e Dimitri Rebello, dois cariocas, há cerca de uma década, em São Paulo. Um desses momentos deu-se em 2001, quando Marília lançou a plaquete de poemas Encontro às cegas, pela coleção Moby Dick, da 7Letras. O lançamento foi no ponto tradicional de lançamentos da 7 Letras e da Cosac Naify: o Bar Balcão, nos Jardins. Foi ali que conhecera Dimitri um ano antes, ali estivera com Marília pela primeira vez. Ah! A teoria dos seis graus de separação, para mais tarde os seis degraus da evisceração.


Há um ano, Dimitri iniciou seu projeto DIAHUM, mostrando a cada primeiro dia do mês uma canção sua, com um vídeo especialmente preparado para ela. O vídeo deste mês foi feito em colaboração com a Modo de Usar & Co. e marca um reencontro entre Dimitri, Marília e eu. No ano de lançamento de Encontro às cegas, Dimitri musicou o poema "Ela não disse", que se tornou a canção "Problems and desire". Na noite de lançamento da plaquete em São Paulo, em 2001, Dimitri e eu estávamos caminhando para sua casa no Paraíso, quando fomos assaltados por dois rapazes. Nós estávamos completamente concentrados em uma daquelas conversas tão íntimas que apagam o resto do mundo e praticamente ignoramos os dois assaltantes. Eles insistiram e então arrancaram a única coisa que Dimitri tinha no bolso: o livro de poemas de Marília Garcia. Pensando racionalmente, deveríamos, é claro, ter sido mais cuidadosos com assaltantes que nos ameaçavam com uma possível faca sob a blusa. Mas a verdade é que nos sentimos, na verdade, ofendidos que eles estivessem interrompendo uma conversa tão íntima entre dois amigos. Dimitri gritou "Devolve isso já, cara!" e o assaltante, confuso, folheando aquele objeto esquisito, um livro de poemas!!!, acabou simplesmente por devolvê-lo, pedindo desculpas. Nós seguimos conversando sobre as eviscerações do mundo, nós as holotúrias sem anestesia.

§

Na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., apresentamos esta e outras duas canções de Dimitri Rebello, tomando mais esta oportunidade para discutir o trabalho oral e o trabalho escrito.





problems and desire
[Dimitri BR + Marília Garcia]

Ela não disse*

dos dias em que esteve ausente
guardo a sombra dela
- sorrindo timidamente -
algumas letras
o sim que ela não disse
e seus silêncios profundos
querendo dizer nada,
talvez
problems and desire
there's nothing but problems and desire

---
*poema do livro "encontro às cegas", de Marília Garcia (Moby Dick - 2001), musicado por Dimitri BR no ano da publicação

---
diahum para modo de usar & co.

Dimitri BR - voz e violão
Ricardo Domeneck - texto e voz em off

filmado por Marília Garcia
editado por Alexandre Hofty

agradecimentos:
Silvia Rebello (produção)
Carlito Azevedo (o carteiro E poeta)

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domingo, 13 de dezembro de 2009

Viagem ao Brasil: chegada no Rio de Janeiro

Cheguei ao Rio de Janeiro na noite de quinta-feira, após dois voos, o primeiro de Berlim a Madri e o segundo, muito cansativo, de Madri ao Rio. Na noite de quarta-feira ainda tive que discotecar em Berlim, pois era quarta-feira, a noite do evento semanal que coorganizo. Fui para o clube com malas e às 5 da manhã peguei um táxi para o aeroporto.

Ao chegar ao Rio, por volta das oito da noite, o mundo despencava em água, a cidade toda alagada. Chegar a Copacabana, onde devia encontrar meus queridíssimos Dimitri Rebello e Marília Garcia para jantar (a quem não via há 4 anos) foi uma maratona. Revê-los fez tudo valer a pena muitíssimo. Para completar o encontro, estava também Silvia Rebello, a irmã de Dimitri. Marília me aguardava com uma cópia do segundo número da Modo de Usar & Co., que está linda, especialmente com aquela capa em que sorri O Moço, meu moço. Duplo orgulho.

Dimitri é um amigo de longa data, de outros carnavais e também de outras quartas-feiras de cinzas. Um cantautor e poeta que respeito, já escrevi sobre ele aqui, quando ele gravou a canção "Mercado Negro", uma de minhas favoritas. Marília, como todos sabem, é coeditora da Modo de Usar & Co., além de responsável pelo seu aspecto gráfico e uma das criaturas mais doces que conheço. Sou leitor admirado de seu trabalho e compartilhamos a obsessão por alguns poetas, especialmente o francês Emmanuel Hocquard, que ela vem traduzindo lindamente. Já disse isso ao ar livre, repito-o aqui em letras: quando se trata do trabalho destas três mulheres - Marília Garcia, Angélica Freitas e Juliana Krapp - minha relação é de respeito mamute, "e se ele vier, defenderei, e se ela vier, defenderei, e se eles vierem todos, numa guirlanda de flechas, defenderei, defenderei, defenderei."

Estar com Dimitri, Marília e Silvia foi uma das melhores recepções que poderia imaginar. Dormi depois como uma pedra no belo hotel que a Cosac Naify reservou para os autores de fora, esperando sol no dia seguinte. O sol veio e caminhei pela praia de Copacabana agradecendo a Deus por cada segundo. Há outro agradecimento a ser feito: ao querido Augusto Massi e à Cosac Naify pelo convite incrivelmente generoso, que fez possível que eu voltasse ao Brasil depois de quatro anos, permitindo até agora que eu pudesse rever amigos como Dimitri Rebello, Rafael Segond, Marília Garcia, Carlito Azevedo, Bruno Learth Soares e os muitos amigos virtuais a quem pude finalmente dar uma face de carne e osso. Esta manhã ocorreu o lançamento lindo do segundo número da Modo de Usar & Co., na Livraria Berinjela de nosso querido parceiro Daniel Chomsky, assim como do meu livro Sons: Arranjo: Garganta, do Monodrama de Carlito Azevedo, do Mapoteca de Felipe Nepomuceno e do Ambiente de Walter Gam. Mas isso é assunto para outra postagem. Deixo vocês com meus queridíssimos Dimitri Rebello e Marília Garcia e vou dormir, dormir no Rio de Janeiro depois de um dia feliz, feliz.




quinta-feira, 19 de março de 2009

A voz contra a mão e esta contra a voz?

por Ricardo Domeneck

Como combater o hábito ocidental, já tão enraizado, de compartimentar o plural até que este se torne dual, cavar uma trincheira que o divida e erigir o monolito de outra dicotomia? Não quero retornar ao velho debate brasileiro da letra-de-música X poema. Também não compartilho do fervoroso ativismo anti-literário de Zumthor, por exemplo. Nem pretendo fazer uma defesa da oralidade contra a escrita, tentando instituir a naturalidade de uma sobre a artificialidade da outra. Ora, natureza é discurso e artifício. Linguagem. Produtor de texto: poeta. Cristalizado em escrita, fluindo em oxigênio e gás carbônico, suor da mão, gotículas de saliva.



VERSUS





§

É claro que, muitas vezes, não se percebe que o trabalho com a oralidade requer o mesmo rigor e estudo que o trabalho com a escrita exige. Os poetas literários não têm, em geral, preparo vocal para a leitura de seus próprios poemas.

Há o medo da retórica, o medo do discursivo.

Há poetas literários, porém, com leituras excelentes de seus textos, como Giuseppe Ungaretti e Charles Olson. São exemplos de leituras que vivificam o texto.


(Giuseppe Ungaretti lê o poema "Inno alla morte")



(Charles Olson lê "Maximus to Gloucester, Letter 27 [withheld]", 1966)

Percebe-se claramente a filiação bárdica de Olson. Foi o homem, afinal, que defendeu a respiração do poeta como base rítmica para a escrita.

§

É claro que muitas características do poema transformam-se no processo de oralização, assim como certas possibilidades poéticas intrínsecas do trabalho oral se perdem na página. Tomemos um exemplo extremo: um poema de Augusto de Campos:



O vídeo, aqui, oferece um suporte de união para o oral e o escrito.



É interessante notar que Augusto de Campos escreve que tudo está dito e, em seguida, que tudo está visto. Oralizado, o poema se transforma e perde toda a sua carga visual, é verdade. O difícil equilíbrio triplo do verbo, do vocal e do visual?

Já com um poema como "cidade/city/cité", uma vez ouvido, percebemos que sua existência na página é incompleta, trata-se de um texto que exige oralização:


(Augusto de Campos - "cidade/city/cité", texto de 1963, performance de 1985)

§

A voz a doar tantos ápices ao literário.

Como os poemas dos provençais? Ora, seguiremos olvidando
que os grandes textos literários de Arnaut Daniel eram letras-de-música?
Estou a blasfemar ou voltaremos a ouvi-los?


::: Arnaut Daniel :::: performance moderna para o poema "Lo ferm voler qu'el cor m'intra", de Arnaut Daniel, ressuscitado por musicólogos especialistas na poesia-música medieval, aqui guiados pelo grande Thomas Binkley (1932 - 1995):::

Uma das primeiras sextinas.
Alta literatura e letra-de-música.
Poesia oral, poesia escrita.
Parâmetros para uma poesia verdadeiramente verbiVOCOvisual.

§

Dois grandes exemplos modernos de harmonia de composição, reunindo escrita e oralidade: Gertrude Stein e Ghérasim Luca:

Gertrude Stein - "If I told him - a completed portrait of Picasso" from Revista Modo de Usar on Vimeo.


(Gertrude Stein - "If I told him: A completed portrait of Picasso")


(Ghérasim Luca - "Passioneément")

§

Medo do discursivo? Prefiro os que têm coragem de enfrentá-lo.

Uma das características mais interessantes dos poetas em torno da revista L=A=N=G=U=A=G=E é justamente a investigação que fazem sobre o "discurso", dissecando-o e minando-o por dentro: tática de guerrilha.

Discursivo ou anti-discursivo, o poema abaixo?:

Elegy
Lyn Hejinian

I am writing now in preconceptions
Those of sex and ropes
Many frantic cruelties occur to the flesh of the
.......imagination
And the imagination does have flesh to destroy
And the flesh has imagination to sever
The mouth is just a body filled with imagination
Can you imagine its contents
The dripping into a bucket
And its acts
The ellipses and chaining apart
The feather
The observer

The imagination, bare, has nothing to confirm it
There's just the singing of the birds
The sounds of the natural scream
A strange example
The imagination wishes to be embraced by freedom
It is laid bare in order to be desired
But the imagination must keep track of the flesh
.......responding--its increments of awareness--a
.......slow progression
It must be beautiful and it can't be free

§

Elegia

Eu agora escrevo em preconcepções
Aquelas de sexo e cordas
Muitos frêmitos violentos ocorrem à carne da
.......imaginação
E a imaginação tem em verdade carne a destruir
E a carne tem imaginação a lacerar
A boca é apenas um corpo preenchido de imaginação
Você pode imaginar seus conteúdos?
O gotejar a um balde
E seus atos
As elipses e encadeamento à parte
A pluma
O expectador

A imaginação, vazia, nada possui que a confirme
Há apenas o cantar dos pássaros
Os sons do grito original
Estranho exemplo
A imaginação deseja ser abraçada pela liberdade
É esvaziada para poder ser objeto de desejo
Mas a imaginação precisa da observância à carne
.......em resposta – seus incrementos de vigilância – uma
.......progressão vagarosa
Precisa ser bela e não consegue libertar-se

(tradução de Ricardo Domeneck,
publicada no número de estréia da revista
Modo de Usar & Co.)

§

__ Quem é sua cantora favorita?

__ Safo.

§


Mas é um equívoco associar, tão apressadamente, oralidade com discursividade, e esta com frouxidão da escrita. Exemplo drástico para possível ilustração do argumento: o poeta menos retórico que conheço é um poeta sonoro --- o francês Henri Chopin. Ouça o poema "L´énergie du sommeil":



(Henri Chopin, apresentando seu trabalho em Berlim, 2003)

§

Seria possível, no entanto, acusar alguém como Bernard Heidsieck de ser "demasiado discursivo"?


(Bernard Heidsieck, performance em Paris.)

§

Ora, isso acontece quando julgamos a poesia CORPoral sob parâmetros literários.

São trabalhos distintos e ambos são trabalhos poéticos... é o que Paul Zumthor chamava de "hegemonia da escrita" em nossa cultura que faz com que todos os outros trabalhos poéticos recebam rótulos

poesia "sonora"
poesia "em vídeo"
poesia "visual"

enquanto apenas a poesia "escrita" (ou poesia "literária") reserva-se o direito de não usar seu rótulo
e auto-proclamar-se POESIA simplesmente.

É uma questão de ênfase (ou, se quisermos politizar a discussão, de hegemonia).

§

Não há por que criar uma oposição entre trabalhos que investigam diferentes ângulos da poesia.

Veja/ouça bem:

por exemplo, quando se discute no Brasil se letra-de-música é poesia, o que se está perguntando, na verdade, é se um texto composto para a voz pode funcionar como Literatura. A pergunta parece-me simplesmente errada, desde o princípio. Um texto para a voz não tem a menor obrigação de também funcionar como Literatura. Se o faz, ao ser transplantado para a página, torna-se um texto literário e pode ser julgado como tal, mas a atividade me parece muitas vezes pueril.

Não consigo deixar de ter o mesmo respeito por poemas líricos (que nos acostumamos a chamar de cançoes) como os de Beth Gibbons, a poeta associada ao coletivo Portishead, quanto pela pesquisa de Edmond Jabès, a que ele chamava de "busca pela autoridade perdida do Livro".


(Beth Gibbons - "Cowboys", um dos grandes poemas dos anos 90, aqui acompanhada pelo Portishead.
A propósito: a tradição de poetas com acompanhamento musical é algo antiquíssimo.)

Edmond Jabès, em tradução de Caio Meira:

O livro seria, assim, apenas o espaço
circunscrito pela palavra aberta à palavra.
Não somos escritos onde ela se escreve,
mas inscritos onde ela se apaga.
Há uma linguagem própria que a inscrição
tumular nos impõe e nos força ao silêncio.
Pesado silêncio em busca de um signo.
Ah! outro - homem, mundo, Deus - mais nós
mesmos do que poderíamos sê-lo no
segredo de nossas confissões; palavra
de uma palavra à qual não ousamos
ligar nosso nome; pois se somos
tributários dela, ela, contrariamente,
mais nos escapa do que nos pertence.
Brancura, brancura de sangue.
Séculos de orgulho e de derrotas
jazem no vocábulo. Você
os desperta ao revelá-lo.
Um livro se entreabre
quando nos abandonamos.


§

A voz pode muitas coisas que a escrita não pode, e vice-versa.

Há textos que foram criados, pensados para a página, e adquirem ali seu potencial (quase) completo. Já cheguei a chamar o "Coup de dès" de Mallarmé de coroamento da poesia como escrita, poesia literária, talvez um poema para os olhos, mais que para os ouvidos. Daí a fascinação do grupo Noigandres? Há poetas, no entanto, em que a voz parece estar implícita no texto, recuperando os volteios do oral. Algo como os poemas, por exemplo, de Frank O´Hara, ainda que o próprio O´Hara não me pareça um grande leitor de seus próprios poemas:

Having a coke with you
Frank O´Hara

is even more fun than going to San Sebastian, Irún, Hendaye, Biarritz, Bayonne
or being sick to my stomach on the Travesera de Gracia in Barcelona
partly because in your orange shirt you look like a better happier St. Sebastian
partly because of my love for you, partly because of your love for yoghurt
partly because of the fluorescent orange tulips around the birches
partly because of the secrecy our smiles take on before people and statuary
it is hard to believe when I’m with you that there can be anything as still
as solemn as unpleasantly definitive as statuary when right in front of it
in the warm New York 4 o’clock light we are drifting back and forth
between each other like a tree breathing through its spectacles

and the portrait show seems to have no faces in it at all, just paint
you suddenly wonder why in the world anyone ever did them
.................................................................................I look
at you and I would rather look at you than all the portraits in the world
except possibly for the
Polish Rider occasionally and anyway it’s in the Frick
which thank heavens you haven’t gone to yet so we can go together the first time
and the fact that you move so beautifully more or less takes care of Futurism
just as at home I never think of the
Nude Descending a Staircase or
at a rehearsal a single drawing of Leonardo or Michelangelo that used to wow me
and what good does all the research of the Impressionists do them
when they never got the right person to stand near the tree when the sun sank
or for that matter Marino Marini when he didn’t pick the rider as carefully
.................................................................................as the horse
it seems they were all cheated of some marvellous experience
which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it






Tomar coca-cola com você (transcontextualização de Ricardo Domeneck)

é ainda mais divertido que ir a São Francisco, La Jolla, Tijuana, Tecate, Ensenada
ou ter o estômago revirado de enjôo na Madison Avenue em Nova Iorque
em parte porque nesta camisa laranja você me parece um São Francisco melhor mais feliz
em parte por causa do meu amor por você, em parte por causa do seu amor por vodca
em parte por causa das margaridas laranjas fluorescentes cercando os ipês
em parte por causa do mistério que nossos sorrisos vestem diante de gente e estatuaria
é difícil de acreditar quando estou com você que pode haver algo tão imóvel
tão solene tão desagradavelmente definitivo quanto estatuaria quando bem em frente
no ar quente das quatro da tarde em São Paulo nós vagamos em círculos um entre o outro
sem parar como uma árvore respirando por suas oftálmicas

e a exposição de retratos parece não ter qualquer rosto, só tinta
você de repente pergunta-se por que diabos alguém deu-se ao trabalho de fazê-los
.................................................................................eu olho
você e preferiria olhar você a todos os retratos do planeta com exceção
talvez do
Auto-Retrato com corrente de ouro de vez em quando que está no MASP
a que graças aos céus você ainda não foi então podemos ir juntos pela primeira vez
e o fato de que você se move tão lindo resolve mais ou menos o Futurismo
assim como em casa eu nunca penso no
Nu Descendo uma Escada ou
num ensaio um único desenho de Da Vinci ou Michelangelo que antes me boquiabria
e de que adianta aos Impressionistas toda a sua pesquisa
quando eles nunca conseguiam a pessoa certa para encostar-se à árvore ao pôr-do-sol
ou a propósito Marino Marini se ele não escolheu o cavaleiro com o mesmo cuidado
.................................................................................que o cavalo
é como se eles tivessem sido fraudados em alguma experiência maravilhosa
que eu não pretendo desperdiçar o motivo pelo qual estou aqui falando tudo isso para você


§
§

É legítimo que um poeta decida trabalhar apenas com a escrita,
é legítimo que um poeta decida trabalhar apenas com a oralidade.

Em minha busca pelo borrar de fronteiras e delir de dicotomias, interesso-me pelos que vivem em guerra com a alfândega entre as duas. Há, no Brasil de hoje, bons exemplos destes poetas, como Arnaldo Antunes, Ricardo Aleixo e Marcelo Sahea.


(Arnaldo Antunes - "O mar")

§

Real irreal from ricardo aleixo on Vimeo.


(Ricardo Aleixo - "Real irreal")

§


(Marcelo Sahea - "2415")

§
§

Ao mesmo tempo, fascina-me a pesquisa daqueles poetas que seguem trabalhando com o TEXTUAL sobre a página, investigando as falhas nas malhas do discurso:

Classificação da secura
Marília Garcia

I

agora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa,“é lilás”, para
não dizer algo preciso
para não terminar: com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
.....................................até chegar o instante antes
do instante
, momento em que olha para o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
.....................................para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)

II.

alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral:
................recorta os sons
de cada quarto e apaga as
perguntas que mais detesta
responder. como aquela noite
no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
........................................ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados. sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, e custa muito chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.

§

E por que impediríamos o estritamente sonoro?


(Philadelpho Menezes - "Poema não música")

O estritamente visual?


(Joan Brossa - "Eclipse")

Os títulos contam?
Existe o estritamente textual? Ou todo texto implica voz e olho?

§


Pluralidade de pesquisa segue sendo o caminho para uma poesia que se orgulha de cada um dos seus cinco sentidos.

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