O sobrenome não engana: trata-se do filho francês do cineasta grego Constantino Costa-Gavras (n. 1933), autor de filmes com intenso caráter político e desejo de intervenção e denúncia, como o importantíssimo Z (1969), com roteiro de Jorge Semprún (n. 1923) e baseado no romance de Vassilis Vassilikos (n. 1934), além de État de Siège (1972) e Missing (1982).
Romain Gavras nasceu em Paris, em 1980. Após dirigir alguns curtas, o jovem videasta alcançou certo reconhecimento com seu vídeo para a faixa "Signatune", do produtor musical francês Mehdi Favéris-Essadi (n. 1977), conhecido como DJ Mehdi.
DJ MEHDI, Signatune from ROMAIN-GAVRAS on Vimeo.
"Signatune" (2007), DJ Mehdi - vídeo de Romain Gavras.
Ao ver o vídeo pela primeira vez, senti uma simpatia imediata, por reconhecer nele um tipo de "abordagem do real" que vira, antes, também em um cineasta francês que admiro imensamente: Bruno Dumont (n. 1958). Filmes como La vie de Jésus (1997) e L'humanité (1999) tiveram um impacto gigantesco sobre o meu trabalho, especialmente à época em que escrevia os poemas de Carta aos anfíbios (2000 - 2004), publicado em 2005. Não estou tentando "comparar" Romain Gavras a Bruno Dumont. Mas não creio ser far-fetched a referência.
No entanto, nada se compararia ao furor que Romain Gavras causaria em 2008, com seu vídeo para a faixa "Stress", do duo francês Justice, formado por Gaspard Augé (n. 1979) and Xavier de Rosnay (n. 1982). Lançado à época dos conflitos entre a polícia do governo francês e muitos franceses e imigrantes nos subúrbios de Paris, o vídeo de Gavras se tornaria um dos mais discutidos da década, sendo proibido em alguns lugares e muito criticado por aqueles que viram no vídeo o que chamaram de "apologia da violência" ou incitação ao tumulto. Para alguns, tratava-se de um vídeo que se portava racista, na tentativa de abordar o racismo da sociedade francesa contemporânea.
Jus†ice, Stress from ROMAIN-GAVRAS on Vimeo.
"Stress" (2008), do Justice - vídeo de Romain Gavras.
Em um meio auto-complacente e preguiçoso como o da música pop atual, o vídeo passou como um furacão e despertou discussões mais que necessárias. Há, obviamente, muitos aspectos delicados, questões abertas para o debate. Como estrangeiro vivendo na Europa, mesmo que na razoavelmente tolerante Alemanha, as perguntas me interessavam, especialmente por se tornar cada vez mais claro que a imigração e convivência entre línguas e religiões estarão entre os pontos cruciais na política europeia da década que está para se abrir. Como referência imediata, penso em dois filmes soberbos do mestre Michael Haneke: tanto Code inconnu (2000) como Caché (2005).
Ontem, o jovem francês voltou a estar em todas as bocas do continente, ao lançar o vídeo para a canção "Born Free", de Maya Arulpragasam, conhecida como M.I.A.. Interessado em discutir mais uma vez as relações raciais no mundo ocidental, Gavras imaginou a seguinte sociedade distópica:
M.I.A, Born Free from ROMAIN-GAVRAS on Vimeo.
"Born Free" (2010), M.I.A. - vídeo de Romain Gavras.
As acusações e os gritos já começaram na blogosfera europeia. "Incitação à violência", "mau gosto", "marketing demagogo", as acusações tornaram-se ainda mais veementes que à época do vídeo para "Stress". A cena final, com a explosão gráfica do corpo de um garoto, parece ser o foco das acusações de "mau gosto". Não deixaria de concordar, neste caso. A cena em que o menino leva um tiro na cabeça tem sido chamada de "exagerada" por muitos. Uma pergunta possível seria: vale qualquer estratégia, mesmo que tida como perigosa por alguns, para iniciar ou incitar um debate? Não podemos nos esquecer que esta "sociedade distópica" imaginada por Gavras, na qual ruivos seriam discriminados, perseguidos e assassinados, existe neste exato momento no mundo, substituindo o ruivo por outras cores de cabelo e pele. Cenas como essa ocorreram nos Estados Unidos até muito pouco tempo, em perseguição dos cidadãos negros daquele país. As chacinas nos subúrbios das grandes cidades brasileiras são ainda fatos. Vivendo na Alemanha, os massacres de judeus, ciganos e homossexuais vêm imediatamente à mente, claro. A situação entre árabes e israelenses não está distante, ou das minorias dentro da República Popular da China. Referências possíveis no cinema seriam os ótimos Punishment Park (1971), de Peter Watkins, e Children of Men (2006), de Alfonso Cuarón.
Numa sociedade que parece querer impor o discurso unívoco do capital triunfante, que uns querem "pós-utópica" e "trans-histórica", talvez apenas o choque nos arranque de nossa complacência sorridente. Parece ser esta a atitude de jovens como Romain Gavras.
E você, meu querido, hypocondriaque lecteur,—mon semblable,—mon frère, o que você acha?
§ - Como Ler Uma Antologia de Poesia Comunista Apenas Como Uma Antologia Comunista de Poesia.
Creio já ter falado neste espaço sobre o impressionante número de publicações de poesia na antiga Alemanha Oriental, ou República Democrática Alemã (1949 - 1990). O número de antologias de poetas russos é, obviamente, compreensível, mas não se trata apenas de livros de Maiakóvski. Encontramos muitos trabalhos de poetas que a Revolução acusou de "decadentes" e proibiu, como Iessienin e Mandelshtam, com as traduções de Paul Celan para este último, talvez o que o romeno tenha produzido de melhor em sua vida. Há uma bela coleção de antologias para poetas modernistas internacionais que, se traz os velhos nomes de poetas ligados ao Partido Comunista, também apresenta poetas bem distantes de uma "imagem politizada", eu diria, como Dylan Thomas e Wallace Stevens.
Encontrei há pouco tempo, em um sebo, uma bela edição intitulada Lyrik unseres Jahrhunderts (Berlin: Verlag Neues Leben, 1962). Poderíamos traduzir o título como "Poesia do nosso século". Editada na Alemanha Oriental em 1962, ou seja, apenas um ano após a construção do Muro de Berlim, é óbvio que a antologia está completamente marcada pelas batalhas ideológicas de então. O que a torna, em alguns aspectos, interessantíssima, em minha opinião. O prefácio dos editores menciona, em tom que hoje nos parece mais que risível, conceitos como os de "quebra com a literatura burguesa", "resistência contra o monopólio capitalista", "voz popular" e "solidariedade na luta de classes", tudo muito distante de uma discussão estética ou mesmo est-É-tica. A discussão é essencialmente política. Assim, um dos primeiros fatores a despertar nosso interesse é: que poetas modernistas poderiam ser sequestrados por este discurso?
Algumas inclusões são óbvias, como o russo Vladimir Maiakóvski (1893 - 1930), o alemão Bertolt Brecht (1898 - 1956) e o chileno Pablo Neruda (1904 - 1973). Outras, menos, ainda que saibamos da filiação destes poetas ao Partido Comunista de seus países e à resistência contra o fascismo, como é o caso do francês Paul Éluard (1895 - 1952) e do turco Nazim Hikmet (1902 - 1963). Como o prefácio menciona a luta contra o colonialismo, a antologia inclui poetas ligados a estas questões, como o haitiano René Depestre (n. 1926) e a nigeriana Mabel Imoukhuede (n 1933), que hoje adota o nome de Mabel Segun.
Alguns eu desconhecia por completo, como o argelino Mohammed Dib (1920–2003), o romeno Eugen Jebeleanu (1911 - 1991) ou o colombiano Darío Samper, que parece ter feito parte, na Colômbia, dos poetas da década de 30 que se ligariam ao ativismo político, algo que ocorreu no Brasil (pensemos em Carlos Drummond de Andrade ou o trabalho de Oswald de Andrade nesta década), nos Estados Unidos (entre os Objectivists, como Louis Zukofsky e George Oppen) ou na Inglaterra (com o trabalho inicial de W.H. Auden e poetas como Cecil Day Lewis e Stephen Spender), sem mencionar a "virada comunista" de muitos poetas franceses. Outro exemplo "obscuro" (que se deve por certo à minha ignorância) é o americano Frank Horne (1899 - 1974), ligado ao movimento da Harlem Renaissance, da qual o poeta mais famoso, incluído também na antologia, é Langston Hughes (1902 - 1967).
Algumas inclusões surpreendem um pouco, como o espanhol Federico García Lorca (1898 – 1936), que parece "conquistar" seu espaço menos pela política de sua poesia que pela forma como morreu, ou o russo Serguei Iessienin (1895 - 1925) e o húngaro Attila József (1905 - 1937).
Uma antologia como esta é um artefato privilegiado para pensarmos sobre a sobrevivência de um poema em meio a discursos ideológicos alheios à sua escrita. Um poema, devemos lembrar, não sobrevive por seus temas. "Este rei é mau" é tema tão antigo e válido quanto "Eu te amo", importando, é claro, como o poeta o transpôs em forma, técnica. Trabalhos como A Rosa do Povo, de Drummond, e Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão, de Oswald, ambos de 1945, serão lidos para sempre, pois, muito além da "temática", são livros e poemas lindamente escritos. O mesmo pode ser dito de textos como "Aos que vão nascer", de Brecht, ou "A palavra capitalismo", de Maiakóvski, incluídos na antologia, poemas inteligentes e bem-escritos.
Outros textos, também incluídos na antologia, eram péssimos em 1962, são péssimos hoje e seguirão sendo péssimos, como "Ao meu partido", de Neruda.
Mas nós celebramos o bom poema, daquele e daquela que sabem a hora de dizer "Eu te amo" e a hora de dizer "Morte ao tirano" e, a cada um, dedicam-se com inteligência, sensibilidade e competência técnica.
ALGUNS POEMAS OU POETAS INCLUÍDOS NA ANTOLOGIA
(nos originais ou traduções que pude encontrar na Rede, para compartilhar convosco)
Angina Pectoris
Nazim Hikmet
If a half of my heart is here
the other half is in China, doctor.
In the army flowing towards
the Yellow river.
Then, every dawn, doctor,
every dawn, my heart,
is shot in Greece.
Then, every night when the prisoners fall asleep
and the infirmary is deserted
my heart is in an old large house at Chamlicha,
every night
doctor.
Then, after these ten years,
to offer my poor people
I have only one apple in my hand, doctor,
a red apple :
my heart...
Not arteriosclerosis, not nicotine, not prison,
that’s the reason, my doctor, that’s the reason
of my angina pectoris....
I am looking at the night through the bars
and in spite of the pressure on my chest
my heart beats with the most distant star...
tr. by Fuat Engin
§
With a pure heart.
Attila József
Without father without mother
without God or homeland either
without crib or coffin-cover
without kisses or a lover
for the third day - without fussing
I have eaten next to nothing.
My store of power are my years
I sell all my twenty years.
Perhaps, if no else will
the buyer will be the devil.
With a pure heart - that's a job:
I may kill and I shall rob.
They'll catch me, hang me high
in blessed earth I shall lie,
and poisonous grass will start
to grow on my beautiful heart.
Translated by Thomas Kabdebo
§
The Negro Speaks of Rivers
Langston Hughes
I've known rivers:
I've known rivers ancient as the world and older than the
flow of human blood in human veins.
My soul has grown deep like the rivers.
I bathed in the Euphrates when dawns were young.
I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe Lincoln
went down to New Orleans, and I've seen its muddy
bosom turn all golden in the sunset.
I've known rivers:
Ancient, dusky rivers.
My soul has grown deep like the rivers.
§
Galope
Rafael Alberti
Las tierras, las tierras, las tierras de España,
las grandes, las solas, desiertas llanuras.
Galopa, caballo cuatralbo,
jinete del pueblo,
al sol y a la luna.
¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!
A corazón suenan, resuenan, resuenan
las tierras de España, en las herraduras.
Galopa, jinete del pueblo,
caballo cuatralbo,
caballo de espuma.
¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!
Nadie, nadie, nadie, que enfrente no hay nadie;
que es nadie la muerte si va en tu montura.
Galopa, caballo cuatralbo,
jinete del pueblo,
que la tierra es tuya.
¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!
§
Alle fronde dei salici
Salvatore Quasimodo
E come potevano noi cantare
Con il piede straniero sopra il cuore,
fra i morti abbandonati nelle piazze
sull’erba dura di ghiaccio, al lamento
d’agnello dei fanciulli, all’urlo nero
della madre che andava incontro al figlio
crocifisso sul palo del telegrafo?
Alle fronde dei salici, per voto,
anche le nostre cetre erano appese,
oscillavano lievi al triste vento.
§
Sobre o pobre B.B.
Bertolt Brecht
1
Eu, Bertolt Brecht, vim das florestas negras.
Minha mãe trouxe-me, no abrigo
de seu ventre, às cidades. E, enquanto eu viver,
o frio das florestas estará comigo.
2
Na cidade de asfalto estou em casa.
Recebi cada extrema-unção logo, a saber:
jornais, álcool, tabaco. Cheio
de suspeitas, preguiça e, afinal, de prazer.
3
Eu sou cordial com todos. Ponho
um chapéu-coco, pois isto é normal.
Eu digo: que animais de cheiro estranho.
E digo: tudo bem, eu sou igual.
4
Eis que em minhas cadeiras vagas, de manhã,
uma mulher ou outra se balança.
Olho-a sem pressa e digo-lhe: dispões
em mim de alguém que não merece confiança.
5
À noite eu me reúno com os homens.
Tratamo-nos de gentlemen. O bando,
com pés na minha mesa, diz que tudo
vai melhorar. E eu nem pergunto: quando?
6
À luz da aurora gris pinheiros mijam
e os pássaros, seus vermes, abrem o alarido.
É quando, na cidade, esvazio o meu copo,
jogo fora o charuto e me recolho aflito.
7
Nós, geração leviana, vivemos em casas
supostamente eternas. (Desse modo, além
de altos caixotes em Manhattan, construímos
junto do Atlântico as antenas que o entretêm.)
8
Restará das cidades quem as cruza: o vento.
A casa alegra o comensal que a dilapida.
Sabemos bem que somos provisórios.
Nem vou falar do que virá logo em seguida.
9
Manter, sem mágoa, nos futuros terremotos,
o meu Virgínia aceso — já me satisfaz.
Eu, Bertolt Brecht, que, das florestas às cidades,
vim no ventre materno, anos atrás.
(tradução de Nelson Ascher)
§
A Plenos Pulmões
Vladimir Maiakóvski
Primeira Introdução ao Poema
Caros
..........camaradas
......................futuros!
Revolvendo
........a merda fóssil
.........................de agora,
......perscrutando
estes dias escuros,
talvez
...............perguntareis
.............................por mim. Ora,
começará
.................vosso homem de ciência,
afagando os porquês
..............num banho de sabença,
conta-se
........que outrora
...............um férvido cantor
a água sem fervura
..........................combateu com fervor
Professor,
..........jogue fora
.................as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
................de mim
.......................de minha era.
Eu – incinerador,
................ eu – sanitarista,
a revolução
....................me convoca e me alista.
Troco pelo “front”
.......... a horticultura airosa
da poesia –
....................fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim
...virgem
.................vargem
..........sombra
...............................alfombra.
"É assim o jardim de jasmim,
o jardim de jasmim do alfenim."
Estes verte versos feito regador,
aquele os baba,
boca em babador, –
bonifrates encapelados,
......................descabelados vates –
entendê-los,
................ao diabo!,
...........................quem há-de...
Quarentena é inútil contra eles -
.....................mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
.......................ta-ran-ten-n-n..."
Triste honra,
.................se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
...........escarra a tuberculose;
putas e rufiões
.................numa ronda de sífilis.
Também a mim
..........a propaganda
........................cansa,
é tão fácil
........alinhavar
................romanças, –
mas eu
..........me dominava
...................entretanto
e pisava
............a garganta do meu canto.
Escutai,
.............camaradas futuros,
o agitador,
o cáustico caudilho,
o extintor
.............dos melífluos enxurros:
por cima
..........dos opúsculos líricos,
eu vos falo
............ como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
...... à Comuna distante,
não como Iessiênin,
.........................guitarriarcaico.
Mas através
..... dos séculos em arco
sobre os poetas
.....................e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
................não como a seta
lírico-amável,
..............que persegue a caça.
Nem como
..........ao numismata
............... a moeda gasta,
nem como a luz
.....................das estrelas decrépitas.
Meu verso
..........com labor
.............. rompe a mole dos anos,
e assoma
.....a olho nu,
................ palpável,
......................bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
.................por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
.............. versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
..........................como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
................mas terrível.
Ao ouvido
.........não diz
................blandícias
.........................minha voz;
lóbulos de donzelas
..........de cachos e bandós
não faço enrubescer
.............................com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
..........– tropas em parada,
e passo em revista
...........................o front das palavras.
Estrofes estacam
............. chumbo-severas,
prontas para o triunfo
..........ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
.............. as maiúsculas
.......... abertas.
Ei-la,
.....a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
......................alerta para a luta.
Rimas em riste,
......sofreando o entusiasmo,
eriça
........suas lanças agudas.
E todo
......este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
.................proletários do planeta,
cada folha
.............até a última letra.
O inimigo
......da colossal
................classe obreira,
é também
meu inimigo
................figadal.
Anos
........de servidão e de miséria
comandavam
...............................nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
..........volume após volume,
janelas
.............de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
........................saberíamos o rumo!
onde combater,
................de que lado,
.......................em que frente.
Dialética,
..........não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
....... ao fragor das batalhas,
quando,
sob o nosso projétil,
debandava o burguês
.........................que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
.....................– glória –
se arraste
após os gênios,
..............merencória.
Morre,
..........meu verso,
.....................como um soldado
anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
......sobre o bronze pesadíssimo,
cuspo
..........sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
....................entre nós todos, –
o comum monumento:
o socialismo,
.............forjado
........................na refrega
.................................e no fogo.
Vindouros,
..........varejai vossos léxicos:
......................do Letes
.............................brotam letras como lixo –
"tuberculose",
.........."bloqueio",
.............."meretrício".
Por vós,
........geração de saudáveis, –
...................um poeta,
....................com a língua dos cartazes,
lambeu
..........os escarros da tísis.
A cauda dos anos
..............faz-me agora
....................um monstro,
......................fossilcoleante.
Camarada vida,
............vamos,
................para diante,
galopemos
.......pelo qüinqüênio afora.
Os versos
......para mim
...............não deram rublos,
.....................nem mobílias
.................de madeiras caras.
Uma camisa
.......lavada e clara,
.....................e basta, –
..............................para mim é tudo.
Ao Comitê Central
..................do futuro
.......................ofuscante,
.........................sobre a malta
...................dos vates
velhacos e falsários,
.....................apresento
.............................em lugar
do registro partidário
......todos
.................os cem tomos
.....................dos meus livros militantes.
tradução de Haroldo de Campos
Um comentário:
Sobre os vídeos: olha, eu achei a idéia inicial dos dois vídeos polêmicos muito interessante. Eles me lembram o tipo de inversão absurdista ma non troppo da peça "A Day of Absence" e dos filmes "Un dia sin mexicanos" e "White Man's Burden", em que o absurdo de uma situação real é exposto pela simulação de uma situação "invertida". Mas por outro lado todos aquelas camara-lentas e aqueles closes com a música climática e a fotografia me remetem a uma estética fascista de glamourização da violência muito comum no cinema americano de direita. Não me entenda mal: no fim das contas eu gostei dos vídeos, mas fico me lembrando do que dizia William Blake sobre Milton.
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