cânone. s. m.. 1. Regra, preceito. 2. Decisão conciliar sobre matéria de fé ou disciplina católica. 3. Catálogo, relação, lista. 4. Quadro que contém as palavras que o sacerdote diz durante a consagração. 5. Foro. 6. Mús. Nota que mostra onde começa outra voz em fuga. 7. Ant. Fórmula matemática.
Torna-se fechado e inalterável. Infalível? De acumulação periódica, os mistérios da canonização. Que milagre se espera do autor? A vida eterna é pré-requisito para receber a carteira de membro do clube ou esta gera a fonte da juventude?
Seleção artificial.
"Lista de textos e/ou indivíduos adoptados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido." - João Ferreira Duarte
Quem está no poder? Discurso normativo e dominante num determinado contexto. O cânone como hegemonia.
O genuíno e verdadeiro contra o não-autêntico, "impuro", extra-oficial. A ofensa imperdoável do apócrifo.
§
O que é o que é um cânone?
Poetas com marinha exército aeronáutica.
§
Cânone e tradição são a mesma construção?
§
Qual a relação entre cânone e vanguarda? Podemos realmente seguir usando a noção de "tradição da ruptura", de Octavio Paz? Poderíamos ver todo momento de vanguarda como um despertar para o-que-já-não-é-mais? Talvez muito menos ter "olhos novos para o novo" do que ter "olhos atuais para o atual". Pois este "novo" poderia ser visto como resposta a necessidades e condicionamentos culturais (econômicos, sociais, científicos), todos refletindo-se e debatendo-se dentro do poema, que não apenas os espelha passivamente, mas reage a eles e também condiciona nossa percepção destas mesmas transformações, sem podermos separar quanto os poetas precipitam estas mudanças do quanto eles apenas as podem prever antes que se tornem óbvias para todos os outros.
§
A construção da realidade operada por um poeta (ideologia da percepção), com material de construção de seu tempo e métodos acumulados ao longo da história, levam-no portanto a moldar a realidade, não apenas sua própria ("...o mundo é o meu mundo", escreveu Wittgenstein) mas, por usar a linguagem que compartilha com toda a sua comunidade, lança em ondas concêntricas esta lente sobre os olhos dos atentos e dos desatentos.
§
A própria escolha da forma de um poema não deveria apenas relacionar-se com seu conteúdo, como Charles Olson e Robert Creeley propuseram, (de forma válida para a década de 50 americana) pois isto seria de certa forma ainda nos mantermos na dicotomia que as opõe, não mais apenas FORM IS NOTHING MORE THAN THE EXTENSION OF CONTENT, como nas palavras de Creeley, mas que forma e conteúdo são uma única estrutura-enunciado, inseparável (proponho à minha geração a deformação ideológica de FORM IS NOTHING MORE THAN THE INTENTION OF CONTEXT) e nossa percepção de que a materialidade da linguagem precisa ser acompanhada pela consciência do condicionamento do seu suporte, até mesmo nas implicações político-ideológicas de seus métodos de distribuição e divulgação. Bruce Andrews, um dos poetas ligados ao movimento L=A=N=G=U=A=G=E da poesia americana na década de 70 e início da 80, expôs de tal maneira a questão: "What's social here is not some separable content, but the Method of writing & of editing."
§
Segundo o Wittgenstein do Tractatus Logico-Philosophicus, "Ética e estética são uma só."
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MAKE IT NEW & MAKE IT NECESSARY. Não se trata de opor os dois princípios. Acredito que eles estão ligados intimamente pelo processo histórico de um contexto comum. São as transformações históricas que exigem dos artistas transformações e invenções formais. O desgaste das formas poéticas dá-se menos pela hipertrofia de seu uso que pela atrofia do contexto que as gerou.
§
Não se trata de atacar o USO do soneto, por exemplo, por esta forma dita fixa já ter sido usada tantas vezes, mas porque o soneto estaria intimamente ligado ao contexto histórico em que surgiu, com crenças bastante específicas de interligação entre os elementos do cosmos, fé em uma possível transcendência espiritual e na harmonia do universo. Estas crenças animariam portanto a metáfora, a rima ou o enjambement?
§
O perigo da idolatria do Doríforo ou como a busca pela proporção perfeita pode levar à distorção da realidade. De qualquer forma, reproduzir doríforos hoje não nos traz perigosamente próximos à est-É-tica de Leni Riefenstahl? Não seria essa est-É-tica a mesma de Joseph Goebbels? Será blasfêmia de socio-ideólogo tal preocupação no âmbito artístico, uma afronta à sua autonomia?
§
Cada vez que uma “forma” é usada em um contexto histórico distinto, ela assume nova “função”. Não são apenas invenções formais, como se fossem meras ferramentas para efeitos imutáveis. Desta forma, inovação passa a ser compreendida em seu contexto histórico específico. Nesta relação entre forma e função pode-se falar em qualidade. Se um poeta escreve 500 sonetos “tecnicamente perfeitos” hoje, em 2009, ele atinge qualidade? Para muitos, sim. Eu acredito, porém, que isso precisa ser entendido em seu tempo histórico e ter suas implicações questionadas. É por isso que diria que precisamos unir, à discussão da Forma, uma noção de Função.
§
Não está na hora de abandonarmos esta busca por um “Grande Poeta Nacional“? Resquícios de nosso messianismo. Esta relação com a poesia é coisa do passado, de uma época em que o número de poetas em atividade era menor, e de uma época em que o absolutismo político permitia universalidades fictícias. Mesmo a noção de uma “poesia nacional“ começa a se flagrar impraticável.
§
Há porém a possibilidade de um debate nacional sobre os parâmetros e sobre as decisões est-É-ticas de poetas e grupos de poetas. Em uma passagem do ABC of Reading, Pound diz que um estudante de música certa vez perguntou a ele se não havia um poeta, um único poeta, em que fosse possível encontrar todo o espectro do trabalho poético, como (segundo o estudante de música) era possível encontrar todo o espectro musical em Bach. Pound responde muito simplesmente que NÃO, não era possível encontrar tudo em um único autor. No Brasil, isso é esquecido às vezes, pois se busca o Encoberto, o Escolhido, o Maior Poeta Vivo, o "Poeta Nacional".
§
Precisamos encontrar a melhor maneira de garantir aquilo que Charles Bernstein chama de diversity, mas isso tampouco significa o "ecletismo de segunda categoria da poesia contemporânea", nas palavras de Augusto de Campos, sem debate, sem discussão formal, um mero vale-tudo em nome da liberdade de pesquisa. Temos que defender a liberdade de pesquisa, mas sem um debate amplo há apenas mudez e batalha por hegemonia, para garantir um lugar ao sol do cânone.
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quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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2 comentários:
ah, a busca por um grande poeta nacional. lembro-me dos célebres versos de "miss brasil 2000":
"será que ela quer continuar uma tradição?
será que ela vai modificar uma geração?"
perguntas que continuam pertinentes.
Octavio Paz imitava Cantinflas sem saber...Isso quem diz não sou eu, mas o Heriberto Yépez.
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