segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Texto em que o poeta sente-se impelido a dizer a Jannis Birsner em Zurique o que Frank O´Hara quis dizer a Vincent Warren em Nova Iorque

Texto em que o poeta sente-se impelido a dizer a Jannis Birsner em Zurique
o que Frank O´Hara quis dizer a Vincent Warren em Nova Iorque



.............. "which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it"
........................................................... Frank O´Hara, Having a coke with you


Caminhar com você por Zurique
num domingo de chuva e com fome
é tão melhor que um dia qualquer
de sol algures, com outros
ou hipernutrido,
talvez porque você pareça
insistir neste aspecto empírico
de quem está a aquecer o planeta,
derretendo inconsequente
todas as calotas polares
como se fosse o pulôver
de mil avós
ou apenas porventura o plural
do substantivo “sol”,

talvez ainda porque ali andemos
até ao acaso dar de cara e ancas
com a estátua de Marino Marini
mencionada no poema de O´Hara,
ou, esquecendo por completo DADA
por estar mais atento à sua bunda,
surpreender-me como se fora 1916
ao adentrar a Spiegelgasse
e passar todo casual e causal
pelo prédio que abrigou o Cabaret Voltaire,
o que então visitamos espantadíssimos
para descobri-lo mera loja de souvenirs,
e nem o “Karawane” de Hugo Ball
ou a caravana de axilas dos turistas ao redor

me distraem do seu nariz e nuca,
pois é tão Júpiter você, moço,
enquanto eu mero me regalo
e contento em órbita irregular
como uma sua lua, Temisto
ou certa Carpo,
e visito seu rosto
com o zelo e o temor
de carteiros obrigados
a seguirem suas rondas
de entrega das cartas mesmo
após uma noite de bombardeios
para talvez encontrarem não
endereços, mas escombros,

e eu penso tudo
isso mas nada
digo pois você detesta
declarações públicas,
destarte escrevo este texto
na língua de que nem sílaba
você domina,
esta língua
que é meu sistema de signos
e também com o que o lambo,
língua em que “vontade”
é-me ao mesmo tempo
aquilo que impera
e aquilo que implora.






(Poema iniciado na cabeça em Zurique,
terminado no papel em Berlim, agosto de 2010)

.
.
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5 comentários:

vodca barata disse...

"me distraem seu nariz e nuca".

...

Ivan disse...

Apenas pra dizer da inevitável re-releitura desse poema lindo.
Abraço,

Ivan

Ricardo Domeneck disse...

Há poemas que dão uma alegria muito grande de escrever, sabe quando você parece que entra em transe fazendo uma coisa? O Robert Duncan dizia que "o poema, com seu entusiasmo, assume o controle". É menos um poema que um desabafo de paixonite. Beijos, meus queridos.

Lúcia Delorme disse...

Ricardo, era pra escrever no comentário anterior, mas esqueci: creio que o verbo "distraem" deve ficar no singular, pois o sujeito da oração é caravana.
Abraço.

Ricardo Domeneck disse...

Lúcia,
em minha leitura, uso propositalmente o plural, pois tento chamar a atenção e me referir a duas coisas: o poema sonoro "Karawane" de Hugo Ball E TAMBÉM a caravana de turistas... no poema:

"e nem o “Karawane” de Hugo Ball / ou a caravana de axilas dos turistas ao redor // me distraem do seu nariz e nuca"

Com o "ou" ali, seria optativo, creio, eu poderia ter usado o singular, mas usei propositalmente o plural. Seria provavelmemte mais "correto" com a construção "nem / nem", mas eu acho muito feio o "nem / nem", especialmente no início dos versos. Talvez esteja ligeiramente estranho em termos de gramática, mas eu não chamaria de "errado".

:)

beijo

Ricardo

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