sexta-feira, 16 de abril de 2010

Para não dizer que não desanuviei com música a véspera do dilúvio

Pausa nos debates entristecidos sobre nossas responsabilidades no apocalipse contemporâneo, para falar sobre música, o que não significa deixar de falar de poesia. Meu trabalho como poeta preenche em grande parte este espaço, assim como minhas obsessões críticas, mas jamais o separo muito de meu trabalho como DJ também, que vejo como uma espécie de antologista de poesia lírica, e do qual sugo muita energia e implicações para uma pesquisa do trabalho de colagem, intertextualidade e recontextualização de textos alheios. Em alguns clubes, fazer com que o povo dance é a prioridade (em muitas comunidades isto era trabalho do poeta também), mas em certos locais já tive a possibilidade de fazer de um DJ set uma espécie de longa colagem sonora/textual, com minha ênfase na música-letrada, sempre com vocais. Bom, este é apenas um preâmbulo para os que não gostam dos que saltitam entre práticas artísticas que os últimos séculos segregaram em gêneros distintos, para nossa perda.

Gostaria de falar de alguns lançamentos recentes que têm atraído muita atenção, pelo menos aqui no Berlimbo.

§ - Dan Snaith, mais conhecido como Caribou.

O primeiro de que gostaria de falar é do canadense Dan Snaith (n. 1978), que se apresenta com o codinome Caribou. Doutor em matemática pela Imperial College London, o último álbum do canadense, chamado Swim (2010), tem sido apontado como candidato a "melhor do ano" (whatever that means) e é o álbum de cabeceira, neste momento, de vários amigos meus no Berlimbo. Ele lançou o primeiro álbum no início da década, Start breaking my heart (2001), quando ainda se apresentava como Manitoba.

Em uma cidade apaixonada por seus músicos eletrônicos minimalistas, é natural que um ábum como Swim cause fervor. Há algo estranhamente familiar no som do álbum, creio que se ouve que Snaith foi um adolescente da década de 90. Ainda não consegui me decidir se esta "familiaridade" do seu som faz do álbum um "clássico atemporal" ou na verdade algo lindamente datado. Os dois muitas vezes se confundem. A canção "Odessa" é realmente muito bonita, a voz de Dan Snaith muito, muito prazerosa na vida de meus tímpanos tão fatigados.



(vídeo para a canção "Odessa", de Dan Snaith aka Caribou)


§ - Owen Pallet, mais conhecido como Final Fantasy.

O também canadense (aquele país viu uma explosão no número de ótimos músicos na década que se encerra) Owen Pallett (n. 1976) surgiu com o álbum Has a Good Home (2005), apresentando-se como Final Fantasy. Alcançou notoriedade com o álbum He Poos Clouds (2006), com canções escritas, pasme, sobre as escolas de magia descritas no manual de instruções do jogo Dungeons & Dragons. Após ser processado pelos donos do copyright para o jogo Final Fantasy, Owen Pallett lançou este ano o álbum Heartland, com seu próprio nome. "Lewis takes off his shirt" é o primeiro vídeo oficial do álbum.



(vídeo para a canção "Lewis takes off his shirt", de Owen Pallett)


§ - Joanna Newsom

Em 2008, escrevi um pequeno artigo sobre a americana Joanna Newsom (n. 1982) para a Modo de Usar & Co., apresentando-a como poeta lírica, herdeira também das trobairitz medievais. Seu álbum de poemas líricos YS (2006) foi uma das coisas mais impressionantes da década. Com arranjos e letras densas, o álbum exigia bastante de seu público. Ela retorna agora, ambiciosa e impressionante, com o álbum triplo Have One On Me (2010), do qual mostro aqui a canção "Good Intentions Paving Company", com sua letra linda e voz katebúshica de Newsom.



(canção e letra para "Good Intentions Paving Company", da trobairitz contemporânea e poeta lírica norte-americana Joanna Newsom)

§ - Jón Thór Birgisson, conhecido como Jónsi.


O poeta lírico e sonoro islandês Jón Thór Birgisson (n. 1975) ficou conhecido como vocalista e letrista da banda Sigur Rós. Seu concerto em São Paulo, no Free Jazz Festival de 2001, foi uma das coisas mais bonitas que experimentei. O islandês volta agora em carreira solo, com o álbum Go (2010). Deleite.


Go Do from Bizzle Bizzle on Vimeo.


(vídeo para a canção "Go do", do islandês Jón Þór Birgisson, que se apresenta como Jónsi.)


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E nós poetas-escritores queremos competir com estas criaturas pela atenção do público de poesia? Nós somos mesmo uns pobres coitados. Mas podemos ao menos escutá-los, e invejá-los em cada fibra de nossos ossos mudos de tinta, enquanto enchemos nossos papos arrogantes e falamos sobre "materialidade" e "signo", o povo boceja e vai escutar os poetas líricos, o que, aliás, o público nunca deixou de fazer.

Ou podemos hoje mesmo começar a bater às portas dos músicos, propondo-lhes um negócio lucrativíssimo: nós entramos com os textos, eles com a música e todo mundo sai ganhando. Especialmente a comunidade, sedenta por poesia.

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5 comentários:

Leandro Damasio disse...

Sem pensar duas vezes, assino em baixo deste post.

Anônimo disse...

Perfeito (e confuso, rsrs)! A saída está na fusão daquilo que se separou (artificial e abstratamente, por sinal). De fato, após uma volta completa por rumos próprios, cada um dos caminhos (música e poesia) pode (deve, eis a urgência do que vc aponta) afinal andar de mãos dadas novamente, consolidando a reaproximação (daquilo que efetivamente nunca esteve afastado); mas enfim trazendo consigo tudo o que inventou "sozinho".

Ricardo Domeneck disse...

Hoje em dia eu me reservo o direito de ser contraditório.

Mas, na verdade, não acho que a fusão tenha que ser completa ou absoluta. Sempre haverá (e é bom que haja) pesquisas distintas. Certos trabalhos pedem mesmo apenas o papel, outros apenas a voz.

Mas há muita poesia que ganharia muito com a fusão. O que me parece urgente é a quebra das hierarquias entre as pesquisas poéticas, o que não significa abolir a crítica.

grande abraço

Ricardo

m. sagayama disse...

ah, boas dicas!

o show do owen pallet foi um dos mais legais que vi em 2008 ou 2009, não me lembro mais...

Dicas por dicas, viu que vazaram os novos do Mgmt e do Lcd soundsystem?

Ricardo Domeneck disse...

Mario,

es gostei do disco novo do MGMT. Do LCD Soundsystem só ouvi o primeiro single. Gostei.

beijo

Domeneck

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