TEXTOS.
Isolei-me na casa do moço este fim de semana, para terminar um texto que vinha preparando há três semanas para um volume de ensaios críticos sobre poesia contemporânea, a ser publicado pela Fundação Casa de Rui Barbosa este ano. Já escrevi sobre o pós-guerra com frequência; volto sempre às movimentações críticas da década de 50, algo que me fascina, com todos os grupos de retomada de estratégias da vanguarda, dos Lettristes de Paris ao Dau al Set de Barcelona, de Noigandres em São Paulo ao Grupo de Viena, da Escola de Nova Iorque à Internacional Situacionista; escrevi também sobre o trabalho individual de alguns poetas contemporâneos, como Hilda Machado (1952 - 2007), Ricardo Aleixo (n. 1960), Carlito Azevedo (n. 1961), Angélica Freitas (n. 1973), Érico Nogueira (n. 1979) e Juliana Krapp (n. 1980), mas neste texto tento pela primeira vez articular, em uma narrativa consciente de si como narrativa, minha descrição do processo de instituição da ideologia dominante nos discursos críticos após o fim da ditadura, assim como o questionamento desta ideologia por alguns poetas a partir de meados dos anos 2000. Para isso, essas três semanas foram passadas na companhia de críticos tão divergentes quanto Walter Benjamin, Theodor Adorno, Hugo Friedrich, Paul de Man, Giorgio Agamben, Fredric Jameson, Maurice Blanchot, Marjorie Perloff e Alfonso Berardinelli. Quero agora me entregar a algum excelente romance e passar a próxima semana lendo somente e tão-somente poesia.
Trailer para uma discussão sobre a poesia brasileira dos últimos 20 anos e sua relação com o público e o mundo em que é composta.
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ANTOLOGIAS.
Chegou esta semana minha encomenda de uma antologia, originalmente publicada em 1959 na Inglaterra, chamada Protest: The Beat Generation and The Angry Young Men. O editor traça um paralelo entre os escritores norte-americanos da década de 50, que ficariam conhecidos como Beat Generation, e seus contemporâneos britânicos, menos conhecidos, que seriam chamados de Angry Young Men. A gênese do termo e estilo dos Beats americanos é já bastante conhecida. Quanto aos Angry Young Men, a expressão tem, como DADA, Beat ou punk, múltiplas interpretações e descrições de sua origem. Uma das mais aparentemente óbvias seria a autobiografia de Leslie Paul, intitulada Angry Young Man (1951), de onde a expressão teria surgido, mesmo que Leslie Paul não fizesse parte do grupo e descrevesse os anos 30 em seu livro, o que o ligaria talvez aos poetas britânicos bastante engajados daquela década, como o primeiro Auden, mas também Stephen Spender e Cecil Day Lewis.
Se o poema de Ginsberg - "Howl" (1956) - e o romance de Kerouac - On the road (1957) - são considerados os marcos iniciais oficiais da Beat Generation, na Inglaterra são consideradas marcos inaugurais do trabalho dos Angry Young Men a peça teatral Look Back in Anger (1957) de John Osborne, e os romances Hurry on Down (1953) - de John Wain - e Lucky Jim (1954) - de Kingsley Amis. Este movimento inglês deu-se basicamente na prosa e no teatro, ao contrário dos Beats, que praticaram quase todos a poesia. Na Inglaterra, outros autores associaram-se de alguma forma com os Angry Young Men, como o dramaturgo Harold Pinter. A influência destes autores, na Inglaterra, parece-me ainda forte, especialmente no trabalho de Mike Leigh, Ken Loach e Steve McQueen. Suas antíteses em estilo-estratégia, ainda que irmanados pelo desejo de intervenção política, seriam Ken Russell e Derek Jarman. Talvez Charlie Chaplin seja precursor de ambas estratégias?
A primeira vez que ouvi falar dos Angry Young Men foi em 1994, quando eu morava nos Estados Unidos, e meu amigo Julian Wuermser leu e me recomendou a novela (ou conto longo) The Loneliness of the Long Distance Runner (1959), de Allan Sillitoe, escritor associado a este grupo. Talvez por ter sido editada na Inglaterra, onde os escritores dedicaram-se basicamente ao romance e ao teatro, a antologia toda, para meu desespero, traz um único poema: precisamente "Howl", de Ginsberg. Talvez editada cedo demais, não carrega alguns dos melhores textos dos Beats, muitos só publicados a partir de 1959, como o Naked Lunch de Burroughs, os melhores livros de Ginsberg, Reality sandwiches (1961) e The Fall of America (1973), ou o trabalho de poetas como Gregory Corso e Diane di Prima. A própria seleção do trabalho de John Osborne deixa a desejar. Mas traz alguns textos muito legais, como "The time of the geek", de Kerouac, e "Report from the asylum", de Carl Solomon, a quem Ginsberg dedicou seu "Howl", e se trata de um documento interessante para seguir pensando sobre aquela década espetacular e complicadíssima, os anos 50.
Cena do filme (1958) de Tony Richardson, baseado na peça Look Back in Anger (1956), de John Osborne.
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PERSONAGENS.
Revi este fim de semana a filmagem de Peter Brook (de 1963) para o romance Lord of the Flies (1954), de William Golding. Foi um dos romances que mais me impressionaram quando o li, ainda adolescente, e ainda é um dos meus favoritos. É deste romance também uma de minhas personagens literárias prediletas e mais inesquecíveis: Simon. Se aceitamos o caráter alegórico da narrativa de William Golding, creio não estar abusando ao dizer que, para mim, Simon é a figura do poeta naquela sociedade. Não é à toa, portanto, que ele seja o primeiro a ser assassinado. É sempre impopular carregar o papel de alertar e dizer à sua comunidade:
"Maybe the Beast is just us."
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