domingo, 4 de abril de 2010

O QUE AS MULHERES FAZEM AOS DOMINGOS? - Seis poetas contemporâneas de língua alemã

Enquanto não encontro tempo para retornar à programação deste espaço, aproveito o ensejo de minha postagem desta semana na Modo de Usar & Co., com duas traduções minhas para poemas da alemã Monika Rinck (n. 1969), para reunir em uma única postagem, aqui, minhas traduções de cinco autoras contemporâneas de língua alemã, uma espécie de micro-antologia. Obviamente, sem a menor ambição de panorama ou completude. São apenas alguns poucos poemas de cinco mulheres: a austríaca Friederike Mayröcker (n. 1924), considerada por muitos a grande dama da poesia germânica contemporânea, e as alemãs Odile Kennel (n. 1967), Monika Rinck (n. 1969), Sabine Scho (n. 1971) e Nora Gomringer (n. 1980). Incluí a poeta sonora alemã Heike Fiedler (n. 1963), completando o anunciado número de seis poetas. Qualquer antologia da poesia alemã do pós-guerra, produzida especificamente por mulheres, teria ainda que incluir Nelly Sachs (1891 - 1970), Rose Ausländer (1901 - 1988), Marie Luise Kaschnitz (1901 - 1974), Hilde Domin (1909 - 2006), Christine Lavant (1915 - 1973), Unica Zürn (1916 - 1970), Ingeborg Bachmann (1926 - 1973), Inge Müller (1925 - 1966), Ilse Aichinger (n. 1921), Elisabeth Borchers (n. 1926), Sarah Kirsch (n. 1935),  Elke Erb (n. 1938) e Ulla Hahn (n. 1945).


O QUE AS MULHERES FAZEM AOS DOMINGOS? - Seis poetas contemporâneas de língua alemã

FRIEDERIKE MAYRÖCKER (Áustria, 1924)

Friederike Mayröcker nasceu em Viena, em 1924. Seus primeiros textos publicados surgiram na revista Plan, a partir de 1946. Manteve um diálogo com os poetas do Grupo de Viena, mas não se filiou ao grupo. Conhece em 1954 o poeta Ernst Jandl, com quem viveria até a morte deste no ano 2000. Alguns de seus livros de poemas mais importantes são Tod durch Musen (1966) e Winterglück (1985). Está entre os poetas vivos mais respeitados da língua, e recebeu o prestigioso prêmio Georg Büchner, em 1991. A editora Suhrkamp publicou seus Poemas Reunidos (Gesammelte Gedichte) em 2004. Friederike Mayröcker vive em Viena.



Às vezes por quaisquer movimentos acidentais
roça minha mão sua mão o dorso de sua mão
ou meu corpo enfiado em roupas encosta-se quase sem saber

um piscar-de-olhos em seu corpo de roupa

estes minúsculos movimentos quase vegetais

seu olhar de ângulos e suas pupilas de propósito

vagam no vazio
sua pergunta logo de início interrompida aonde você

viaja no ver
ão
o que você está lendo

atravessam-me o peito em cheio

e através da garganta como uma doce faca

e eu resseco por completo como um po
ço num verão escaldante

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Manchmal bei irgendwelchen zufälligen bewegungen
streift meine Hand deine Hand deinen
Handrücken
oder mein Körper der in Kleidern steckt lehnt fast ohne es zu wissen
einen Augenblick gegen deinen Körper in Kleidern
diese kleinsten beinahe pflanzlichen Bewegungen
dein abgewinkelter Blick und dein Auge absichtlich ins Leere
wandernd
deine im Ansatz noch unterbrochene Frage wohin fährst du im Sommer
was liest du gerade
gehen mir mitten durchs Herz
und durch die Kehle hindurch wie ein süszes Messer

und ich trockne aus wie ein Brunnen in einem heiszen Sommer


§


a uma papoula em meio à urbe
de meus crânios brota
a pirotecnia das lágrimas, o
lilás enferruja-se, o ligustro
sopra, a camuflagem do verão sugere temporais -
coroa-de-espinhos fecunda o campo, os
estorninhos caem, mosquitos
zunem em meio às sar
ças, a
florada murcha duma
nuvem coroada de cerejas
esverdilhas -
incluindo heráldicas águias-bicéfalas
em relevo - retratos em cerâmica rubra - esfarela-se
o muro do cemitério
apoiado apenas na sempre-viva
hera -
ao vento vertical quilhágil
páira
meu peito falconiforme a pupilar presas


(tradução de Ricardo Domeneck)

:

an eine Mohnblume mitten in der Stadt
Friederike Mayröcker

aus meinen Köpfen sprieszt
das Feuerwerk der Tränen, der
Flieder rostet, der Liguster
weht, die Camouflage des
Sommers läszt Gewitter ahnen -
Wolfsmilch besamt die Flur, die
Stare fallen, Mücken
flirren im Dorngebüsch, das
abgewelkte Blühen einer
Wolke von erbsengrüner Kirschenfrucht
gekrönt -
samt aufgeprägten kaiserlichen
Doppeladlern - Portraits auf roten Ziegeln - bröckelt
die Friedhofsmauer ab
gestützt nur noch von immergrünen
Efeuranken -
im Aufwind flügelschlagend
steht
raubvögelgleich mein Herz nach Beute äugend

§

Preferível viajar no pensamento, Hokusai
às costas, ou sob a lâmpada,
caminhar ao pé do Fuji e lançar o olhar
sobre o pico nevado, as sete-léguas
molhadas, geladas, a gola enrugada.
Como, eu pergunto, exploração duma distância
com os próprios pés, como, eu pergunto, experiência duma distância
com os próprios olhos.
Como conciliar sede da distância
com sedentariedade. Como, pés e olhos,
tristeza e vontade.


(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Lieber in Gedanken reisen, Hokusai
auf dem Rücken, oder unter der Lampe,
laufen zu Füszen des Fuji und blicken hinauf
zu verschneiter Spitze, die Schnürstiefel
feucht und kalt, die Halskrause welk.
Wie, frage ich, Erkundungen einer Ferne
mit den eigenen Füszen, wie, frage ich, Erfahrungen einer Ferne
mit den eigenen Augen. Wie Sehnsucht nach Ferne
mit Seszhaftigkeit vereinen. Wie, Fusz und Auge,
Träne und Lust.


§

Lobo / como um lobo / ele diz

lobo como um lobo você
ficou cara e focinho de lobo pen-

sativo e inclinada a cabeça, cabeça

da matilha
, a imagem gerou sua
metamorfose em lobo também dissolvido, não

tanto loba, lobo! também irmão irmão qual lobo,

lebréu, sentado com a cabeça inclinada

sobre o peito, um lobo não sei

pareado com corpulência
felpuda-pensativa (longânima?) cabeça: peso

peludo suspenso, lupina-

mente você olha você senta-se um tanto

corcunda lupina a nitidez!, e

impiedoso a tremer ossos enlutado

de sulcos,
isto fez de mim também todo
extinto
,

(tradução de Ricardo Domeneck)

:


Wolf / wie ein Wolf / sagt er
Friederike Mayröcker

Wolf wie ein Wolf du siehst

darauf aus wie ein Wolf nach-

denklich mit gesenktem Kopf, Kopf-

tier, das Bild hat dich in einen

Wolf verwandelt auch aufgelöst, nicht

so sehr Wölfin, Wolf! auch Bruder Bruder Wolfs-

hund, mit dem Kopf auf die Brust

gesenkt sitzend, ein Wolf ich weisz

nicht gepaart mit struppig-nachdenklicher

Korpulenz (nachsichtig?) Kopf : behaartes

Gewicht nach unten, wolfs-

mäszig du siehst du sitzt ein wenig

zusammengesunken wölfisch die Schärfe!, und

gnadenlos knochenschüttelnd von Gullies

umflort,
das hat mich auch ganz
verstorben,


§


HEIKE FIEDLER (Alemanha, 1963)

Heike Fiedler nasceu em Düsseldorf, em 1963. Estudou Língua e Literatura Germânica e Eslava na Universidade de Genebra, na Suíça. Trabalha como poeta sonora e performer, movendo-se pelas fronteiras verbivocovisuais. Tem se apresentado nos mais importantes festivais de poesia experimental do continente europeu. Convido os leitores a visitarem sua página, onde é possível ouvir alguns de seus poemas sonoros.








§


ODILE KENNEL (Alemanha, 1967)

Odile Kennel nasceu em 1967, em Bühl/Baden, Alemanha, de um casal francês/alemão, crescendo em um lar bilíngue. Estudou Ciências Políticas em Tübingen, Berlim e Lisboa. No ano 2000, publicou a novela Wimpernflug - eine atemlose Erzählung (Berlim: Edition Ebersbach, 2000). Seus poemas encontram-se em várias antologias de poesia alemã contemporânea.

Odile Kennel é uma das mais ativas tradutoras alemãs da poesia em língua portuguesa, especialmente a brasileira. Traduziu, entre outros, poemas de Arnaldo Antunes, Douglas Diegues e Angélica Freitas, além dos portugueses Pedro Mexías e Adília Lopes. Traduziu ainda muitos textos do poeta Jean Portante, de Luxemburgo. Odile Kennel vive e trabalha em Berlim.


POEMA DE ODILE KENNEL

Pensar sálvia e você

Eu penso sálvia quando eu
vejo sálvia penso folhas de veludo
verde-cinza pareadas opostas ou
labiadas ou temperadas e amargas
ou eu penso em nada nem sálvia nem
planta nem cheiro pois por tanto
pensar a sálvia se encontra
à janela se desencontra na mente pois
ela para mim não existe mas
existe para si nada sabe de
seu nome nada sabe de seu
existir presume-se que nonada sabe.

Eu penso você quando eu não
penso sálvia quando não penso que
os andorinhões cochilam nas altas
camadas do ar e nós deitadas
despertas à janela eu penso
você e o cheiro amargo
e temperado infiltra-se no seu
no meu existir de que nada sabe
e assim origina-se um desequilíbrio
existencial na luz pós-meridiana
pois sabemos sabemos muito bem
que todo tempo é uma xícara a
despenhar-se aos céus ou óleo etéreo
ou a maquinaria da solidão, presume-se.

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

Salbei denken und Du
Odile Kennel

Ich denke Salbei wenn ich Salbei
sehe denke grüngraue samtene
Blätter paarweise gegenständig oder
Lippenblütler oder bitter und würzig
oder ich denke nichts nicht Salbei nicht
Pflanze nicht Duft weil vor lauter
Denken der Salbei wohl vorkommt
am Fenster doch verkommt im Kopf er also
für mich nicht existiert er aber
für sich existiert und nicht weiß wie er
heißt und nichts weiß von seiner
Existenz vermutlich gar nichts weiß.

Ich denke Du wenn ich nicht
Salbei denke nicht denke dass
die Mauersegler dösen in den höheren
Schichten der Luft während wir wach
liegen am Fenster ich denke
Du während der bittere und
würzige Duft in deine und meine
Existenz dringt von der er nichts weiß
und so entsteht ein existenzielles
Ungleichgewicht im Nachmittagslicht
denn wir wissen wir wissen sehr genau
dass alle Zeit nur eine himmelwärts stürzende
Tasse ist oder ätherisches Öl oder eine
Apparatur der Einsamkeit, vermutlich.

(Zitat: Ulrike Draesner)


§


MONIKA RINCK (Alemanha, 1969)


Monika Rinck nasceu na pequena cidade alemã de Zweibrücken, em 1969. Formou-se em Teologia, História e Literatura Comparada em universidades de Bochum, Berlim e Yale. Vive em Berlim desde o início da década, onde passou a ficar muito conhecida na cena poética da capital alemã, mesmo antes de publicar, pelas belas e vigorosas oralizações de seus textos, em leituras organizadas pela comunidade crescente de poetas jovens que migraram para Berlim nos anos posteriores à queda do Muro. Publicou o primeiro livro em 2001, o pequeno volume Begriffsstudio 1996 – 2001, seguido, em 2004, de Verzückte Distanzen, algo como "Distâncias arrebatadas". É hoje uma das mais respeitadas poetas contemporâneas na Alemanha, especialmente após a publicação do volume Ah, das Love-Ding (2006), que entusiasmou a crítica do país. Classificado como ein Essay, o livro apresenta a forte escrita lírico-analítica de Rinck, aterrando as trincheiras entre poesia e prosa, abstração e concretude, meditação e corporalidade. É uma poeta que pensa com seus poemas, como propôs William Carlos Williams, ou, na formulação de Sérgio Buarque de Holanda para Dante Milano, "seu pensamento é de fato sua forma". Em 2007, publicou o volume de poemas zum fernbleiben der umarmung, do qual retirei os dois poemas aqui apresentados e traduzidos, incluindo o que dá título ao volume. Trata-se de uma citação bíblica, da conhecida passagem do Livro de Eclesiastes, em que o pregador, na tradução para o alemão, afirma haver eine Zeit zum Umarmen und eine Zeit zum Fernbleiben der Umarmung, ou, em português: "tempo de abraçar e tempo de abster-se dos abraços". Apresento o poema com um vídeo da leitura de Monika Rinck, em 2007, no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona - o MACBA. O segundo poema é um dos textos mais conhecidos de Monika Rinck, por sua ironia elegante e ao mesmo tempo violenta, no poema "O que as mulheres fazem aos domingos". No ano passado, a poeta publicou o poemário Helle Verwirrung, algo como "Confusão clara", com desenhos de sua autoria.


(Monika Rinck oraliza seu poema "zum fernbleiben der umarmung", com vídeo-projeção da artista visual catalã Ester Xargay, no Museu de Arte Conteporânea de Barcelona - MACBA, em dezembro de 2007)

de abster-se dos abraços

você não queria morrer uma vez mais,
despistar-se da colisão era sua única chance.
tinha para isso a cidade, o campo, seus nomes,
sob os quais você sumiu e a que chamavam-no.
era uma coberta, estendida sobre você, os olhos
cerrados, sabia-o, cego, havia que ser uma.

você ouviu tudo. queria estilhaçar-se. quase
morreu com isso já a quarta vez. tudo ficou onde
e como estava. assim adentrara o delir do mundo.
precisou por anos ali acampar. canteiro sem terra.
a banheira asquerosa. o tricotar sem lã. a coisa
sem estilo. dentro, o abrigo. no mar, mar nenhum.
o golpear das ondas. seu ritmo para sempre seco.

como se nada houvesse além da morte por panorama,
e precisasse viver de fato sem respostas possíveis.
love calls us to the things of this world, mas o que
nos chama para longe delas? permaneceu-lhe longe
o senso do horizonte e você se manteria à distância,
que em verdade honraria o seu alojar-se, de imediato.

como amar certa linha de cabelo num crânio, um traço
de perfume no pescoço, tudo se foi, não ficou, longe.
até por esse alojar-se houve um tempo. e nesse tempo
alojar nenhum além dessa distância, que se expandia.
esse era o motivo, eis que jamais houvera outro.

esse era o motivo, eis que outro não haverá.
e então você o perdeu e o perdeu de novo. só
que esse já se tornara outro. você permaneceu
ali para uma vez mais perder, até por isso. não
foi ajuda a você, mas a ele, humano aperfeiçoado.

(tradução de Ricardo Domeneck)


:

zum fernbleiben der umarmung
Monika Rinck

sie wollten nicht noch ein weiteres mal sterben,
sich kollidierend verfehlen, war ihre einzige chance.
sie hatten dazu die stadt, das land, ihren namen,
worunter sie verschwanden und wohin es sie rief.
es war eine decke, über sie gebreitet, ihre augen
geschlossen, wussten sie blind, es musste eine sein.

sie haben alles gehört. sie wollten zerspringen. beinah
starben sie da schon zum vierten mal. alles blieb stehen
und liegen. sie gingen also ein in weltverlöschung.
sie mussten auf jahre dort zelten. das beet ohne erde.
die scheußliche wanne. die wolllosen maschen. das ding
ohne stil. drinnen, der mantel. an der see keine see.
das schlagen der brandung. ihr auf ewig trockener takt.

als gäbe es nichts als die auf den tod weisende aussicht,
man müsse in der tat mit dieser antwortlosigkeit leben.
love calls us to the things of this world, was aber ruft uns
davon weg? fern bliebe ihnen der sinn des horizonts
und sie blieben in der ferne, die ihre bleibe würde, alsbald.

wie diese liebe für einen haaransatz, eine duftende linie
am hals, all das ist fort, ist nicht geblieben, sondern fern.
auch für diese bleibe gab es eine zeit. und in dieser zeit
gab es keine andere bleibe als diese ferne, die sich weitete.
das war der grund, einen anderen hatte es nie gegeben.

das war der grund, einen anderen wird es nicht geben.
und dann verloren sie ihn und sie verloren ihn wieder.
nur dass es da schon ein anderer war. sie sind geblieben,
um wieder zu verlieren, daher blieben sie. ihnen half das
nicht mehr, aber ihm half es, dem verbesserten menschen.


§

O QUE AS MULHERES FAZEM AOS DOMINGOS?

a propósito, comecei a desejar maldades.
isso não mais te atinge, mas a mim atinge.
sou atravessada por idades diferentes.
nada me incomoda em qualquer delas.
por isso vejo tudo como é. contornos.
derramada por dentro, encharcada de mel,
veneno, ira, molhada de devoção. ninguém
entende. só as mulheres. elas são boas.
as mulheres são até muito boas. as mulheres
são também muito lindas. elas têm belas almas.
as mulheres usam lindos sapatos. as mulheres
hão sempre de falar comigo. as mulheres ficam
mesmo quando deixam o país. as mulheres aí
estão. sinto nas mulheres um crescente preparo
para a violência. as mulheres se engrandecem
e cruzam as fronteiras. postamos fotos de
nossas bucetas. torna-se indiferente. o que se
toma, o que se dá. não se conforma. escrever.
enviar. continuar. gritar. ser incompreensível. no
cabo fisterra da empatia. estamos ao fim de tudo.
entrementes os sonhos ganham em realismo.
pois os restos dos dias perpetuam-se. impõem-se
para sempre, mesmo quando os conteúdos mudam.
em um sonho você estava em berlim, numa tenda,
em bancadas de cervejaria, ali esmurrei seu peito,
você tombou, chutei então sua maleta, repetidas
vezes, com assombroso ânimo. aí você disse, deixe
disso, não estou aqui por sua causa. do outro
lado da bancada estavam tico e teco, dizendo: é.
ele não está aqui por sua causa. agora comporte-se,
e no sonho tive tanta pena de minha ira tão linda.
você porém era mais jovem e parecia o josé batista.
no sonho de ontem os morenos tornaram-se ruivos
e bochechudos, penugem de cobre e detrás as veias
avermelhadas, mas eram e permaneceram morenos.
aplauso desamparado. na platéia desencadeia-se
o
despair, o eu-espéculo a pontapés, algo ainda
gritado e assinalado o tremor de sexo. tudo em
golpes das mãos. carregar como broches as
feridas. fazemos buracos onde nenhum havia
e aí queremos enfiar as picas. tudo é autenticado,
os estenógrafos carregam algibeiras, nas quais pode-se
prender algo, desde que o tenha. mais tarde cai o confete
e a relva artificial. então vamos para casa e nos sentamos
à janela, como se ainda houvesse o romantismo. e tudo
isso num único domingo. é o que fazem as mulheres.
sim, você pode ver a minha. agora é a TUA VEZ!!!!

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

WAS MACHEN DIE FRAUEN AM SONNTAG?
Monika Rinck


übrigens, ich habe begonnen, schlimmes zu wollen.
das trifft dich nicht mehr. aber mich trifft es.
ich werde von unterschiedlichen altern durchquert.
in keinem davon macht mir irgendwas etwas aus.
daher sehe ich alles genau so, wie es ist. konturen.
innerlich ausgegossen, vollgesogen mit gift, mit honig,
mit zorn und vor ergebenheit fickrig. keiner versteht.
nur die frauen verstehen. die frauen sind gut.
die frauen sind sogar sehr gut. die frauen sind
auch sehr schön. die frauen haben schöne seelen.
die frauen tragen schöne schuhe. die frauen
werden immer mit mir sprechen. die frauen bleiben,
wenn sie auch das land verlassen. die frauen sind da.
ich spüre bei den frauen eine wachsende bereitschaft
zur gewalt. die frauen vergrössern sich endlos und gehen
darüber hinaus. wir posten fotos von unseren fotzen.
es wird egal. was wird genommen, was gegeben.
es entspricht sich nicht. schreiben. schicken.
weitermachen. schreien. nicht verständlich sein.
am cap finisterre der empathie. wir sind am end.
indes gewinnen aber die träume an realismus.
denn die tagesreste perpetuieren. sie setzen sich
fortwährend durch, wenn auch die inhalte wechseln.
in einem traum warst du in berlin, da stand ein zelt,
da warn bierbänke, da had ich dir vor die brust gehaun,
du bist gefallen, dann hab deine tasche getreten,
mehrfach, mi entsetzlicher verve. da sagtest du, hör auf,
ich bin doch gar nicht wegen dir hier. da waren dann
auf der andern seite der bierbank nicker und abnicker,
die sagten, genau. er ist nicht wegen dir hier. jetzt lass das,
und ich fands im traum so schad um meinen schönen zorn.
du aber warst jünger und sahst aus wie josef der täufer.
gestern im traum die scharzhaarigen hatten rote haare
und hohe wangen, überall war kupferflaum, dahinter adern
angerötet, aber sie waren und blieben doch schwarzhaarig.
hilfloser applaus. im publikum wird jetzt
despair ausgelöst,
das ichbild mit füssen getreten, dazu irgendetwas gerufen
und sexuelles zucken markiert. das ganze sehr handgreiflich.
die wunden trägt man als broschen. wir machen löcher,
wo keine waren, und wollen da mit unsern schwänzen rein.
das alles wir bezeugt, die stenographen tragen halter,
an denen man was befestigen könnt, so man etwas hätte.
später fällt konfetti und kunstrasen. dann gehn wir nach haus
und sitzen am fenster, als gäb es die romantik noch.
und das alles an einem einzigen sonntag. das machen
die frauen. ja, kannst du mal sehen. UND JETZT DU!!!!



§


SABINE SCHO (Alemanha, 1971)


Sabine Scho nasceu em Ochtrup, na Alemanha, em 1970. Formou-se em Filosofia e Estudos Germânicos na Universidade de Münster. Começou a publicar seus poemas no início desta década, recebendo o importante Prêmio Leonce-und-Lena por seu primeiro volume de poemas, em 2001. O livro foi publicado em uma conhecida série da Europa Verlag, em que poetas mais velhos apresentam poetas estreantes, algo como "Poeta descobre poeta". Em seu caso, o volume foi apresentado pelo poeta alemão Thomas Kling (1957 - 2005), e relançado este ano em uma segunda edição pela editora independente KookBooks, com o título Album (Berlim, 2008). Após uma passagem pela cidade de Hamburgo, Sabine Scho divide hoje seu tempo entre as cidades de Berlim e São Paulo. Ainda este ano, a poeta deve lançar sua segunda coletânea de poemas, chamada Farben.

Abaixo, o vídeo de nossa leitura no
Poesiefestival Berlin 2008. Estas traduções foram feitasem colaboração com Rodrigo Rimon e com a autora.



(Sabine Scho lê seus poemas "Green", "Chartreuse" e "Atomic Tangerine" no Festival de Poesia de Berlim 2008, com Ricardo Domeneck, que lê as suas traduções para o português, feitas com Rodrigo Rimon e a autora.)

green

alguém quer que eu diga
erva e uma toalha es-
tenda, erva da boa, a pura
opulência dos ruminantes
não é nada, dou voluntaria-
mente a entender, nada mais que
vento nos salgueiros, aptidão
para Marte, macacão azul
lavado a seco, de preferência
fotossíntese, campos de
estromatólitos, quedas de
temperatura em florescência
desértica, paisagem incrustada,
gravura grátis a laser, nem nada
de nada de precipitações


green
Sabine Scho

jemand will, dass ich gras
sage und eine decke aus-
breite, gutes gras, die reine
üppigkeit der wiederkäuer
es ist nichts, gebe ich bereit-
willig zu verstehen, nichts als
wind in den weiden, marstaug-
lichkeit, ein blaumann aus der
schnellreinigung, vorzugsweise
photosynthese, stromatolithen-
felder, temperaturstürze in wüster
blüte, verkrustete aussicht, kosten-
lose lasergravur, nichts und kein
bisschen niederschlag

§
chartreuse

não acredite, por favor,
no que se diz, no que se vê
as privações subexpostas
a mancha clareada, e não peça
por correções, a pintura
tem sim seu valor, pode-se clonar
mini-guarda-chuvas também
e alegar que são roubados
até que se torne visível
chuva continua chuva, »corre
rola, a fachada vazia«
será que jamais interessou a alguém
o que se destila atrás e como?

:


chartreuse
Sabine Scho

glaub das doch bitte nicht
was man sagt, was man sieht
die abgewedelten deprivationen
der aufgehellte fleck, und frag
nicht nach fahnen, am malen
ist doch was dran, man kann
auch taschenschirme klonen
und behaupten sie seien geklaut
bis davon was sichtbar wird
bleibt regen regen, »es läuft
es rollt die leere fassade«
hat es je jemanden interessiert
was man dahinter wie destilliert




§§§

atomic tangerine

uma porta, mas que função
um cadeado, dobradiça, esticador
de colarinho, com isso se mede
um caixilho de aço, concreto, atas
e, sim, atas. »assim é que
apagamos a luz«, sobre pilhas de
papel, mas cinerário também
é uma cor, enfatiza bem concreto
com a vassoura, quase em casa, só
que mais alto, cancelou-se o terceiro
ato duma peça de carma, 
no alarms and
no surprises
, um corredor, mas
que distensão, pizza na lata
de biscoito, e lá fora
cada vez mais branco, na noite
de Natal, diz-se, costuma ser assim,
grades brilhantes, última cerveja
entre detentos, but, please, couldn’t you
let me out of here


atomic tangerine
Sabine Scho

eine tür, was für ein gebrauch
ein schloß, scharnier, kragen-
stäbchen, damit misst man
stahlzargen aus, beton, akten
und, ja, akten. »so machen wir
das licht aus«, auf stapeln von
papier, aber grauen ist doch auch
eine farbe, betont sachlich mit dem
besenstiel, beinahe wie zuhaus, nur
höher, der dritte teil des karma-
spiels fiel aus,
no alarms and
no surprises, ein korridor, was
für ein schlauch, pizza aus der
plätzchendose, und da draußen
wird es immer weißer, an weih-
nachten, heißt es, sei das so brauch
glitzerzäune, ein letztes umschlussbier

but, please, couldn’t you let me out of here

§


NORA GOMRINGER (Alemanha, 1980)


Nora Gomringer nasceu em Neunkirchen, no estado alemão do Sarre (Saarland), em 1980. Cresceu entre a Alemanha, a Suíça e os Estados Unidos, devido às viagens e residências de seu pai, o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer. Estudou Literatura Anglo-americana, Germanística e História da Arte. Estreou em livro no ano 2000, com o volume Gedichte, ao qual se seguiram Silbentrennung (2002), Sag doch mal was zur Nacht (2006) e Klimaforschung (2008), coletâneas de textos e poemas, sempre acompanhados de álbuns sonoros com a oralização de sua maior parte. Está entre os poetas alemães mais ativos no terreno de pesquisa da poesia oral e sua relação com a poesia escrita. Entre os muitos prêmios recebidos por seu trabalho oral e literário, destacaríamos o Prêmio de Poesia Nikolaus Lenau, concedido a Nora Gomringer em 2008. A poeta vive hoje na pequena cidade alemã de Bamberg.

Apresentamos nesta postagem dois textos de Nora Gomringer, tentando exemplificar suas pesquisas poético-oral e poético-literária. No vídeo abaixo, o texto oral "Du baust einen Tisch", oralizado em Barcelona em dezembro de 2007, durante o festival
Transferència Poética: Berlín-Barcelona, organizado pelo Instituto Goethe da cidade, com a participação ainda das poetas Monika Rinck, Ann Cotten e deste que vos escreve. O acompanhamento musical é do grupo barcelonês Bradien.

§


(Nora Gomringer, "Du baust einen Tisch", com o grupo Bradien, Barcelona, dezembro de 2007)Você constrói uma mesa
tradução de Ricardo Domeneck

Mesa sob a qual você então estica os pés
Mesa para a qual você carrega tábuas numa intersecção
Você constrói para ela
E para si uma mesa
Uma mesa para dois sob a qual
Quatro pés possam esticar-se
Uma mesa à qual você se senta com ela
Eu o vi carregar tábuas numa intersecção
Tábuas para uma mesa
Que você constrói com ela
Para os seus pés e seu esticar-se
Mesa para quatro cotovelos
Quatro pés
Quatro antebraços
Duas panelas
Uma mesa para vocês dois
Para a qual você arrasta tábuas numa intersecção
Na qual estou com meu carro
Você constrói uma mesa
Mesa para ela e mesa para você
Uma merda de mesa para vocês dois
Sob a qual vocês esticam seus pés
Um diante do outro
Diante de si
Mesa sob e sobre a qual tudo é dito
Uma mesa assim uma mesa para dois
Para a qual tábuas são arrastadas numa intersecção
Diante de mim
Você constrói uma mesa
Uma mesa sob a qual eu pisaria nos dedos de todos
Uma mesa à qual já não sou assunto
Uma mesa assim você constrói para ela
Contanto que sob esta ela estique os pés
Que ela coma
O que você põe à mesa
Que você constrói
Da qual você carrega as tábuas
Diante de mim
No farol
Você passou com tábuas para uma mesa
Quisera
Que você a construísse para...

§

Du baust einen Tisch
Nora-Eugenie Gomringer

Tisch unter den du dann Füße streckst
Tisch für den du Bretter über die Kreuzung trägst
Du baust für sie
Und dich einen Tisch
Einen Tisch für zwei unter den sich
Vier Füße strecken können
Einen Tisch an dem du sitzt mit ihr
Ich habe dich Bretter über eine Kreuzung tragen sehen
Bretter für einen Tisch
Den du baust mit ihr
Für ihre Füße zum Darunterstrecken
Tisch für vier Ellbogen
Vier Füße
Vier Unterarme
Zwei Töpfe
Einen Tisch für euch zwei
Für den schleppst du Bretter über eine Kreuzung
An der ich stehe mit meinem Auto
Einen Tisch baust du
Tisch für sie und Tisch für dich
Einen Scheißtisch für euch zwei
Unter den ihr eure Füße streckt
Entgegenstreckt
Euch entgegenstreckt
Tisch unter und an dem alles gesagt ist
So einen Tisch einen Tisch für zwei
Für den Bretter über eine Kreuzung geschleppt werden
An mir vorbei
Baust du einen Tisch
Unter dem ich jedem auf die Zehen trete
Einen Tisch an dem ich kein Gespräch mehr bin
So einen Tisch baust du für sie
So lange sie ihre Füße unter ihn streckt
Isst sie,
was du auf den Tisch bringst
den du baust
dessen Bretter du schleppst
an mir vorbei
im Scheinwerfer
gingst du vorbei mit Brettern für einen Tisch
ich wünschte
du bautest einen für...


§

Cama
tradução de Ricardo Domeneck

Uma banquisa
Que vaga pelo mundo
Até haver barulho
E surgir a luz
A derreter os corpos
De focas em humanos

Que reentram em circulação
A rota aquosa
Nas veias alargadas dos dias

Aqui descansam os peixes
Logo abaixo da superfície
Espalham-se, quando a luz desce
Apresentam-se dois à caça
E juntos acampam


§

Bett
Nora Gomringer


Eine Eisscholle
Die in der Welt treibt
Bis es Licht wird
Und Lärm gibt
Der die Robbenleiber
Zu Menschen schmelzt

Die wieder eingehen in den Kreislauf
Die wässrige Bahn
In den geweiteten Adern der Tage

Hier ruhen die Fische
Knapp unter der Oberfläche
Streuen sich, wenn das Licht sinkt
Zur Jagd finden sich zwei ein
Die gemeinsam lagern


.
.




2 comentários:

josé da silva disse...

Olá Ricardo! Tenho acompanhado daqui das montanhas azuis do sul de Minas Gerais com grande entusiasmo sua poética e admirável esforço para divulgar a poesia universalmente livre como este texto que acabo de fruir e tantos outros!

Abrações do Paranax

Ricardo Domeneck disse...

Caro,

Fico muito feliz que o trabalho esteja chegando a olhos e ouvidos generosos. É uma das coisas legais de ter um espaço como este, saber que estamos nos comunicando através dos mares e das montanhas.

grande abraço

Domeneck

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