sexta-feira, 7 de março de 2008

Poesia & Historicidade: Frank O´Hara















Frank O´Hara (1926 - 1966) nasceu em Baltimore, mas é conhecido como poeta de Nova Iorque. Com os amigos John Ashbery, James Schuyler, Barbara Guest e Kenneth Koch, foi parte de um grupo de poetas que ficou conhecido como Escola de Nova Iorque (New York School of Poets), uma referência ao grupo de pintores conhecido como New York School of Painters, hoje em dia chamado com mais freqüência de Abstract Expressionists, entre os quais surgiu Jackson Pollock, cuja pintura teria grande influência sobre a poesia de O`Hara. Outras influências importantes seriam uma antologia de poesia dadaísta publicada nos Estados Unidos no início da década de 50, Arthur Rimbaud e Vladimir Maiakóvski.

A crítica norte-americana Marjorie Perloff escreveu em seu livro
Frank O’Hara: Poet Among Painters a respeito desta influência Dada/surreal, especialmente quanto à técnica do poeta de contextualização e recusa de uma mítica universalista, como a que viria a ser teorizada por poetas americanos da década de 40, que tinham em T.S. Eliot sua maior referência, e que se mostrava hegemônica no momento em que O´Hara, Ashbery e Schuyler iniciavam sua escrita. O mesmo viria a ser sentido por outros poetas que se rebelaram contra esta poética da década de 40 americana, como Jack Spicer e Robert Creeley.

Tal técnica de contextualização O’Hara viria a encontrar em poetas como Pierre Albert-Birot, o que levou críticos conservadores ligados ao New Criticism e filiados a poetas como Robert Lowell (a quem O´Hara criticava abertamente) e W.H. Auden (que criticara a poesia “nonsensical” de Ashbery e O´Hara em cartas pessoais aos autores, por ocasião do Younger Poets Prize da Yale University Press) à acusação de que ele escreveria apenas para meia dúzia de iniciados em seu círculo pessoal, atacando seus poemas por “interessarem apenas aos membros de sua coterie”. Tais críticos não compreendiam que os textos de O´Hara buscavam justamente questionar os parâmetros críticos hegemônicos de seu tempo e, crendo flagrar neles o fracasso do poeta, comprovavam precisamente seu sucesso.

Há aqui um dado interessante para a discussão sobre a forma como a crítica pode
não se mostrar, muitas vezes, aparelhada para o julgamento do trabalho de um poeta; sobre este caso, Marjorie Perloff escreveu em seu The Poetics of Indeterminacy: “It is hardly surprising that Auden would have misgivings about a poetic style so seemingly unlike his own, and so startling a departure from the carefully controlled neo-Symbolist poetry that dominated the early fifties.”

Há ainda paralelos importantes para o debate poético contemporâneo, já que poetas ligados a um suposto "neobarroco", no Brasil, passaram a defender uma espécie de universalismo e trans-historicidade para o fenômeno poético, o que os ligam a esta ideologia artística da década de 40, tanto americana quanto brasileira. Tais poetas brasileiros defendem o retorno a uma dicotomia entre linguagem poética e quotidiana (questionada pelo modernismo, em trabalhos de escritores como Ludwig Wittgenstein e John Cage, por exemplo). Ainda que sob a defesa do experimentalismo e "novo", esta ideologia poética não está muito longe da recusa do modernismo empreendida pelo Grupo de 45 no Brasil, e de uma ressurreição de certa poética simbolista do fim do século XIX, com sua insistência por uma "poesia pura".

Eu acredito que a influência de poetas como Pierre Albert-Birot e dadaístas germânicos sobre O´Hara mostra-se ainda no uso da colagem e justaposição de material aparentemente desconexo em seus textos, que os ligam a certas técnicas visuais de Raoul Hausmann, Kurt Schwitters e Hannah Höch. Talvez pudéssemos traçar até mesmo um paralelo entre o uso de datas e notícias de jornal em seus poemas (por exemplo, em “Khrushchev is coming on the right day!” ou “The Day Lady died”) e o uso de recortes de jornal nos poemas e quadros dos dadaístas, demonstrando ou implicando a crença na historicidade do trabalho poético.

A mesma influência pode ser encontrada em John Ashbery (seu livro The Tennis Court Oath é o exemplo mais claro, mas podemos ver tais características manifestando-se também em Three Poems), que adota a sintaxe paratática e as narrativas descontínuas dos dadaístas em seus longos poemas, difíceis de enquadrar sob uma leitura que busque meramente parâmetros de qualidade como objetividade e concisão. Penso aqui nas palavras de Allan Kaprow: “When words alone are no true index of thought, and when sense and nonsense rapidly become allusive and layered with implication rather than description, the use of words as tools to precisely delimit sense and nonsense may be a worthless endeavour.”

A poesia de O´Hara marca um retorno, por parte da poética americana, à crença na dependência e rela
ção entre o fenômeno poético e sua historicidade.



Why I am Not A Painter
Frank O´Hara

I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. Well,

for instance, Mike Goldberg
is starting a painting. I drop in.
"Sit down and have a drink" he
says. I drink; we drink. I look
up. "You have SARDINES in it."
"Yes, it needed something there."
"Oh." I go and the days go by
and I drop in again. The painting
is going on, and I go, and the days
go by. I drop in. The painting is
finished. "Where's SARDINES?"
All that's left is just
letters, "It was too much," Mike says.

But me? One day I am thinking of
a color: orange. I write a line
about orange. Pretty soon it is a
whole page of words, not lines.
Then another page. There should be
so much more, not of orange, of
words, of how terrible orange is
and life. Days go by. It is even in
prose, I am a real poet. My poem
is finished and I haven't mentioned
orange yet. It's twelve poems, I call
it ORANGES. And one day in a gallery
I see Mike's painting, called SARDINES.


Porque eu não sou pintor

Eu não sou pintor, sou poeta.
Por quê? Eu acho que preferiria ser
pintor, mas não sou. Bem,

por exemplo, Mike Goldberg
começa um quadro. Eu dou
uma passada. "Senta e bebe alguma coisa",
ele diz. Eu bebo; nós bebemos. Eu dou
uma olhada."Você pôs SARDINHAS neste."
"É, precisava de alguma coisa ali."
"Ah." Eu vou e os dias vão-se
e dou outra passada. O quadro
está indo, e eu vou, e os dias
vão-se. Dou uma passada. O quadro está
pronto. "Cadê SARDINHAS?"
Tudo o que sobrou são
letras, "Estava exagerado", diz Mike.

E eu? Um dia começo a pensar sobre
uma cor: laranja. Eu escrevo um verso
sobre laranja. Não demora a tornar-se
uma página inteira de palavras, não de versos.
Então, mais uma página. Deveria ter
tantas coisas mais, não de laranja, de
palavras, de como laranja é horrível,
e a vida. Dias vão-se. É assim mesmo
em prosa, eu sou poeta de verdade. Meu poema
está pronto e eu ainda não mencionei
laranja. São doze poemas, eu chamo de
LARANJAS. E um dia numa galeria
eu vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.

(tradução de Ricardo Domeneck)




























(poema de Frank O´Hara)


“Para Lígia, após uma festa” – tradução de Ricardo Domeneck

Você nem sempre sabe o que estou sentindo. / Ontem à noite no ar morno de setembro enquanto / eu brandia uma invectiva contra alguém que não me interessa / era amor por você que me inflamava, / e não é esquisito? pois em salas cheias de / estranhos minhas emoções mais tenras / contorcem-se e / dão à luz o grito. / Estenda sua mão, não há / um cinzeiro, de repente, ali? Ao lado / da cama? E alguém que você ama adentra o quarto / e diz você não / quer os ovos um pouco / diferentes hoje? E quando eles chegam são / apenas ovos mexidos comuns e o ar morno / permanece.

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