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quarta-feira, 28 de julho de 2010

"Um coletivo é uma banda é um grupo"

Um dos meus queridíssimos amigos paulistanos, o jornalista Felipe Gutierrez, se irritou com o uso que ando fazendo da palavra "coletivo" ao me referir a "bandas de música". Eu entendo que para ele e para outros talvez isso soe como coisa de mané metido a besta. Pois bem. Respondi ao comentário de Gutierrez, naquele tom permitido entre amigos que já tomaram cervejas demais na Praça Benedito Calixto em São Paulo, mas vou tentar abrir a questão para todos aqui.

Meu uso da palavra "coletivo", quando todos dizem "banda", não é por vontade de bancar o intelectualóide, ainda que peque talvez com frequência neste quesito.


(Chelpa Ferro. Banda? Coletivo? Grupo?)

Estou USANDO a palavra "coletivo" (pausa para fazer publicidade para a nossa revista Modo de Usar & Co. : você já a visitou esta semana?) e isso tem implicações. Eu sei bem que é "banda" a palavra mais comum, mas aqui eu estou justamente insinuando que deveríamos ver "bandas" (não gosto da palavra nem um pouco) ou "grupos" (esta é realmente bem melhor e talvez mais apropriada) como Devo, Sonic Youth ou Cocteau Twins da mesma maneira que vemos/ouvimos o (grupo, banda ou coletivo?) Chelpa Ferro, os senhores e senhoras da Bernadette Corporation ou o "coletivo" COUM Transmissions, que mais tarde virou a "banda" Throbbing Gristle.



::: Vídeo sobre exposição britânica em que trabalhos do coletivo COUM Transmissions foram resgatados. Alguns membros do coletivo mais tarde formaram a banda/grupo Throbbing Gristle:



Num país como o Brasil, onde já nos cansamos de ouvir intelectuais (clara e obviamente ignorantes em relação à tradição da poesia oral e cantada, ou das muitas discussões a respeito) ruminando as velhas hierarquias culturais de sempre, trata-se de um ato consciente, quase de ativismo, tratar uma "banda" de música como um "coletivo" de arte, ou um bom performer de bons textos orais como poeta. Ou seja, como sempre, eu estou tentando provocar mesmo. É por aí afora.



(Exposição da arte do coletivo aka banda Sonic Youth, em Düsseldorf, Alemanha, em 2009.)


Mas vamos terminar com uma canção linda deles, porque cantando é sempre melhor.


("Bull in the heather", uma de minhas canções favoritas do COLETIVO Sonic Youth.)

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sábado, 10 de abril de 2010

A nós insetos, cavando e cavando, em país bloqueado, sem achar escape

Publiquei neste espaço, no dia 26 de março, um artigo intitulado, entre outros dois possíveis títulos, "Sambando com stiletto onde até o Anjo de Benjamin pisa de leve". O aparente sarcasmo do título era, na verdade, a tentativa de deixar claro que sei bem como é pedregoso o caminho deste debate, como ele pede cuidado para evitarmos armadilhas retóricas bem conhecidas. Ao discutir o que chamarei aqui, com muita cautela, de "implicações éticas ou políticas do fazer artístico e poético", no Brasil, especificamente, creio que muitas das pedras e obstáculos advêm de traumas da maneira dualista e extremamente entrincheirada como foi conduzido no período da ditadura militar. No artigo mencionado, trato do debate em torno da importância do gênero (gender) na crítica poética e literária, para poder dar uma cara, nome e endereço a uma discussão que é muito mais ampla, cheia de meandros.

Os poetas Érico Nogueira e Dirceu Villa publicaram excelentes artigos em resposta, gerando ainda um comentário bastante estimulante de Ricardo Leal ao artigo de Nogueira e ao meu. É muito bom poder debater estas questões de forma tão equilibrada.

Nas conversas mais inteligentes sobre estes que parecem seguir sendo "dilemas", um dos problemas levantados mais frequentes é o da avaliação crítico-estética dos trabalhos que se dispõem ou não a tratar destas implicações, ligando o debate também ao estabelecimento crítico de um cânone. Há uns poucos pontos que gostaria de comentar.

Antes, precisaria fazer um preâmbulo. Na tentativa de clarificar os aspectos que me interessam nesta discussão, publiquei no ano passado um artigo intitulado "O artesão e o interventor", em que tentava diferenciar estas duas possíveis ênfases do trabalho do artista. Naquele texto, escrevo que, "a partir do trabalho da vanguarda histórica ligada ao Cabaret Voltaire e à revista DADA, assim como o de artistas e poetas independentes como Marcel Duchamp e Pierre Albert-Birot (mas não o de vanguardas ligadas ao construtivismo), o trabalho artístico no século XX se bifurca entre a missão do artista como artesão e a do artista como interventor. Este último afasta-se de certa leitura da tradição greco-latina, a tradição neoclássica, em prol de tradições outras em que o papel do artista se afasta da analogia que se faz entre este e o artesão, e se aproxima, por exemplo, de uma possível analogia entre o artista e o xamã nas sociedades arcaicas. Jerome Rothenberg argumenta algo parecido em suas antologias de etnopoesia há anos. No trabalho poético, gosto de usar o termo `poeta-Cassandra´, já que este se mostra em geral incapaz de impedir as catástrofes. O artesão busca a produção de objetos que possam `permanecer´, enquanto o interventor usa ações e busca criar situações que tenham efeitos transformadores sobre a comunidade em que vive. Não se pode recorrer facilmente à tekhné grega para analisar trabalhos como "I like America and America likes me" ou "Como explicar imagens a uma lebre morta", de Joseph Beuys; trabalhos como "Cut piece", de Yoko Ono; a "arte terapêutica" de Lygia Clark; ou todo o trabalho de Marina Abramović."

Hoje, eu faria um adendo a esta proposta, também para evitar qualquer mal-entendido de uma adesão minha a um discurso dualista ou mesmo evolutivo, ao escrever que essa bifurcação se dá "a partir do trabalho da vanguarda histórica ligada ao Cabaret Voltaire". Ao mesmo tempo, este adendo permite-me entrar na conversa sobre alguns pontos do debate com Nogueira e Villa. Esse papel do poeta/artista como interventor não é novidade do século XX. No artigo, tento ligá-lo a outros papéis do poeta, em outras épocas, culturas e comunidades, chegando a remeter ao xamã, como poderíamos remeter mesmo à maneira como os bardos celtas e griots africanos estavam inseridos em suas comunidades. Aqui, entramos por exemplo no ponto central do argumento de Nogueira, com sua proposta recorrente de basearmo-nos, nesta discussão, na proposição de Kant, que cito a partir de seu artigo: "porque o juízo de gosto não se define por conceitos e prescrições universais e necessários, é o que mais necessita do exemplo daquilo que, no desenvolvimento da civilização, tem recebido mais longo assentimento". Não sei se a questão aqui seria a de refutar ou não a proposta de Kant, mas de analisarmos a maneira como ela pode ser usada. No caso de Nogueira, por sua posição est-É-tica neste debate, sabemos que ela se manifesta para defender o uso da "tradição" como única forma eficiente de avaliação estética de qualidade, como também do estabelecimento de parâmetros críticos. Lembremo-nos que, como disse no início deste artigo, este parece ser um dos pontos mais complicados desta discussão, algo que também aparece, de certa forma, no artigo de Dirceu Villa. Portanto, o uso do argumento de Kant é extremamente coerente nesta discussão. Para não cairmos no mero discurso dos gostos pessoais, teríamos que depender do "estabelecido", daquilo que recebeu por mais tempo o "assentimento" do coletivo. O uso que Nogueira faz aqui desta proposta manifesta-se, eu diria, na estratégia de salvaguardar a legitimidade de uma leitura classicista da arte. Ele próprio levanta o problema, de que este "estaria precisamente em fazer uma espécie de 'crítica do assentimento', estudando as variáveis -- lógicas, psicológicas, morais, políticas, religiosas... -- que têm presidido ao juízo estético e, pois, ao estabelecimento de um cânon." Eu diria que este é um dos problemas, como Érico nota com perspicácia, mas há um outro que eu levantaria aqui. Trata-se da maneira como esta proposta acaba por equivaler "tradição" e "cânone", transformando-os em sinônimos, quando eu diria que este é justamente um dos questionamentos que poderíamos levantar, o da necessidade de separarmos, como organismos e sistemas distintos, o que chamamos de "cânone" e o que chamamos de "tradição". Assim, eu perguntaria se a proposta de Kant seria menos passível de refutação que de objeção à sua eficiência para uma possível solução, digamos assim, neste debate.

É claro que muito das discordâncias nasce precisamente de nossas divergências quanto à importância da historicidade para um debate eminentemente estético. Parece-me também interessante, por exemplo, que no estimulante comentário-artigo de Ricardo Leal, a expressão tenha retornado como "historicismo". Há, realmente, várias implicações na maneira como invoquei o Anjo de Benjamin nesta conversa, às quais creio que só poderei retornar em outro artigo. Em primeiro lugar, eu aqui argumentaria que este "longo assentimento", no "desenvolvimento da civilização", não é uniforme ou unânime. Ignorando o contexto e a função das formas, acabamos por discutir a poesia grega sob o influxo do Romantismo alemão ou, em outras palavras, corremos o risco de debater a "poesia lírica" como se Safo (c. 612 a.C.- 570 a.C.), Taliesin (c. 534 - 599) ou Arnaut Daniel (c. 1150 - 1210) houvessem lido Kant. Nosso conceito atual de "lírica" está muito distante da prática poética que primeiro recebeu este nome. Essa leitura, que privilegia a legitimação estética por parâmetros clássicos, pode também acabar privilegiando, em grande parte, intervenções críticas posteriores, seja a da Poética de Aristóteles ou a das propostas estéticas de Kant, mais que os próprios textos, sempre anteriores. Não quero questionar a validade e valor dos parâmetros de qualidade possíveis de leituras neoclássicas. Pergunto-me apenas se elas promovem, não apenas o privilegiar de certos gêneros (sejam gender ou genre), mas, principalmente, uma leitura interessada e cerrada da tradição para o estabelecimento do cânone, com o uso de valores por vezes extra-literários, como o louvor de conteúdos mais nobres, da Beleza e da Harmonia, para, por exemplo, declarar Horácio e Virgílio superiores a Catulo e Marcial, assim como o épico acaba por sobrepor-se ao lírico ou ao satírico, por hierarquias muitas vezes morais, e não realmente pelo emprego eficiente das variadas técnicas pelos poetas. Portanto, pergunto-me se recorrer somente ao assentimento do cânone pode ser a única solução ou estratégia. Talvez isso tenha que ser unido justamente ao questionamento simultâneo deste assentimento, algo como uma positiva "crise crônica", uma releitura constante e contextual deste assentimento.

Um problema/explicação possível é que a tradição (não o cânone, que tende a uniformizar-se) acumula em seu bojo "papéis", "funções" e "contextos" para o trabalho poético que são muitas vezes conflituosos. Quando nos concentramos apenas no estudo formal, este acúmulo é pacífico e não gera cancelamentos. Ignorar as diversas funções que o poeta e o poema exerceram em suas comunidades, as transformações de cada contexto, gera um debate nivelador, que é bem menos rigoroso do que se quer fazer passar. Este longo assentimento do cânone tem camadas muito distintas, que se debruçam umas sobre as outras, e que apenas uma consciência da historicidade poética pode vir a destrinchar para sequer permitir que cheguemos à possibilidade de uma crítica realmente formalista. Ou, pelo menos, é o que tenho tentado defender.

É por isso que tenho insistido que não se trata de fazer os conceitos de "função" e "contexto" superiores ao de "forma", um equívoco recorrente em departamentos de estudos literários, mas de buscar um equilíbrio em nosso trabalho crítico, para realmente sermos capazes de uma avaliação crítico-formal que não distorça a própria forma que tanto queremos salvaguardar e estudar. É aqui que eu questionaria a melhor maneira de analisar e julgar o que Villa chama, em seu artigo, de uma obra que "deve ficar em pé por si, como obra."

Confesso que a questão de gender sequer me interessa tanto. Minha discussão primordial tem sido a de analisar a maneira como o poeta deve inserir-se em sua comunidade ou momento histórico, se quiser realmente ter qualquer relevância. É claro que o problema nem mesmo existe se decidirmos que o poeta não precisa ter esse tipo de "relevância". A discussão hoje tende para isto. No debate do qual tenho tentado participar, me importa e interessa questionar a ideologia da "trans-historicidade" e o mito romântico do poeta como "outsider", que me parece uma resposta às mudanças na relação do poeta com sua comunidade, a partir das transformações posteriores à Revolução Francesa, por exemplo. Também parece-me necessário um debate sobre o discurso contemporâneo da "inutilidade da poesia", que, se é compreensível em um mundo onde queremos proteger a arte da palavra dos discursos e mecanismos utilitaristas do presente sistema econômico, em suas largas implicações isto tem gerado uma prática poética realmente inútil e inoperante, com a produção de meros bibelôs textuais, completamente desligados de qualquer possibilidade de intervenção ou importância, mesmo formal, onde o artesanato poético torna-se tão relevante quanto o de souvenirs das várias praças públicas de São Paulo. Não estou acusando ou generalizando. Há exceções, há contradições, há oposições.

Talvez eu esteja apenas cansado de pertencer à classe dos artistas absolutamente inofensivos, como os poetas parecem ter se tornado nas últimas décadas. Aparentemente, muito longe do perigo que poetas como Óssip Mandelshtam pareceram oferecer. Isso ocorre por transformações sobre as quais não temos controle, ou por escolhas até mesmo formais dos próprios poetas? A discussão é longuíssima, mas resistirei à minha tendência-de-polvo, a de estender-me em várias direções numa única postagem, retornando a isso em outro momento. Trata-se, além do mais, de um daqueles debates em que "certo" e "errado" tornam-se impossíveis de definir. Nossa única opção talvez seja apenas isso que fazemos aqui, entre poetas, uma discussão crítica plural, com a busca de saídas múltiplas para nós insetos, cavando e cavando, em país bloqueado, sem achar escape.

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Cânone s.m.

cânone. s. m.. 1. Regra, preceito. 2. Decisão conciliar sobre matéria de fé ou disciplina católica. 3. Catálogo, relação, lista. 4. Quadro que contém as palavras que o sacerdote diz durante a consagração. 5. Foro. 6. Mús. Nota que mostra onde começa outra voz em fuga. 7. Ant. Fórmula matemática.

Torna-se fechado e inalterável. Infalível? De acumulação periódica, os mistérios da canonização. Que milagre se espera do autor? A vida eterna é pré-requisito para receber a carteira de membro do clube ou esta gera a fonte da juventude?

Seleção artificial.

"Lista de textos e/ou indivíduos adoptados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido." - João Ferreira Duarte

Quem está no poder? Discurso normativo e dominante num determinado contexto. O cânone como hegemonia.

O genuíno e verdadeiro contra o não-autêntico, "impuro", extra-oficial. A ofensa imperdoável do apócrifo.

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O que é o que é um cânone?
Poetas com marinha exército aeronáutica.

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Cânone e tradição são a mesma construção?

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Qual a relação entre cânone e vanguarda? Podemos realmente seguir usando a noção de "tradição da ruptura", de Octavio Paz? Poderíamos ver todo momento de vanguarda como um despertar para o-que-já-não-é-mais? Talvez muito menos ter "olhos novos para o novo" do que ter "olhos atuais para o atual". Pois este "novo" poderia ser visto como resposta a necessidades e condicionamentos culturais (econômicos, sociais, científicos), todos refletindo-se e debatendo-se dentro do poema, que não apenas os espelha passivamente, mas reage a eles e também condiciona nossa percepção destas mesmas transformações, sem podermos separar quanto os poetas precipitam estas mudanças do quanto eles apenas as podem prever antes que se tornem óbvias para todos os outros.

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A construção da realidade operada por um poeta (ideologia da percepção), com material de construção de seu tempo e métodos acumulados ao longo da história, levam-no portanto a moldar a realidade, não apenas sua própria ("...o mundo é o meu mundo", escreveu Wittgenstein) mas, por usar a linguagem que compartilha com toda a sua comunidade, lança em ondas concêntricas esta lente sobre os olhos dos atentos e dos desatentos.

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A própria escolha da forma de um poema não deveria apenas relacionar-se com seu conteúdo, como Charles Olson e Robert Creeley propuseram, (de forma válida para a década de 50 americana) pois isto seria de certa forma ainda nos mantermos na dicotomia que as opõe, não mais apenas FORM IS NOTHING MORE THAN THE EXTENSION OF CONTENT, como nas palavras de Creeley, mas que forma e conteúdo são uma única estrutura-enunciado, inseparável (proponho à minha geração a deformação ideológica de FORM IS NOTHING MORE THAN THE INTENTION OF CONTEXT) e nossa percepção de que a materialidade da linguagem precisa ser acompanhada pela consciência do condicionamento do seu suporte, até mesmo nas implicações político-ideológicas de seus métodos de distribuição e divulgação. Bruce Andrews, um dos poetas ligados ao movimento L=A=N=G=U=A=G=E da poesia americana na década de 70 e início da 80, expôs de tal maneira a questão: "What's social here is not some separable content, but the Method of writing & of editing."

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Segundo o Wittgenstein do Tractatus Logico-Philosophicus, "Ética e estética são uma só."

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MAKE IT NEW & MAKE IT NECESSARY. Não se trata de opor os dois princípios. Acredito que eles estão ligados intimamente pelo processo histórico de um contexto comum. São as transformações históricas que exigem dos artistas transformações e invenções formais. O desgaste das formas poéticas dá-se menos pela hipertrofia de seu uso que pela atrofia do contexto que as gerou.

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Não se trata de atacar o USO do soneto, por exemplo, por esta forma dita fixa já ter sido usada tantas vezes, mas porque o soneto estaria intimamente ligado ao contexto histórico em que surgiu, com crenças bastante específicas de interligação entre os elementos do cosmos, fé em uma possível transcendência espiritual e na harmonia do universo. Estas crenças animariam portanto a metáfora, a rima ou o enjambement?

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O perigo da idolatria do Doríforo ou como a busca pela proporção perfeita pode levar à distorção da realidade. De qualquer forma, reproduzir doríforos hoje não nos traz perigosamente próximos à est-É-tica de Leni Riefenstahl? Não seria essa est-É-tica a mesma de Joseph Goebbels? Será blasfêmia de socio-ideólogo tal preocupação no âmbito artístico, uma afronta à sua autonomia?

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Cada vez que uma “forma” é usada em um contexto histórico distinto, ela assume nova “função”. Não são apenas invenções formais, como se fossem meras ferramentas para efeitos imutáveis. Desta forma, inovação passa a ser compreendida em seu contexto histórico específico. Nesta relação entre forma e função pode-se falar em qualidade. Se um poeta escreve 500 sonetos “tecnicamente perfeitos” hoje, em 2009, ele atinge qualidade? Para muitos, sim. Eu acredito, porém, que isso precisa ser entendido em seu tempo histórico e ter suas implicações questionadas. É por isso que diria que precisamos unir, à discussão da Forma, uma noção de Função.

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Não está na hora de abandonarmos esta busca por um “Grande Poeta Nacional“? Resquícios de nosso messianismo. Esta relação com a poesia é coisa do passado, de uma época em que o número de poetas em atividade era menor, e de uma época em que o absolutismo político permitia universalidades fictícias. Mesmo a noção de uma “poesia nacional“ começa a se flagrar impraticável.

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Há porém a possibilidade de um debate nacional sobre os parâmetros e sobre as decisões est-É-ticas de poetas e grupos de poetas. Em uma passagem do ABC of Reading, Pound diz que um estudante de música certa vez perguntou a ele se não havia um poeta, um único poeta, em que fosse possível encontrar todo o espectro do trabalho poético, como (segundo o estudante de música) era possível encontrar todo o espectro musical em Bach. Pound responde muito simplesmente que NÃO, não era possível encontrar tudo em um único autor. No Brasil, isso é esquecido às vezes, pois se busca o Encoberto, o Escolhido, o Maior Poeta Vivo, o "Poeta Nacional".

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Precisamos encontrar a melhor maneira de garantir aquilo que Charles Bernstein chama de diversity, mas isso tampouco significa o "ecletismo de segunda categoria da poesia contemporânea", nas palavras de Augusto de Campos, sem debate, sem discussão formal, um mero vale-tudo em nome da liberdade de pesquisa. Temos que defender a liberdade de pesquisa, mas sem um debate amplo há apenas mudez e batalha por hegemonia, para garantir um lugar ao sol do cânone.

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