sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

As surpresas de contexto

Passei o último fim de semana na casa do moço, porque ele é chique e tem aquecimento a gás, não precisa arrastar baldes de carvão do porão para o quarto toda noite. O moço trabalha às vezes no complexo conhecido como Berghain, o que eu poderia chamar aqui na Europa de "o mais lendário clube contemporâneo do país", mas não sei se a lenda se expande para além do charco atlântico. Uma noite, o moço estava fazendo o que todo bom jovem alemão faz: estava ouvindo música eletrônica em seu quarto. De repente, minha mente começou a reconhecer uma voz, umas palavras e eu perguntei, naturalmente, "o que é isso?". O moço respondeu que se tratava de uma faixa incrível de techno que Ricardo Villalobos andava tocando no Berghain. Qual não foi minha surpresa quando percebi do que se tratava:


Ricardo Villalobos/Reboot - Caminando (sic), aqui com DJ Tiësto em São Petersburgo, Rússia)

"Pra não dizer que não falei de flores"?! Na voz de Simone? Em pleno Berghain? Perdi isso, não estava lá. Segundo o moço, no momento do coro "Vem, vamos embora, que esperar não é saber", o povo na pista de dança ia à loucura com o bass e o coro de vozes brasileiras. Ouvir essa canção depois de tantos anos é realmente estranho, Geraldo Vandré ocupa uma posição ambígua no imaginário artístico brasileiro por sua postura que, a nossos olhos, parecia demasiado nacionalista e protecionista, especialmente por seus ataques contra os tropicalistas. Geraldo Vandré segue sendo, de certa forma, uncool, digamos, mesmo que Caetano Veloso não esteja passando pelo momento mais cool de sua recepção crítica e aquelas trincheiras talvez não façam tanto sentido mais. Ou fazem sentido mais que nunca?




Foi interessante e estranho, em pleno inverno alemão, em 2010, explicar para o moço o contexto desta canção, falar sobre a ditadura militar brasileira, paralelos entre os contextos brasileiro e alemão entre as décadas de 60 e 80, a guerrilha no Brasil, a resistência à ditadura militar, o processo de Entnazifizierung/desnazificação na Alemanha, a Facção do Exército Vermelho e afins.

Os paralelos de contexto podem ser, às vezes, assustadores.

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2 comentários:

Wladimir Cazé disse...

Copiando e colando e seguindo a canção...

Ricardo Domeneck disse...

É a beleza do arrastão da Internet.

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