Tive o prazer de hospedar o poeta brasileiro William Zeytounlian e o poeta tcheco Ondřej Buddeus em Berlim, no fim de semana passado. William e seu amigo Fábio Zuker passaram uma semana aqui, e pudemos ter conversas ótimas sobre literatura e afins. William é o mais novo colaborador da Modo de Usar & Co., e um poeta que respeito muito, de uma geração que já vem nos surpreendendo. Sou um admirador declarado dos autores brasileiros nascidos na década de 80, que já têm nos presenteado com romances, poemas e traduções que eu considero importantes. Basta pensarmos em Reuben da Cunha Rocha, Ismar Tirelli Neto, Victor Heringer, para mencionar apenas três que considero bençãos. E, agora, William Zeytounlian.
A soma
William Zeytounlian
William Zeytounlian
trás um verso,
estranho léxico
em regresso –
inversa assim
a dúvida que
assoma a dívida
reincidente,
antiga,
rediviva:
o velho dedo
que envereda
na ferida.
§
Ondřej Buddeus é um poeta que já parece ter-se firmado como uma das vozes mais importantes de sua geração na República Tcheca, bastante ativo como autor, crítico e editor. Foi muito bom poder conversar com ele sobre os debates est-É-ticos em seu país, e falamos muito sobre como encontrávamos paralelos entre o que ele falava sobre a República Tcheca e eu sobre o Brasil.
Traduzi, a partir do inglês, alguns de seus poemas para a Modo.
Estado de equilíbrio (Fazer o bem I)
ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira.
ele sentou-se
ele disse nada
ele fez o bem.
:
Estado de equilíbrio (Fazer o bem II)
ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira
e começou.
com o tempo
pedimos a ele
fosse fazer o bem
em outro lugar.
ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira.
ele sentou-se
ele disse nada
ele fez o bem.
:
Estado de equilíbrio (Fazer o bem II)
ele veio para fazer
o bem, disse ele.
puxou uma cadeira
e começou.
com o tempo
pedimos a ele
fosse fazer o bem
em outro lugar.
§
Cada vez mais acredito que a noção de uma comunidade plural de poetas, para além da ideia de grupo com programas unificados, é algo saudável e importante para nosso trabalho.
Encerro com o vídeo que gravei de William para o projeto "Empreste sua voz a um poeta morto", em que ele lê sua tradução para o poema "Doomsday", de Jorge Luis Borges.
William Zeytounlian traduz o poema "Doomsday", de Jorge Luis Borges (1899 - 1986),
e então empresta sua voz ao poeta argentino. Gravado em Berlim a 25 de fevereiro de 2014.
Doomsday
será quando a trombeta ressoar, como escreve são joão, o teólogo.
foi em 1757, segundo o testemunho de swedenborg.
foi em israel (quando a loba cravou na cruz a carne de cristo),
[mas não só então.
ocorre em cada pulsação de teu sangue.
não há um instante que não possas ser a cratera do Inferno.
não há um instante que não possas ser a água do Paraíso.
não há um instante que não estejas carregado como uma arma.
em cada instante podes ser caim ou siddharta, a máscara ou o rosto.
em cada instante pode revelar-te seu amor helena de tróia.
em cada instante o galo pode ter cantado três vezes.
em cada instante a clepsidra deixa cair a última gota.
[mas não só então.
ocorre em cada pulsação de teu sangue.
não há um instante que não possas ser a cratera do Inferno.
não há um instante que não possas ser a água do Paraíso.
não há um instante que não estejas carregado como uma arma.
em cada instante podes ser caim ou siddharta, a máscara ou o rosto.
em cada instante pode revelar-te seu amor helena de tróia.
em cada instante o galo pode ter cantado três vezes.
em cada instante a clepsidra deixa cair a última gota.
Será cuando la trompeta resuene, como escribe San Juan el Teólogo.
Ha sido en 1757, según el testimonio de Swedenborg.
Fue en Israel cuando la loba clavó en la cruz la carne de Cristo,
[pero no sólo entonces.
Ocurre en cada pulsación de tu sangre.
No hay un instante que no pueda ser el cráter del Infierno.
No hay un instante que no pueda ser el agua del Paraíso.
No hay un instante que no esté cargado como un arma.
En cada instante puedes ser Caín o Siddharta, la máscara o el rostro.
En cada instante puede revelarte su amor Helena de Troya.
En cada instante el gallo puede haber cantado tres veces.
En cada instante la clepsidra deja caer la última gota.
in Los conjurados (1985)
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