sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Os poemas de Mariano Blatt e seu candor saudável

NOTA: Antes de reproduzir aqui meu artigo sobre a poesia do argentino Mariano Blatt, publicado na Modo de Usar & Co., assim como minhas traduções para sete poemas seus, pareceu-me necessário fazer uma pequena advertência, para impedir aquelas usuais ofensas desnecessárias. Não sei se o problema que gostaria de evitar se estende a muitos outros países, mas sei que no Brasil, com sua frequente obsessão pela eleição de um único e idolatrado "Grande Poeta Nacional", ele se torna algo eminente. Pois por vezes basta que se elogie ou discuta um poeta, para que alguns espíritos acreditem que se está a preconizar aquelas características ou estilo como ÚNICO ou MELHOR, como se cada crítica não passasse de um formulário de admissão no CÂNONE, esta coisa que mais nos atrapalha que ajuda (em minha opinião). Na verdade, faz algum tempo que ando querendo escrever sobre estes dois conceitos complicadíssimos e escorregadios, o de cânone (que vem do vocabulário religioso) e o de vanguarda (que vem do vocabulário militar), mas este não será o espaço para isso. A característica da poesia de Mariano Blatt que me parece uma alegria seria muito saudável se considerada com mais calma por muitos poetas brasileiros, mas não estou tentando insinuar que todos devessem escrever assim. Eu próprio, na gigantesca maioria de meus poemas (como vocês verão ao lerem os poemas de Blatt), estou longinquamente distante de possuir sequer sombra deste candor que identifico nele. Há hoje no Brasil muitos poetas em atividade que aprecio muito, alguns deles incrivelmente diferentes entre si. Poderia mencionar aqui, a mero título de exemplo, Angélica Freitas e Érico Nogueira, passando pelos trabalhos de Juliana Krapp ou Dirceu Villa; mas não se trata de canonização, mas da coisa feliz que é aquilo que Gertrude Stein chamava de (algo assim como) "alegria de possuir contemporâneos", ou de que "nossos contemporâneos sejam realmente nossos contemporâneos". Assim dito, eis que:


Os poemas de Mariano Blatt e seu candor saudável




Mariano Blatt nasceu em Buenos Aires, em 1983. Além de textos esparsos editados em revistas e plaquetas, publicou a coletânea Increíble (2007), sua estreia, seguida de Pibe de Oro (2009). Com Damián Ríos, Mariano Blatt fundou em 2006 a pequena editora Recursos Editoriales. O poeta vive e trabalha em Buenos Aires.


Diga a meu avô

diga a meu avô
que os nazistas partiram
mas diga-lhe também
que agora explodem bombas longínquas
e caem nos campos
loiros entre os milhos.
diga-lhe que os vermelhos
abandonaram a cidade
e ningué crê
que hão de voltar.
em suma diga-lhe
que o zoológico está vazio
ou pergunte-lhe se se lembra
da angústia do espaço reduzido.

Mariano Blatt, tradução de Ricardo Domeneck


Dile a mi abuelo : dile a mi abuelo / que los nazis se han retirado / pero dile también / que estallan ahora bombas lejanas / y caen en los campos / rubios entre el maíz. / dile que los rojos / abandonaron la ciudad / y nadie creé / que vayan a volver. / a lo sumo dile / que el zoológico está vacío / o pregúntale si aun recuerda / la angustia del espacio reducido.




Em sua aparente simplicidade, marcada pela escrita como notação da língua falada, Mariano Blatt compõe seus poemas com várias técnicas e figuras ligadas à poética oral, como a paranomásia, a onomatopeia, e aquilo que já foi chamado de enumeração caótica como característica marcante de certa poesia moderna, além do uso da prosopopeia, e de uma espécie de anáfora intermitente, recorrendo a repetições de versos que se espraiam pelo texto, gerando sua carga poética a partir de certo deslocamento do coloquial, mesclando registros. Muito disso poderíamos remontar ao trabalho de bardos celtas medievais como Taliesin, e dos praticantes da chamada Spruchdichtung germânica, também medieval. Entre os poetas contemporâneos que tenho lido, Blatt é certamente um dos autores mais diretos em sua enduring emotion, parafraseando Pound, que se sustém de maneira tão firme, e é o menos livresco dos poetas em atividade na América Latina, especialmente em tempos de hipertrofia do uso da chamada intertextualidade e certo abuso no saque da autoridade poética alheia em nome do uso de referências literárias. É aqui que eu gostaria de discutir a característica de sua poesia que mais me alegra.


§

Ser a raiva do dobermann

ser a raiva do dobermann
que busca com seu focinho a presa
fácil esconderijo porque nos sabemos
sem perfume. (ou ser a evidência
destas mudanças de sensibilidade
ao largo da história).

Mariano Blatt, tradução de Ricardo Domeneck

Ser la rabia del dóberman: ser la rabia del dóberman / que busca con su hocico la presa / fácil esconderse porque uno se sabe / falto de perfume. (o ser la evidencia / de estos cambios de sensibilidad / a lo largo de la historia).


Pensei algum tempo em como poderia nomear ou tentar conceituar esta característica da poesia de Blatt, e a palavra que constantemente voltava à minha cabeça era candor. No entanto, eu sabia que para certa sensibilidade contemporânea, algo cínica, isso poderia ser facilmente mal-interpretado. É por isso que tentarei me esforçar um pouco para explicar o que quero dizer com este candor poético que afirmo alegrar-me muito ao ler os textos deste jovem poeta, uma característica que me parece tão saudável e exemplar. Aqui, gostaria de mencionar certa passagem do clássico de Alexis de Tocqueville, Democracia na América (1835/1840), muito discutida por críticos literários norte-americanos. Discutindo as possibilidades críticas da poesia no “Novo Mundo”, Tocqueville escreveu: “Entre povos democráticos, a poesia não será alimentada por lendas ou os monumentos de velhas tradições. Faltam-lhes todos estes recursos; mas permanece o Homem, e o poeta de nada mais precisa. Os destinos da humanidade, o próprio homem extirpado de seu país e de sua época e de pé na presença da Natureza e de Deus, com suas paixões, suas dúvidas, seus raros sucessos e sua miséria inconcebível, estes se tornarão o principal, se não o único tema da poesia entre estas nações.”



Os textos de Mariano Blatt nascem exclusivamente de sua vivência, compostos então com todas as técnicas disponibilizadas pela tradição oral, mas mantendo um frescor invejável que só se obtém ao saber caminhar na corda-bamba que é a fronteira entre o falado e o escrito, entre o que eu ousaria chamar de artifícios da fala dita natural e a natureza poética dos artifícios literários. É poesia de uma linhagem que já chamei de pós-bárdica, de uma poética que anseia pelo oral e submete-se ao escrito como registro digno de sua origem, de uma nova Spruchdichtung, ou, como quer Chacal, de uma poesia falada, talvez. Não há nem sombra da tentativa de saquear a “autoridade” poética de nomes consagrados pela emulação ou citação. É a sensibilidade do poeta que legitima sua escrita, não a tentativa de enquadrar-se em qualquer linhagem da tradição. É poesia que nasce de uma experiência corporal, e que melhor manifesta-se quando também corpORALIZADA, para usarmos a expressão de Ricardo Aleixo. É poesia, portanto, que busca o teso, feita para gargantas eretas. O que não quer dizer que sua poesia seja órfã ou desligada da tradição. Em sua sensibilidade contemporânea, liga-se, eu ouso dizer, à poesia telúrica de Catulo, em seu borrar da linha entre arte e vida, referindo-se por nome a seus amigos, seus/suas amantes, fincada no existir em uma cidade específica, Roma, com sua política e vadiagem. Mas sabemos que Catulo estava trabalhando dentro das formas preditas pela poesia clássica, a de Safo especialmente, e da cultura helenística de poetas como Calímaco. A poesia de Mariano Blatt, em sua insistência por uma escrita oralizável, se assemelha mais aos poetas medievais que trabalhavam dentro de formas dadas pela tradição oral, como por exemplo da poesia árabe, e de tradições locais, como a dos bardos celtas dos séculos V ao IX, os já mencionados Taliesin e Aneirin entre os mais famosos; poetas germânicos ligados à Spruchdichtung, como Spervogel (floruit circa 1170), distintos da tradição do Minnesang, e que tem marcas que creio ver sobreviver até poetas como Bertolt Brecht (1898 – 1956), passando por Heinrich Heine (1797 – 1856) --- a coincidência entre as datas de nascimento e morte marcando apenas mais uma das grandes semelhanças entre estes dois poetas; e chegando ao século XX ainda em poetas como o francês Pierre Albert-Birot, e os autores norte-americanos da chamada Escola de Nova Iorque, como Frank O´Hara e John Ashbery, sem mencionar poetas como Allen Ginsberg e Gregory Corso. Não é uma prática tão comum no Brasil. Poetas como Manuel Bandeira, entre os modernistas, e Angélica Freitas entre os contemporâneos, têm uma carga poética muito mais agridoce, digamos, distinta da sensibilidade francamente celebratória de Mariano Blatt, sempre propenso à ode, como Frank O`Hara antes dele. Um poema maravilhoso como "Cântico dos cânticos para flauta e violão" (1945), de Oswald de Andrade, seria o melhor exemplo desta sensibilidade no Brasil. Dito tudo isso, é hora de deixá-los com os poemas saudáveis, no melhor sentido da expressão, de Mariano Blatt.


--- Ricardo Domeneck


:


NOTA: O tradutor agradece a André Costa pela revisão das traduções, com várias correções e sugestões.



POEMAS DE MARIANO BLATT



Aqui está tudo bem

aqui está tudo bem
quando termine o inverno
e a primavera chegue logo
mas depois do vinte-e-um
e as saudações já abertos
os presentes se os houver
então antes do verão
quero que a gente se vá
do campo quero as tardes
procurando a possibilidade
nossas mentes espairecidas
e chamar a isso de saúde
que de manhã faça frio
e tardemos nossa partida
sob os lençóis entre jogos
especifiquemos quem
há de preparar o café
ou evitemos falar
de como a vida de um
na vida do outro
aos domingos o rádio
informe os resultados,
que você durma e eu
perca os olhares mesmo atento
siga a mudança de intensidade na história:
quando se acelerar a fala
em suspenso ficarei em meio a erguer-me
pronto para saltar da cadeira
e se assim requer-se o fim da jogada
com punho cerrado gritar gol
e se continua seu sono
que eu saia então para caminhar
para descobrir que isso que dói
não é o pássaro mas o ruído de romper-se
que faz seu bico ao cravar-se na terra
com toda
essa violência da queda não anunciada
ao voltar de sua excursão ao vilarejo
me flagre debruçado no meu caderno
deixe as sacolas num canto
e proponha
que eu escreva algo
sobre a coca com gás
a posição que ocupa
diga
a posição que ocupa
nas nossas vidas
acharemos talvez
solução para isto
que hoje em dia
costumam chamar
de relação estável?
alguém a dizer
terminaram as férias?

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Aquí está todo bien
Mariano Blatt

aquí está todo bien
cuando acabe el invierno
y la primavera llegue pronto
pero pasado el veintiuno
y sus saludos abiertos ya
los regalos cuando los haya
entonces antes del verano
quiero que nos vayamos
del campo quiero las tardes
buscando la posibilidad
nuestras mentes despejadas
y a eso llamar salud
por la mañana haga frío
demoremos nuestra salida
bajo las sábanas entre juegos
definamos a quién
le toca preparar el café
o evitemos hablar
de cómo la vida de uno
en la vida del otro
el domingo la radio
anuncie resultados, vos
duermas y yo
la mirada pierda aunque atento
siga el cambio de intensidad en el relato:
cuando el hablar se acelere
en suspenso quedaré a medio levantarme
preparado para saltar de la silla
y si así lo requiere el final de la jugada
con puño apretado gritar gol
y si sigue tu siesta
entonces yo salga a caminar
para descubrir esto que duele
no es el pájaro sino el ruido a roto
que hace su pico al clavarse en la tierra
con toda
esa violencia de la caída no anunciada
al volver de tu excursión al pueblo
me descubras sobre mi cuaderno
a un costado dejes las bolsas
y propongas
que yo escriba algo
sobre la gaseosa cola
el lugar que ocupa
digas
el lugar que ocupa
en estas nuestras vidas
¿hallaremos tal vez
solución a esto
que hoy aquí
suele llamarse
estabilidad de pareja?
¿quién diga
esta vacación ha concluido?


§

Kevin

Saio de mobilete a comprar pão
são como dez da manhã
assim que penso um pouco em deus
assim que penso um pouco em Kevin
paro na praça e aperto a mão dos garotos
bebo mate perguntam o que rola
estou pensando em Kevin
digo
ah não vou comprar pão me confundi
haha pau qualquer coisa
Kevin me sorri
Kevin te sorrio
ligo a mobilete são como dez e trinta
compro pão e volto para o bairro vejo Kevin
junto de um alambrado
então rua de pinheiros passo por uma vaca
me saúda a saúdo dez e quarenta o sol é meu amigo
pau pneu furado que sorte
olho para trás Kevin vem a cavalo
me saúda o saúdo ele desce falo com o cavalo
Kevin diz está furado você tem pão?
daí dou-lhe pão
sentamo-nos à sombra
a sombra também é minha amiga
vem uma galinha me saúda a saúdo
daí lhe dou pão pau tira um fino do bolso
digo-lhe galinha você é legal me diz obrigada pão dos bons
Kevin me sorri
Kevin te sorrio
dez e cinquenta e cinco se faz o fogo
passa a vaca vem o cavalo
passam os garotos não ficam
dez da manhã de novo
generoso o tempo corre para trás
o tempo também é meu amigo
cresce o mato movem-se as nuvens
Kevin é meu amigo
digo-lhe gosto do seu cabelo
ele diz gosto dos seus olhos
tiro sua camisa vai-se a vaca vai-se o cavalo
dez e trinta vai-se a galinha legal
tira minha camisa desamarra meu sapato
cresce o mato movem-se as nuvens
Kevin me sorri
Kevin te sorrio
tira seus sapato me diz vou trocá-los
quanto você calça pau como pão ponho o sapato de meu amigo
gosto de sua jaqueta gosto de seu cavalo
dez e quinze o sol é meu amigo
cresce o mato movem-se as nuvens
nasce um deus chove no vilarejo
vejo Kevin encostado num alambrado
falo com deus diz-me siga assim siga assado
deus é meu amigo este bairro é meu namorado
uma estrada de terra me abraça esta manhã
volto empurrando a moto Kevin me sorri
somos amigos gosto de seu cabelo
vira duas esquinas antes
viro duas esquinas depois
obrigado pelo sapato me diz
obrigado por seu cabelo lhe digo

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Kevin
Mariano Blatt

Voy en motito a comprar pan
son como las diez de la mañá
tal que pienso un poco en dios
tal que pienso un poco en Kevin
paro en la plaza y saludo de manos con los chicos
tomo mate me preguntan qué hacés
pienso en Kevin
digo
ah no compro pan me confundí
ja pum cualquiera
Kevin me sonríe
Kevin te sonrío
enciendo la moto son como las diez treinta
compro pan y en regreso al barrio veo a Kevin junto a un alambrado
luego camino de pinos se me cruza una vaca
me saluda la saludo diez cuarenta el sol es mi amigo
pum pincho goma qué fortuna
miro para atrás viene Kevin a caballo
me saluda lo saludo se baja hablo con el caballo
Kevin dice está pinchada ¿tenés pan?
tuc le doy pan
nos sentamos a la sombra
la sombra también es mi amiga
viene una gallina me saluda la saludo
tuc le doy pan pum saca un finito del bolsillo
le digo gallina sos copada me dice gracias buen pan
Kevin me sonríe
Kevin te sonrío
diez cincuenta y cinco se arma fogata
pasa la vaca viene el caballo
pasan los chicos no se quedan
diez de la mañá de nuevo
buenísimo el tiempo corre para atrás
el tiempo también es mi amigo
crece el pasto se mueven las nubes
Kevin es mi amigo
le digo me gusta tu pelo
me dice me gustan tus ojos
le saco la remera se va la vaca se va el caballo
diez treinta se va la gallina copada
me saca la remera me desata las zapatillas
crece el pasto se mueven las nubes
Kevin me sonríe
Kevin te sonrío
se saca las zapatillas me dice te las cambio
cuánto calzás pum como pan me pongo las zapas de mi amigo
me gusta tu campera me gusta tu caballo
diez y cuarto el sol es mi amigo
crece el pasto se mueven las nubes
nace un dios llueve en el pueblo
veo a Kevin contra un alambrado
hablo con dios me dice seguí así seguí asá
dios es mi amigo este barrio es mi novio
un camino de tierra me abraza esta mañana
vuelvo arrastrando la moto Kevin se me ríe
somos amigos me gusta su pelo
dobla dos cuadras antes
doblo dos cuadras después
gracias por las zapas me dice
gracias por tu pelo le digo.



§

Cercar com os dedos teu tornozelo

cercar com os dedos teu tornozelo
ah, teu capuz
e o espaço perfeito entre a nuca
onde a mão descansa
quando com frio busca
o refúgio em teu capuz.
Ah, este espaço perfeito
ou como quem diz a residência
que se forma entre teu capuz e tua nuca
mobiliada com o cabelo que sempre
é ainda mais lindo
se não está lavado.
Ah, minha voz se quebra
quando minha mão se lembra
deste descanso perfeito
dentro de teu capuz.
Ah, sim, teu capuz.
Uma camiseta rosa
velha e de mangas curtas
no peito
a inscrição seven up
com seu logotipo
a gola redonda
mastigada em provas, domingos
esperas, dias de sol
quando vestias esta camiseta
rosa da seven up
mas agora seria quase
como vestir-te a ti
de novo e sabemos
que é às vezes melhor
a garrafa de sprite.
Às vezes creio
que os beatles já disseram tudo
mas então vejo
um menino com blusa dos ramones
e sei que os beatles
não me falaram disto
e diz que se eu quisesse
ele rasparia a cabeça
mas não lhe cai bem
como esse menino
com a camiseta dos ramones
que no masp me dava as costas
nem a hora
combinamos de fazer camisetas
e nos jogarmos no chão
um sábado à tarde
qualquer

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Cerrar la mano alrededor de tu tobillo
Mariano Blatt

cerrar la mano alrededor de tu tobillo
ah, tu capucha
y el espacio perfecto entre la nuca
donde descansa la mano
cuando enfríada busca
el refugio en tu capucha.
ah, ese espacio perfecto
o como quien dice la habitación
que se forma entre tu capucha y tu nuca
amueblada con el pelo que siempre
tanto más lindo es
si no está lavado.
ah, la voz se me quiebra
cuando mi mano recuerda
ese descanso perfecto
dentro de tu capucha.
ah sí, tu capucha.
una remera rosa
gastada y mangas cortas
en el pecho
la inscripción seven up
con su loguito
el cuello redondo
comido en exámenes, domingos
esperas, días de sol
cuando usaba esa remera
rosa de seven up
pero ahora sería casi
como usarte a vos
de nuevo y sabemos
a veces mejor
la botellita de sprite.
a veces creo
los beatles ya lo dijeron todo
pero entonces veo
a un chico con buzo de ramones
y sé los beatles
de eso no me hablaron
y él dice que si quiero
se rapa
pero no le queda bien
como ese chico
con la remera de ramones
que en el malba me daba la espalda
ni la hora
dijimos de hacernos remeras
y tirarnos en el suelo
un sábado a la tarde
cualquiera



§


Jamais sentiu a brisa marinha?

Eu a persigo talvez
seja isso tudo o que faço
mesmo que aparente outra coisa
jamais a sentiu
mas já distanciada do mar?
Este ir tarde a tarde
ao parque perseguindo o cheiro
do sal pretendendo imaginar
a profunda escuridão do centro do oceano
ou a calma incessante
do horizonte no meio da tarde.
Soube aproximar-me
da sabedoria da brisa marinha:
se comove
é pela carga de memória
que em sua imaterialidade transporta.
O mar parece acumulação inabarcável
mas sua brisa é mais ainda.
Não se pode esquecer
um homem parado às margens do mar
em uma praia semideserta
molha seus pés ao ritmo da maré
mas respirará fundo
e conterá o ar em seu interior
para experimentar as verdadeiras férias.
Ou mesmo uma mulher
que cai de joelhos na areia úmida
e jurará nesta mesma noite
a experiência de certo sentimento
uma completude consumada
ao perceber a mudança repentina
na direção do vento

(tradução de Ricardo Domeneck)

:


¿no sentiste nunca la brisa del mar?
Mariano Blatt

yo la persigo quizás
eso es todo lo que hago
aunque aparente otra cosa
¿no la sentiste nunca
pero ya alejada del mar?
este ir tarde a tarde
en el parque persiguiendo el aroma
de la sal intentando imaginar
la profunda oscuridad del centro del océano
o la calma incesante
del horizonte a media tarde.
supe acercarme
a la sabiduría de la brisa del mar:
si conmueve
es por la carga de memoria
que en su inmaterialidad transporta.
el mar parece acumulación inabarcable
pero su brisa lo es más.
no hay que olvidar
un hombre parado a orillas del mar
en una playa semidesierta
moja sus pies al ritmo de la marea
pero respirará profundo
y contendrá el aire en su interior
para experimentar la auténtica vacación.
o mismo una mujer
que cae arrodillada en la arena húmeda
y jurará esa misma noche
la experiencia de determinado sentimiento
una completud acabada
al percibir el cambio repentino
en la dirección del viento.


§

as cerejas

desci para comprar
cervejas e cerejas
mas no caminho
comi as cerejas
bebi a cerveja
a agora
meio que me dói a cabeça.
entrei em silêncio
com sorte você dormia
recostado na poltrona
sem roupas
ou apenas coberto. pensei
que se entrasse em silêncio
não acordaria
então eu
esconderia minha dor de cabeça
mas para minha surpresa
quando entrei não dormia não
quando entrei
você me doía.
olhou as sacolas
“aqui não tem cerveja, não tem cerejas
e você está com cara
de dor de cabeça” disse
parado sem roupas
contra a cozinha
onde você cozinhava
presunto cozido.
Pedi desculpas
não aceitou
pedi a hora
eram nove. voltou à cozinha
sem roupas
para ver como estava
o presunto cozido para ver
o que aconteceria
se me ignorasse.
fiquei no quarto
com as sacolas vazias nas mãos
o olhar perdido na tevê ligada
alguém jogava futebol por dinheiro.
sem roupas
você voltou da cozinha
me abraçou
e me disse
“está pronto
o presunto”.
na boca
beijei você
pedi desculpas
não aceitou
pedi a hora
eram nove
e dez. descemos juntos
para comprar cerveja
para comprar cerejas.
eu tomei a cerveja você
comeu as cerejas.
pedi desculpas
não aceitou
beijei você na boca e meu beijo
teve o sabor amargo da cerveja
e o teu
o sabor doce das cerejas.

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

las cerezas
Mariano Blatt

bajé a comprar

cervezas y cerezas

pero en el camino

me comí las cerezas

me tomé la cerveza

y ahora

como que me duele la cabeza.
entré en silencio

a lo mejor dormías
recostado en el sillón

desnudo

o apenas tapado. pensé
que si entraba en silencio

no despertarías

entonces yo

mi dolor de cabeza escondería pero

para mi sorpresa
cuando entré no dormías no

cuando entré

me dolías.

miraste las bolsas

“acá no hay cerveza, no hay cerezas
y vos tenés cara

de que te duele la cabeza” dijiste

parado desnudo

contra la cocina

donde cocinabas

jamón cocido.

te pedí disculpas

no me las diste

te pedí la hora

eran las nueve. volviste a la cocina
desnudo

para ver cómo estaba
el jamón cocido para ver

qué pasaba

si no me hablabas.

me quedé en el cuarto

con bolsas vacías en las manos

la mirada perdida en la tele prendida

por plata alguien jugaba al fútbol.
desnudo

volviste de la cocina
me abrazaste

y me dijiste

“el jamón cocido

ya está”.

en la boca

te di un beso

te pedí disculpas

no me las diste

te pedí la hora

eran las nueve

y diez. bajamos juntos

a comprar cerveza

a comprar cerezas.
yo me tomé la cerveza vos

te comiste las cerezas.
te pedí disculpas

no me las diste

te besé en la boca y mi beso tuvo

el sabor amargo de la cerveza
y el tuyo

el saber dulce de las cerezas.


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