sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Corinne Day (1965 - 2010)

Soube apenas hoje que a fotógrafa britânica Corinne Day faleceu no final do mês passado. Após lutar por alguns anos contra um tumor no cérebro, Day morreu em Londres, a 27 de agosto. Talvez uma das mais icônicas criadoras de imagens da década de 90 e ao mesmo tempo uma das mais obscuras, a imagem de Day está intimamente ligada à de Kate Moss. As duas tornaram-se famosas juntas, de certa forma. Foi uma sessão de Corinne Day com Kate Moss para a extinta revista The Face que lançaria e sedimentaria a carreira das duas. Moss, a deslumbrante (escrevam o que quiserem os cinquentões, com seus poemas que demonstram uma mentalidade poética e política equivalente à de um adolescente de 16 anos) tinha apenas 16 anos.





A fotógrafa foi bastante vilipendiada pela crítica, por criar imagens que passaram a ser vistas como o exemplo máximo do chamado heroin chic. O que posso dizer é o seguinte: como adolescente magricelo e acanhado, olhando ao redor e sentindo a pressão de uma sociedade que parecia valorizar apenas a beleza musculosa, foi liberador ver as fotos de Corinne Day, que para mim queriam apenas dizer que estava tudo bem, eu podia ser magricelo, pálido, desengonçado, esquisito, raquítico, fora do padrão. Eu não precisava de bíceps avantajados para sentir-me bem no meu próprio corpo. Além disso, cansado como eu mais tarde estava daquela coisa bem comportada dos poetas da década de 90, tão respeitosos dos mais velhos, tão preocupados com o sublime e a Beleza com aquele gigantesco B maiusculíssimo, eu encontraria em fotógrafos do pós-guerra como Lisette Model e Diane Arbus, os da década de 70, como Nan Goldin, Nobuyoshi Araki e Walter Pfeiffer, assim como seus seguidores da década de 90, Corinne Day, Wolfgang Tillmans, Heinz Peter Knes, Jack Pierson, etc., aquela saúde de quem queria a beleza, mas sem mascarar o que havia de grotesco (uso este último adjetivo com o maior respeito, respeito bakhtiniano), daqueles que queriam SIM subir aos céus, mas não estavam dispostos a esconder suas secreções corporais, ou fingir que elas não existiam. É isso o que eu via nas fotos de Corinne Day e alguns de seus companheiros de geração ou seus mestres, mas, para o mundo dos limpinhos, parecendo querer fingir que não possuem um ânus entre os glúteos, tratava-se de mera celebração da degradação. Para eles, o "grotesco" era algo a ser evitado a qualquer custo. Eu não tenho vergonha de escorrer em líquidos, minhas secreções não me degradam. Meu interesse por estes fotógrafos era o mesmo que me levava à leitura de Wittgenstein, e a buscar poetas fora do Rol dos Escolhidos da década de 90 (os sequinhos-contidos-econômicos), encontrando os impulsos de saúde úmida que buscava na brasileira Hilda Hilst, na argentina Susana Thénon, no americano Frank O´Hara, no alemão Rolf Dieter Brinkmann, no francês Emmanuel Hocquard, etc. Daí minha obsessão com o corpo (grotesco) e todas as suas secreções em um livro como Carta aos anfíbios (2005). Daí minha eleição de Murilo Mendes como mestre. Meu amor por Arthur Bispo do Rosário, por Lygia Clark, por José Leonilson, por Félix González-Torres. Por Corinne Day. Descanse em paz, moça.


PEQUENA SELEÇÃO DE FOTOS DE CORINNE DAY









2 comentários:

vodca barata disse...

ric, esse post é demais. tem um olhar totalmente novo sobre a crítica de fotografia.

adorei como tu fala do "real" (entre aspas, mesmo, porque né, a única coisa real que a gente conhece é a de um)... acho que tu poderia ler esse post do professor ronaldo entler, em que ele rebate uma crítica que o ferreira gullar fez à bienal.

http://www.iconica.com.br/?p=1100

Ricardo Domeneck disse...

vou ver o link, honey bunny.

kiss

ricardo

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