No último texto aqui publicado, afirmei que não se tratava de veleidade de vanguarda, esta discussão sobre escritura e oralidade. Sabemos que a poesia sonora e oral pertencem a uma tradição mais antiga que a literária. Mesmo alguns dos grandes nomes do que chamamos de Literatura se espantariam com a nomenclatura e a noção poética que muitos consideram eternas, mas têm um endereço bastante claro no século XIX, o século da literatice.
No entanto, não compartilho da ojeriza ativista que Paul Zumthor, por exemplo, nutria contra a transformação que a poesia literária trouxe à prática poética. Entendo, no entanto, sua tristeza ao ver poemas importantes do mundo desaparecerem por não se conformarem aos parâmetros da Literatura. Cresci no Brasil, onde a divisão crítica entre poesia oral e escrita é bastante clara. Ainda me considero, primordialmente, um poeta-escritor. Por que a pesquisa e todos os meus artigos sobre poesia oral e performance?
Porque creio que os poetas-escritores ganhariam muito, se mantivessem sua atenção também voltada para estes aspectos da prática poética, assim como creio que os poetas orais e trovadores contemporâneos brasileiros ganhariam muito se atentassem mais para a textualidade de seu trabalho oral e em performance. Os escritores ganhariam, por exemplo, pois o trabalho oral é menos suscetível a um exagero de intertextualidade (ou "metástase de referências literárias", como alguns prefeririam), assim como o contato direto com seu público, apenas possível em leituras e performances, seria extremamente saudável para alguns poetas-escritores. Quanto aos poetas orais, uma maior preocupação (digamos) literária permitiria a criação de textos mais tesos, densos e concretos, que poderiam também funcionar na página. O parâmetro aqui seria, obviamente, o trabalho dos trovadores medievais.
Sei, porém, que certas pesquisas não permitem tal equilíbrio. Há pesquisas poéticas que buscam certos extremos do trabalho oral, como a de Henri Chopin, assim como certas pesquisas entregam-se a extremos do trabalho escrito (ou visual, digamos), como o de Haroldo de Campos, para ficarmos entre dois poetas ativos nos anos 50, ambos considerados, de formas distintas, poetas concretos. Sempre os vi como opostos, de certa maneira. Foi uma surpresa ler recentemente um artigo assinado por Nicholas Zurbrugg, intitulado "Programming Paradise", em que o ensaísta discute as diferenças entre a abordagem verbivocal de Chopin a partir das vanguardas históricas (precisamos rever esta nomenclatura) e a abordagem verbivisual de Haroldo de Campos, a partir das mesmas vanguardas. Zurbrugg discute justamente a questão do aspecto da utopia (e pós-utopia) das práticas de ambos, a forma como Campos nega a prática da vanguarda como proposta utópica, a partir da década de 80, e a maneira como Chopin insiste nela. O ensaio se encontra no volume Writing Aloud - The Sonics of Language, do qual retirei o nome para esta nova série de artigos. O álbum de peças e poemas sonoros que acompanha o volume traz trabalhos de Marina Abramovic, Jocelyn Robert, Yasunao Tone e Vito Acconci, entre outros.
É interessante como a poesia concreta pode assumir aspectos est-É-ticos tão diversos, em poetas como Henri Chopin e Haroldo de Campos. Talvez porque o Grupo Noigandres tenha buscado preparar a poesia para participar de uma nova era tecnológica e política, contra a qual poetas como Henri Chopin queriam simplesmente resistir. Aqui poderíamos discutir a proposta problemática de Noigandres, por exemplo, de fazer do poema um "objeto útil". Talvez possamos também discutir, a partir disso, minha proposta de que algumas das vanguardas não eram apenas pró-utópicas, como eram também anti-distópicas. Aí reside minha obsessão pelo trabalho dos poetas ligados ao Cabaret Voltaire e à revista DADA (obsessão que parecia também residir em Henri Chopin). Assim, enquanto Haroldo de Campos insistiu no aspecto semântico de sua pesquisa poética, Henri Chopin viria a afirmar em seu texto "Por que sou o autor de poesia sonora": "Não é possível, não se pode continuar com a Palavra todo-poderosa, a Palavra que impera sobre tudo. Não se pode seguir admitindo-a em toda casa, e ouvi-la em todos os cantos descrevendo-nos e descrevendo eventos, dizendo-nos como votar, e a quem devemos obedecer... Eu prefiro o sol, eu aprecio a noite, eu aprecio os meus barulhos e os meus sons, eu admiro esta fábrica imensa e complexa de um corpo, eu aprecio meus olhares que tocam, meus ouvidos que vêem, meus olhos que recebem... eu não preciso ter minha vida derivada do inteligível. Eu não quero estar sujeito à palavra verdadeira que sempre confunde e mente, não suporto mais ser destruído pela Palavra, esta mentira que se abole no papel."
Serão realmente importantes as implicações est-É-ticas dos trabalhos de
Haroldo de Campos --- clique AAQQUUII
ou
Henri Chopin --- clique AAQQUUII
?
Aqui seria necessário começar a discutir aquilo que chamo de uma poética de implicações, a partir do trabalho formal de cada poeta, atentando porém para a função de tal forma no contexto em que se insere. Não a partir de algum conteudismo, como na crítica equivocada de Roberto Schwarz ao poema de Augusto de Campos na década de 80. Refiro-me às implicações est-É-ticas do trabalho formal de um poeta, algo em que os poetas ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E insistem desde a década de 70. Discussão que faria necessário invocar os poetas do Cabaret Voltaire, assim como Gertrude Stein e John Cage, os poetas do Grupo de Viena, a Internacional Situacionista, os artistas e poetas ligados ao Fluxus e ao Punk, assim como pensadores da linguagem como Ludwig Wittgenstein e Charles Sanders Peirce.
Trabalho hercúleo e incessante, com o qual seguimos.
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Um comentário:
Estes textos estão ajudando muito a engrossar meus questionamentos sobre a poesia letrista, que tomei como objeto de estudo por pelo menos 1 ano.
Continue(mos)!
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