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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Vídeo com excertos das leituras de Lu Menezes, Luca Argel, Alice Sant´Anna, Marília Garcia e deste que vos digita, no Baukurs Cultural, 28/01/12


Lançamento e leituras no Baukurs Cultural, a 28 de janeiro de 2012.
Organizado pela Editora 7Letras e pela Modo de Usar & Co.
Lançamento dos livros "engano geográfico", de Marília Garcia,
e "Ciclo do amante substituível", de Ricardo Domeneck.
Leituras com os poetas
LU MENEZES,
LUCA ARGEL,
ALICE SANT´ANNA,
RICARDO DOMENECK
e MARÍLIA GARCIA.

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domingo, 29 de janeiro de 2012

Pequena nota de despedida do Rio de Janeiro, com poemas de Lu Menezes, Alice Sant´Anna e Luca Argel, mais excerto do poema-livro de Marília Garcia

Marília e eu no Villarino, centro do Rio, após apresentação no MAM.
Foto de Alexandra Lucas Coelho.

Último dia no Rio de Janeiro, último dia no Brasil, último dia da viagem que me trouxe de Berlim, levou-me à Cidade do México, carregou-me a São Paulo, a Bebedouro e agora ao Rio de Janeiro. Revi algumas das pessoas mais importantes de minha vida, amigos milenares, a família que liga todas as minhas encarnações, amigos novos que já se tornaram indispensáveis para minha saúde. Esta noite, embarco de volta a Berlim, com uma sensação muito estranha que mal consigo descrever. Queria muito mais uma semana aqui, não sei se estou pronto para voltar para o inverno berlinense, para a cidade novamente dividida em dois hemisférios. Mas volto diferente. O lançamento do meu livro ontem aqui, com a leitura, foi como o ponto final que me dará forças para fazer aquele ato tão difícil de virar a página de nossa própria biografia. Porque eu quero virar a página. Abrir novo capítulo, sem enganar-me ou iludir-me que isso significa exilar-se em outro romance.

Estou feliz, queridos. Marquem seus calendários, o poeta maysado, douglas-sirkense e almodovaricado está feliz.

E estar feliz sempre me traz à mente o início do lindo Happily (2000), de Lyn Hejinian:


Constantly I write this happily
Hazards that hope may break open my lips
What I felt has taken place a large context a long yielding incessant
chance, and to doubt it would be a crime against it
Is happiness the name for our (involuntary) complicity with chance?


Lyn Hejinian, in Happily (2000).


A tarde de ontem foi novamente muito, muito bonita, como a noite no MAM. A sala do Baukurs encheu-se para o lançamento do poema-livro de Marília, chamado engano geográfico (7Letras, 2012), e para o meu Ciclo. Nossa convidada de honra, Lu Menezes, abriu a tarde e fez uma leitura de alguns poemas de seu onde o céu descasca (7Letras, 2011), um dos livros mais bonitos dos últimos anos no Brasil. Escreverei sobre ele em breve, quando estiver assentado no Berlimbo. Abaixo, um dos meus poemas favoritos no livro:

Luzes ao longe

Agora, é como se desse pedaço de vidro negro
com que pintores monocromatizam reduzindo
a tons, só tons a paisagem
("vidro de Claude")
vasta mortalha derivasse, nuvem íntima
da tinta que o polvo-mor tanto aspira,
petróleo
derramado sobre as 1001 cores de Bagdá
respingando
o Rio
da vida inteira quando na fila dos alvos de cá
sua vez
chegar enegrecendo o Corcovado verde-jade,
enegrecendo
palmeiras e azulejos do passado árabe-português,
enegrecendo
o Pão de Açúcar – sonho celeste chinês,

de tal maneira que não possas mais
preferir ver ao anoitecer
"noite, esperança e pedraria" através
do amado verso de Mallarmé
(teu vidro de Mallarmé)
porque
só em tempo de paz
segregam esperança as reentrâncias da pedraria;
só em tempo de paz
luzes ao longe – algum remoto bem
anunciam mesmo a quem o desespero tangencia

Lu Menezes, onde o céu descasca (7Letras, 2011).


Convidamos também a jovem poeta carioca Alice Sant´anna para ler conosco. A poeta estreou em 2008, com o volume Dobradura, também pela editora 7Letras. Gostamos bastante do trabalho dela. Abaixo, um poema recente, sem título:

a sandália nova branca com dedos
que se refestelam do lado de fora
como crianças que sabem o verão que vem
de repente a chuva mingua os planos
da calça jeans com sandália de dedos
uma combinação entre-estações
para não se sentir nem tão lá nem tão
cá os dedos curvados corcundas
como crianças tristes que sabem
o toró que se aproxima as unhas recém-cortadas
que planejaram se mostrar sobre a cadeira de rodinhas
que nada a água inundou a sexta
da janela os bambus se movem muito
chegam a parecer desesperados
as folhas penduradas são cabelos colados
que gritam novas rugas onde nada havia



Alice Sant´Anna, inédito em livro.


Uma das chances e descobertas, das mais felizes nesta minha viagem ao Rio de Janeiro, foi poder ter um pouco de contato e conhecer pessoalmente o jovem poeta Luca Argel, que na manhã de ontem mesmo teve 3 poemas inéditos publicados na página Risco, do jornal O Globo, editada por Carlito Azevedo. Já havíamos trocado algumas mensagens ao longo do ano passado, e ele havia me apresentado alguns de seus trabalhos visuais, mas fiquei muito tocado por seu lirismo tão direto, simples, delineado pelo enunciado da voz. Um lirismo de garganta seca, ligando-o a poetas tão diversos quanto Vasko Popa ou Diane Di Prima. Vou certamente acompanhar com muito interesse o seu trabalho e espero ter a chance no futuro de conviver mais tempo com ele. Abaixo, um dos poemas na Risco:

Para você aprender a palavra nacre

oi eu estou com seu casaco frio
oi eu estou dentro do seu casaco frio
oi eu estou cobrindo todo o meu rosto
com o capuz do teu casaco frio
agora eu não vejo mais nada
agora está ficando
mais difícil
respirar

Luca Argel, poema na página Risco, d´O Globo, editada por Carlito Azevedo.

Eu gostaria de terminar esta postagem com um excerto do poema-livro de Marília Garcia, a última a ler ontem à tarde, encerrando muito bem a tarde linda. Trata-se do excerto na quarta-capa do poema-livro engano geográfico (7Letras, 2012), sobre o qual escreverei em breve. O excerto talvez seja a melhor expressão do que sinto nesta estranha manhã chuvosa, esta manhã de deslocamentos, prestes a deixar o Rio de Janeiro e voltar a Berlim. Agradeço a todos que me salvaram com seu carinho. Estou partindo, mas c´est pas grave, partir, though it may look like (I feel it) like a disaster.


um engano geográfico estar aqui
uma cronologia trocada pensa
onde estão os bilhetes pergunta
aqui trocaremos de língua ela diz
o iogurte passou da validade c´est pas grave
é preciso aprender a dizer isso
em qualquer língua
é preciso aprender a dizer c´est pas grave
em qualquer lugar


Marília Garcia, engano geográfico (7Letras, 2012).


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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Pequena nota sobre Gante, seguida de poemas de Francisco Alvim, Lu Menezes e Marília Garcia

Ontem ocorreu a primeira leitura como parte do lançamento da antologia bilíngue holandês/português Vijfentwintig keer Brazilië / Vinte e cinco no Brasil, org. Flora Süssekind, trad. Harrie Lemmens & Bart Vonck (Gent: Poëziecentrum, 2011), um dos marcos poéticos do festival Europalia. Como escrevi, os poetas brasileiros presentes são Francisco Alvim, Lu Menezes, Marília Garcia e eu, 4 dentre os 25 poetas contemporâneos brasileiros incluídos na antologia, que abre com Augusto de Campos (São Paulo, 1931) e fecha com Marília Garcia (Rio de Janeiro, 1979). Escreverei sobre a antologia, mencionando os outros poetas, em alguns dias.

A leitura foi no Poëziecentrum, um espaço dedicado à poesia na cidade de Gante (Gent/Ghent), com uma excelente biblioteca que conta com praticamente tudo o que é e foi publicado em poesia em holandês, seja esta a língua original ou a de tradução dos poemas. Trata-se do lindo prédio que vocês podem ver na pequena foto que abre a postagem, uma instituição totalmente voltada para a divulgação e publicação de poesia em flamengo, dirigida pela entusiasta generosíssima que é Sieglinde Vanhaezebrouck, a quem deixo aqui meus agradecimentos sinceros pela linda, linda noite que ela organizou. A sala de leitura era no último andar, com cerca de duas dezenas de belgas flamengos interessados, respeitosos, muito generosos, vários deles falando português por paixão pela língua, outros apenas interessados em poesia, seja ela de onde for. Entre as leituras, o violonista Daniel Miranda tocou clássicos de Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Dilermando Reis e Tom Jobim. Foi uma noite muito bonita. Deixo vocês com um poema de cada um dos meus companheiros de leituras, Francisco Alvim, Lu Menezes e Marília Garcia, dentre os incluídos na antologia, assim como posto uma vez mais meu "O acordeonista da Catedral de Bruxelas", que Flora Süssekind decidiu incluir na antologia, deixando-me muito contente de o ler em plena Bélgica, após tê-lo escrito aqui. Encerro com a linda composição de Dilermando Reis que Daniel Miranda tocou ontem à noite. Está sendo um prazer passar estes dias com minha companheira Marília Garcia, conhecer e privar da companhia de Francisco Alvim, rever Lu Menezes após um brevíssimo encontro no Rio de Janeiro em 2009, poder conversar com eles com paz e respeito tamanhos.


QUATRO POEMAS, QUATRO POETAS
incluídos na antologia Vijfentwintig keer Brazilië / Vinte e cinco no Brasil, org. Flora Süssekind, trad. Harrie Lemmens & Bart Vonck
(Gent: Poëziecentrum, 2011)


Escolho
Francisco Alvim

Parado

Na plataforma superior

Entre as pernas
no chão
as compras no plástico

Longe do verso perto da prosa
Sem ânimo algum
para as sortidas sempre -
enquanto duram -
venturosas da paixão

Longe tão longe
do humor da ironia
das polimorfas vozes
sibilinas
transtornadas no ouvido
da língua

Ali onde o chão é chão
as pernas, pernas
a coisa, coisa
e a palavra, nenhuma
Onde apenas se refrata
a ideia
de um pensamento exaurido
de movimento

Entre dois trajetos
dois portos
(duas lagunas
duas doenças)

Sublimes virtudes do acaso
por que não me tomais
por dentro
e me protegeis do frio de fora
da incessante, intolerável, fugo do enredo?
da escolha?


§


onde o céu descasca
Lu Menezes

No interior
da pizzaria pintada de azul com nuvens
um ponto
onde descola a tinta, onde o céu descasca
denuncia
o sórdido teto anterior

descor
de burro quando surge

E é só
o que delicia certo solitário comensal
– esse ponto no qual
extramolduras
o apetite de um Magritte por superfícies
genuína companhia lhe faz

Genuína companhia...
num simulacro de céu, tal ninharia?
Yes!, no mínimo mais
que a fatia no prato,
o pedaço de teto nu e cru
– amostra menor do limbo,
do franco, fiel, frio limbo –
duraria, oh sim, duraria


§


Le pays n´est pas la carte,
Marília Garcia

I

pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metro, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa



II


não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)



III


de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com frequência

(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


§


O acordeonista da Catedral de Bruxelas
Ricardo Domeneck

De Bruxelas eu
esperava tudo, talvez
a reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
a quem doei 2 euros
num excitativo segundo de tato
entre sua mão e meus dedos fechados
abrindo-se em bojo sobre sua palma,
após fazer com a visão
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes
ou qualquer fotógrafo
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem loira,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir seu nome,
e é assim, sr. Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.


§
§
§


Dilermando Reis - "Se ela perguntar", composição que foi tocada por Daniel Miranda no Poëziecentrum ontem à noite.

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