sábado, 4 de setembro de 2010

Vivíssimo, direto de Tel Aviv

Cheguei quase morto a Tel Aviv, após uma noite louquíssima em Berlim e muitos detectores de metais e outros sistemas de segurança de aeroporto. A discotecagem por aqui correu bem. Depois de descansar da maratona que me deixou acordado por 48 horas, passei hoje o dia andando com meu amigo Philipp, com a antologia de Yehuda Amichai na mochila. Em Berlim diziam-me que "Tel Aviv é a capital do hedonismo", o que me parecia algo bizarro, tratando-se de uma das maiores cidades de um país tão problemático como Israel. Três dias mais tarde, começo a entender o que queriam dizer. É quase impossível imaginar que este país está envolto em conflitos tão sangrentos ao caminhar pelas ruas de Tel Aviv, com aquele ar de modernidade salobra e enferrujada, lembrando as ruas de São Paulo ou Buenos Aires, ou caminhando pelo calçadão na orla do mar, como se este fosse o balneário mais pacífico do mundo. Está sendo uma experiência estonteante.

Preparei esta paráfrase para a Modo de Usar & Co. de um dos poemas de Yehuda Amichai que mais me tocaram, chamado "Judeus na terra de Israel".


Judeus na terra de Israel
Yehuda Amichai, paráfrase de Ricardo Domeneck

Nós nos esquecemos de onde viemos. Nossos nomes
judaicos do Exílio nos denunciam,
trazem de volta a memória de flores e frutos, vilas medievais,
metais, cavaleiros que viraram pedra, rosas,
temperos cujo perfume dissipou-se, pedras preciosas, muito rubro,
artesanatos já extintos no mundo
(as mãos também extintas).

A circuncisão causa-nos isso,
como no relato bíblico de Siquém e os filhos de Jacó,
para que sigamos com dor pelo resto de nossas vidas.

O que estamos fazendo, voltando a esta terra com tal dor?
Nossos desejos foram drenados junto com os pântanos,
o deserto se nos floresce, e nossos filhos são lindos.
Mesmo os destroços de navios que afundaram a caminho
chegam a estas praias,
mesmo ventos chegaram. Mas não todas as velas.

O que estamos fazendo
nesta terra escura com suas
sombras amarelas que perfuram os olhos?
(De vez quando alguém diz, mesmo após quarenta
ou cinquenta anos: "Este sol está me matando.")

O que estamos fazendo com estas almas de névoa, com estes nomes,
com nossos olhos de floresta, com nossos filhos lindos,
com nosso sangue veloz?

Sangue derramado não serve de raiz para árvores
mas é o mais próximo que temos
por raízes.



Yehuda Amichai nasceu em Würzburg, Alemanha, em 1924, em uma família judia ortodoxa. Com a ascensão nazista ao poder, a família de Amichai emigra para a Palestina. O poeta adolescente tinha 12 anos. Em 1936, a família fixa residência em Jerusalém, que Yehuda Amichai passaria a chamar de "minha cidade". Durante a segunda Guerra, Amichai luta com os ingleses na Brigada Judia do Exército Britânico. No entanto, ao voltar para a Palestina passa então a lutar contra os britânicos na Guerra de Independência de 1948. Após a Guerra, o poeta estuda Literatura Hebraica na Universidade de Jerusalém e passa a lecionar mais tarde em Haifa.

Yehuda Amichai é considerado um dos primeiros a usar a linguagem hebraica coloquial em poesia, e sua estreia viria em 1955, com o volume intitulado (algo como) Agora e em Outros Dias. Advogando a divisão pacífica da terra, ele seria convocado ainda para duas guerras: A Guerra do Sinai (1956) e a Guerra de Yom Kippur (1973). Talvez o mais famoso poeta israelense moderno, publicou mais de 15 livros. O poeta morreu de câncer em 2000, celebrado como um dos maiores autores do país.

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