quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Garganta flexível, cordas tesas



Parto este fim-de-semana para a Eslovênia, onde participo do Festival de Poesia de Medana, que ocorre há cerca de uma década, sempre em agosto, trazendo poetas estrangeiros para o país, com leituras espalhadas pelo território, da capital Ljubljana a pequenas cidades, terminando em um vinhedo na pequena cidade de Medana. O nome oficial do festival é Medana: Days of Poetry and Wine. Passarei uma semana no país, lendo com poetas eslovenos, alemães, americanos, italianos, das mais variadas gerações. Na terça-feira, dia 25 de agosto, leio na cidade de Ptuj, com os poetas Mehmet Yashin (Chipre, 1958) e Nicole Gdalia (Tunísia, 1946). No dia 28, sexta-feira, já no vinhedo de Medana, leio com os poetas Aleksandr Skidan (Rússia, 1965), Milena Lilova (Bulgária, 1958), Matthias Göritz (Alemanha, 1969), Veronika Dintinjana (Eslovênia, 1977) e novamente com Mehmet Yashin. Especialmente para o festival, os organizadores traduziram dez poemas meus para o esloveno, cinco dos quais devem figurar na antologia trilíngue (língua original do poema, inglês e esloveno) publicada todo ano pelo evento. Meus poemas foram traduzidos por Barbara Juršič.

Precisando de umas boas férias, uni o útil ao agradável. Como não há uma conexão barata entre Berlim e Ljubljana, segui a orientação dos organizadores do festival, de voar para uma cidade austríaca ou italiana próxima da fronteira com a Eslovênia. Parto no domingo, dois dias antes do festival começar na Eslovênia, com um vôo para Klagenfurt, na Áustria, passando dois dias na cidade em que nasceu Ingeborg Bachmann (1926 - 1973), caminhando, lendo, traduzindo a poeta austríaca. Parto para a Eslovênia de carona na terça-feira e, depois de uma semana no festival, sigo para Veneza, na Itália, de onde marquei o vôo de volta para Berlim, aproveitando para ver pela primeira vez a Bienal. Vai ser bom desligar o crânio um pouco da rotina aqui no Berlimbo.

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Antes de sair de viagem, após debater os últimos artigos com três poetas brasileiros contemporâneos por quem tenho muito respeito, achei necessário esclarecer, de forma bastante sucinta, dois pontos:

1- em momento nenhum gostaria de insinuar que a conjunção que defendo entre ética e estética seja algo "novo". Insisto que não se trata de "vanguardismo", ainda que eu creia que DADA e outras vanguardas históricas tenham levado o debate a outro patamar. Esta preocupação, eu creio, pode ser sentida em momentos diversos da História da poesia, em outros torna-se menos marcada. Tenho insistido nesta discussão, em território poético brasileiro e lusófono, por discordar publicamente da teleologia fictícia que se tem desenovelado de conceitos como "pós-utópico" e "trans-historicidade", assim como uma mais recente onda de tentativas de instituir o "l´art pour l´art" como única ética viável ao poeta.

2- não quero insinuar uma demonização do Renascimento, isso seria muito tolo de minha parte, ou sua culpa por todos os aspectos negativos da transformação dos parâmetros críticos hegemônicos a partir do século XVI. O trabalho poético oral seguiu firme e forte. O que argumento é que houve uma distorção de perspectiva e hierarquia, criando uma nova hegemonia crítica, um novo foco de atenção, que não é negativo em si, mas limitado. É este meu argumento. Precisamos encontrar uma narrativa histórica que respeite o fluxo das metamorfoses estéticas, evitando aqueles perigos mais claros do nosso vício de periodizar. Ainda que, segundo Fredric Jameson em Singular Modernity - Essay on the Ontology of the Present, "we cannot not periodize".

§

Encerro com meu texto "corpo" e a tradução de Barbara Juršič para o esloveno. Mais informação sobre o Festival Medana AAQQUUII.

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corpo

cor.po
subst m corpo ['korpu]. pl. corpos. De nem
um. Massa
e peso
(favor não confundir)
anexados a superfícies
de código binário
aka masculino e feminino.
1. a. Geografia do posicionar-se. Área com fronteiras definidas; porção de espaço a sonhar com dicionários.
1. b. Locus de focus em terror, hocus pocus da lógica em orifícios úmidos.
1. c. Carcaça. "De volta à realidade!".
Diz-se
que o mesmo ar
não pode circundar
dois ao mesmo
tempo.
2. a. Padrão de aparência perigosa para a mecânica da pureza; a ilusão da higiene.
2. b. Não uma árvore.
Cores são encomendadas de acordo com o gosto.
Entrega segue regras de fabricação genética. Exemplares ruivos
anexados a um pênis
são uma iguaria.
3. a. Não confiável em impermeáveis. Temporário e de oscilações frequentes. "Quase lá."
3. b. Um grupo de erros e equívocos reputados como uma sanidade; uma Corporação S.A.
Mas a esfera
privada
é também um pesadelo.
4. a. Estabelecimento comercial. Para instruções, referir-se ao manual, ao oral.
Som
conhecido como voz
cola-o
à sua definição.
5. Geringonça que não sua em fotografias:
5. a. Anal tomia. A maior peça da fricção.
5. b. Maquinaria para a produção de líquidos.
5. c. Exclusivo para índices e apêndices.
5. d. Destinado a lubrificantes.
Se cortado ou perfurado, tende a tornar-se mais atento.
6. Massa de matérias e matéria de farrapos.
Dê-lhe água,
faça-o celeste.
7. a. Uma coletânea ou quantidade, como de material ou informação: a evidência de sua inflação.
VOCÊ ESTÁ AQUI
em um mapa.
8. Mobília confortável que requer manutenção.

::: Ricardo Domeneck, Corpos e palanques (São Paulo: Dulcinéia Catadora, no prelo) :::

§

telo

te.lo
samostalnik s telo -esa. Nikogaršnje.
Masa
in teža
(prosim, ne zamenjujte)
pripeti na površine
binarnih kod
aka moški in ženski.
1. a. Geografija zavzemanja prostora. Območje z določenimi mejami; del prostora, ki sanja o
slovarjih.
1. b. Locus focusa v grozi, hocus pocus logike v vlažnih odprtinah.
1. c. Okostje. "Nazaj v resničnost!".
Pravijo
da isti zrak ne more
obdajati
dveh obenem.
2. a. Vzorec, na videz nevaren za mehaniko čistosti; iluzija higiene.
2. b. Ne drevo.
Barve se naroči po okusu.
Dostava upošteva genetska pravila izdelave. Rdečelasi primerki
pripeti na penis
so poslastica.
3. a. Ni mu za zaupati v dežnem plašču. Začasno in s pogostimi nihanji. "Prišlo mi bo."
3. b. Skupina napak in zmot, znanih kot duševno zdravje; Korporacija S. A.
Ampak zasebna
sfera
je tudi nočna mora.
4. a. Trgovsko podjetje. Za navodila poglejte v priročnik, v oralnega.
Zvok
poznan kot glas
ga prilepi
na svojo definicijo.
5. Stvarca, ki se ne poti na fotografijah:
5. a. Analna tomija. Največji del trenja.
5. b. Mašinerija za proizvodnjo tekočin.
5. c. Ekskluziva za kazalce in priveske.
5. d. Namenjeno mazivom.
Če odrežete ali prebodete, običajno postane pozornejše.
6. Gmota snovi in snovnost krp.
Dajte mu vode,
naredite ga nebeškega.
7. a. Zbirka ali količina, kot bi bila iz materiala ali informacij: očitnost njene napihnjenosti.
TUKAJ SI
na zemljevidu.
8. Udobno pohištvo, ki zahteva vzdrževanje.

(tradução de Barbara Juršič)

3 comentários:

Rafael Mantovani disse...

bom saber que você está fazendo viagens tão interessantes :-)

bjo

Anônimo disse...

Caro Domeneck, no post anterior acredito que vc confundiu transcendência com imanência, pois os poemas citados de Orides Fontela, Hilda Hilst, Murilo Mendes e o seu possuem um "tom" metafísico no sentido mais amplo e não apenas de busca da origem, mas não "transcendem", pois não passam do limite-corpo. Contudo, na transcendência o corpo não é abolido, há sim uma fusão entre matéria e espírito. Não esquecer que transcendência é um "dado conquistado" pelas religiões. Boa viagem e sucesso lá no festival.
Abraços,
Antônio Bastos.

Ricardo Domeneck disse...

Caro Antônio,

peço desculpas pela demora em responder seu comentário e seu questionamento, não foi descaso. Estive fora de Berlim e queria responder com calma. Queria também, naturalmente, meditar sobre sua proposta de que, naquele artigo, teria sido mais apropriado usar "imanência" onde usei "transcendência".

De volta a Berlim, reli seu comentário, pensei a respeito, e confesso que discordo de você. Creio que o uso que fiz de "transcendência" é legítimo naquele contexto. De qualquer forma, veja bem, você fala sobre um "tom metafísico no sentido mais amplo", quando não creio ter insinuado que minha leitura exauria o assunto. Outra questão é que sempre busquei em meu trabalho uma maneira de borrar a linha fronteiriça entre certas dicotomias, portanto poderíamos dizer que meu texto implicaria uma metafísica em que "imanência" e transcendência" não se excluem. Mas não estou bem certo de que concordo com sua descrição.
O que me interessa naqueles poemas é a maneira como uma consciência corporal do poeta não implica materialismo. Há neles o anseio por transcendência, sem a negação do corpo. Esse é o dilema, de qualquer maneira. Eu estava tentando comentar e opor, de certa maneira, a tendência simbolista de sublimação do corporal e histórico. Veja, por exemplo, como em Cruz e Sousa há sempre uma sublimação do físico, também em outros poetas. Menciono Cruz e Sousa sabendo que ele teve motivos biográficos bastanre pungentes para esse anseio por sublimação, portanto não uso essa menção aqui de forma negativa.
Espero que isso exlique um pouco melhor como vejo a questão.

Abraço grande e agradeço o estímulo, que exigiu que eu elaborasse melhor o assunto.

Domeneck

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