Hoje é aniversário d´O Moço. Ele completa hoje seus 26 anos de existência desarmada sobre a terra, três dos quais (ou exatos 1143 generosos dias) ele vem decidindo continuamente compartilhar comigo, eu, felizardíssimo após três décadas de espera e catástrofes, en l'an de mon trentiesme aage descobri aquele que aceitaria encolherar-se em concha comigo todas as noites, tornando meu aquecimento a carvão em plenos invernos belimbosos coisa supérflua. Hoje é aniversário d´O Moço. No ano passado, quando ele completou um quarto de século, escrevi para ele o poema "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos", que reproduzirei mais uma vez ao fim desta postagem. Antes, posto aqui, logo abaixo, um poemícula que escrevi hoje, pensando n`O Moço, assim como a tradução do mais simples e popular poema de amor na Lírica Amorosa Alemã do pós-guerra, poema chamado "Was es ist", do austríaco Erich Fried, terminando com a música "It´s a wonderful life", do finado poeta-cantor americano Mark Linkous (1962 - 2010), uma das canções mais lindas da década, deste líder da banda Sparklehorse e trovador suicida neste ano de tantas mortes, canção no entanto linda e que dedico hoje ao Moço, com um vídeo de cortar o coração, feito por um estranho (com quem adoraria tomar um café) que usou imagens de três dos meus filmes favoritos, e enfim encerrando esta celebração-postagem com outros poemas escritos para O Moço, neste 17 de outubro, aniversário dele e Dia Internacional da Felicidade de Ricardo Domeneck.
O que o poeta deseja ao namorado no dia de seu aniversário
....................................a Jannis Birsner
Quisera eu que você fosse grande e gordo
como uma baleia, ou melhor, um cachalote
(o que evitaria que eu tivesse
que abster-me dos seus dentes),
cujo coração é do tamanho de um Fusca,
assim quem sabe eu arriscasse viagens,
não com você ou a seu lado, o que faz
sempre com que a visão de sua crista
ilíaca e nuca
desvie, redirija ou distraia a atenção
que eu deveria dedicar à arquitetura
e à paisagem,
mas pudesse, como um Jonas felizardo
e voluntarioso, viajar em você, alojado,
confortável em seu miocárdio,
massageado pelo inflar metódico
dos seus pulmões,
entrincheirado (feito um presidiário
que imaginasse o exterior como estado
de calamidade e sítio) entre as grades
simétricas de sua caixa torácica,
e desta forma inaugurasse
nossa colaboração, simbiose compulsante
e vitalícia,
nunca mais comensal de farelos e migalhas
de machos-alfa ou godfathers,
e doravante
não mais sofresse a dependência
dos movimentos voluntários
alheios
para exercitar no amante meus cinco sentidos,
ou acabar, como sempre dantes, forçado,
com minha própria mão febril
sobre minha própria testa,
a constatar e provar a mim mesmo
a minha febre,
pois relegaria a você, moço,
a regulação e constância da nossa temperatura,
mesmo que hoje me contente, corregente e duplo,
com esta pressão arterial e taquicardia
de beija-flor, cuitelo,
com meus cerca de 1,260
batimentos cardíacos por minuto
quando sobrevoo seu rosto,
como se este fosse a cara amarelada
de uma angiosperma polpuda e melosa,
pois eu também, moço,
tal qual esta espécie
de pássaros rapidíssimos
e glutões, estou sempre a meras horas
de distância da amorosa inanição.
Ricardo Domeneck. Berlim, 17 de outubro de 2010.
§
Canção de Mark Linkous (1962 - 2010) e de sua banda Sparklehorse, que eu hoje dedico ao Moço como se a houvesse escrito, em que a letra a certa altura diz "I am the dog that ate / your birthday cake", canção com um vídeo feito por um estranho, usuário chamado no Youtube de "balladof", com cenas de três de meus filmes favoritos, Grey Gardens (Albert & David Maysles, 1975), Badlands (Terrence Malick, 1973) e Who's Afraid Of Virginia Wolf (Mike Nichols,1966):
"It´s a wonderful life", da banda Sparklehorse, canção do poeta-cantor Mark Linkous (1962 - 2010)
Tradução para o mais simples e popular poema de amor da língua alemã no pós-guerra, "Was es ist", de Erich Fried, tomando minhas usuais liberdades tradutórias para fazer com que o poema funcione em português brasileiro e sirva para alguma coisa além de encher revistas de literatice:
O que é
É louco
diz a razão
É o que é
diz o amor
É desastroso
diz o cálculo
É só dor
diz o medo
É desesperado
diz a inteligência
É o que é
diz o amor
É ridículo
diz o orgulho
É inconsequente
diz o cuidado
É impossível
diz a experiência
É o que é
diz o amor
(tradução de Ricardo Domeneck)
:
Was es ist
Erich Fried
Es ist Unsinn
sagt die Vernunft
Es ist was es ist
sagt die Liebe
Es ist Unglück
sagt die Berechnung
Es ist nichts als Schmerz
sagt die Angst
Es ist aussichtslos
sagt die Einsicht
Es ist was es ist
sagt die Liebe
Es ist lächerlich
sagt der Stolz
Es ist leichtsinnig
sagt die Vorsicht
Es ist unmöglich
sagt die Erfahrung
Es ist was es ist
sagt die Liebe
§
Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos
.........................a Jannis Birsner
Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos,
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.
Ricardo Domeneck. Modo de Usar & Co., número 2, 2009.
§
Texto em que o poeta sente-se impelido a dizer a Jannis Birsner em Zurique o que Frank O´Hara quis dizer a Vincent Warren em Nova Iorque
.............. "which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it"
........................................................... Frank O´Hara, Having a coke with you
Caminhar com você por Zurique
num domingo de chuva e com fome
é tão melhor que um dia qualquer
de sol algures, com outros
ou hipernutrido,
talvez porque você pareça
insistir neste aspecto empírico
de quem está a aquecer o planeta,
derretendo inconsequente
todas as calotas polares
como se fosse o pulôver
de mil avós
ou apenas porventura o plural
do substantivo “sol”,
talvez ainda porque ali andemos
até ao acaso dar de cara e ancas
com a estátua de Marino Marini
mencionada no poema de O´Hara,
ou, esquecendo por completo DADA
por estar mais atento à sua bunda,
surpreender-me como se fora 1916
ao adentrar a Spiegelgasse
e passar todo casual e causal
pelo prédio que abrigou o Cabaret Voltaire,
o que então visitamos espantadíssimos
para descobri-lo mera loja de souvenirs,
e nem o “Karawane” de Hugo Ball
ou a caravana de axilas dos turistas ao redor
me distraem do seu nariz e nuca,
pois é tão Júpiter você, moço,
enquanto eu mero me regalo
e contento em órbita irregular
como uma sua lua, Temisto
ou certa Carpo,
e visito seu rosto
com o zelo e o temor
de carteiros obrigados
a seguirem suas rondas
de entrega das cartas mesmo
após uma noite de bombardeios
para talvez encontrarem não
endereços, mas escombros,
e eu penso tudo
isso mas nada
digo pois você detesta
declarações públicas,
destarte escrevo este texto
na língua de que nem sílaba
você domina,
esta língua
que é meu sistema de signos
e também com o que o lambo,
língua em que “vontade”
é-me ao mesmo tempo
aquilo que impera
e aquilo que implora.
(Poema iniciado na cabeça em Zurique,
terminado no papel em Berlim, agosto de 2010)
.
.
.
18 comentários:
Não sei se por um momento delicado em assuntos de coração, mas fiquei speechless com este post. Arrematando ainda com a voz do Mark Linkous (que tomou parte deste momento delicado+post apaixonado+melodia desarmante+suicídio), nossa... Demais, como sempre. Esta tradução do WAR ES IST pode fazer com que o poema surja simples a muitas mentes, mas como sempre os espíritos sensíveis se vestirão desta verdade. Ah, parabéns ao Moço, e a você por nos oferecer obras tão especias, inspiradas pelo amor (a) dele. Tchau
Caro Ricardo, vim dar em seu blog ao acaso depois de tanto tempo. Buscava uma citação de Pound pelo Google, e caí nessa página inicial - atual -, me deparando, pois, com sua complexa (porque rica) postagem. Tive de pausar meus escritos para passear pelos poemas e ouvir a canção, culminando nesse "Texto em que o poeta sente-se impelido a dizer a Jannis Birsner em Zurique o que Frank O´Hara quis dizer a Vincent Warren em Nova Iorque" - belíssimo, especialmente. O trabalho da última seção, em que você mistura as línguas com a mesma língua, deu o contorno que esse poema merece.
Um abraço,
Ponce.
Caro S.,
como sempre, muito generoso você. Bom que os poemas serviram também para você. É minha única ambição como poeta estes dias... que os textos também possam entrar na vida de outra pessoa, após sair da minha.
Quanto ao Mark Linkous, dá uma olhada na letra desta "It´s a wonderful life", é um poema excelente, lindo.
Por fim, recomendo muitíssimo que todo mundo assista aos filmes usados no vídeo: Grey Gardens (Albert & David Maysles, 1975), Badlands (Terrence Malick, 1973) e Who's Afraid Of Virginia Wolf (Mike Nichols,1966).
abraço
R.D.
Caro Thiago,
obrigado pela visita. Realmente fazia muito que não tínhamos contacto. Que legal que você curtiu estes poemas. Espero que tenha achado a citação do Pound e que minha postagem não tenha atrapalhado demais. Voce ainda mora no Rio?
abraço
Ricardo
Ricardo,
Lindo texto o seu. Já tinha lido o "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos", e desde então gosto muito da sua "lírica amorosa".
Gostei também do "Was es ist", que eu não conhecia.
Abraços
Elizabeth
Muito obrigado, Elizabeth.
Será que o "Texto em que poeta celebra o amante de vinte e cinco anos" vai virar meu "hit"? Os cinco leitores que eu tenho no mundo parecem gostar deste poema...
:)
beijo
Ricardo
A sua ambição quanto aos seus poemas, creio que seja a verdadeira razão de se continuar escrevendo, talvez não, mas enfim, se não o fosse, um poeta legítimo, mas anônimo, não se sentiria tão pequeno pelo pouco alcance de seus escritos...(eu, me achando, hehe)
Quando li o post, procurei logo a letra do It's a wonderful life, e fico embasbacado como com poucas lexias e alguma síntese, alguns textos são tão fortes, fortes de verdade, como um aço ou uma dor. Sempre bom frequentar este blog, ele é inspirador (como um comentário dum fulano aí que vi no blog da Adelaide Ivánova, 'eu queria viver esta vida de vocês, ser amigo dessas pessoas que nunca conheci..'); se não é isso, é quase isso. Plenitude pra todos nós!
Ricardo,
Gosto muito do que v. escreve, tanto que já li e reli seus livros, só que esse texto em especial é irresistível.
P.S: Que história é essa de "cinco leitores", Ricardo? Leio e ouço comentários de gente que lê seus textos e se co-move com o que v. escreve.
Abraço
Eliza
Ricardo,
acho que, na verdade, a citação do Pound estava em outro blog (nem me lembro bem já), mas por algum motivo o Google me fez cair aqui antes (ou depois).
O motivo deve ter sido este: ler os belos poemas que ofereceu. Ofereceu, sim, como em Celan: poemas são presentes/oferendas aos atentos, presentes que carregam consigo um destino.
De todo modo, continuo no Rio. E você, preparando algo por aí? Aliás: jeito inusitado de conversar esse aqui, ahn.
Abraços,
Ponce.
Sebastião, Elizabeth e Thiago,
uma das alegrias principais que este blogue tem me dado é poder me sentir em contacto mais direto com outras pessoas interessadas em poesia, literatura, música. Como DJ, a experiência de contacto é sempre tão direta... o mesmo em performances. Mas a escrita é sempre tão solitária. É como o Ponce disse em seu comentário, citando Celan: a noção de poder fazer oferendas, que serão ou não aceitas. Não me lembro mais quem, mas acho que alguém já comparou a escrita de um poema com o lançar de uma mensagem engarrafada ao mar.
Que bom que minhas últimas garrafas foram dar às suas praias.
beijo a todos,
Ricardo
Ricardo,
Estou maravilhada e com lágrimas nos olhos com a sua(s) declaraç(a)õ(es)de amor. Fiquei confusa aqui sobre ela ser uma só ou ser muitas, já que acredito no amor como uma coisa única, mas de muitas faces, nuances e intensidades. Adorei os poemas e tanto tanto que fui logo procurar se vc tinha livro e achei. Comprei de pronto e assim que receber volto aqui... se bem que acredito ter que voltar aqui sempre, em sendo poeta tbm(tenho livros) e percebendo nos seus poemas uma grande poesia - poesia essa; causada neste momento por seus poemadeclaração de amor... e sabe, me deu um aconchego perceber e sentir isso, não só por estar sendo amada e amando neste momento, mas também por perceber que sempre tem mais... e mais e mais...
Completamente encantada me despeço por hora.
B-Juju
Ricardo, é o mesmo Celan, preciso como sempre: "O poema, sendo como é uma forma de manifestação da linguagem e, por conseguinte, na sua essência dialógico, pode ser uma mensagem na garrafa, lançada ao mar na convicção – decerto nem sempre muito esperançada – de um dia ir dar a alguma praia, talvez a uma praia do coração. Também neste sentido os poemas estão a caminho – têm um rumo."
Grande abraço,
Ponce.
Olá. Seu "Juju" é de Júlia ou Juliana?
Muito legal seu comentário, porque também acho que faz uma diferença muito grande estarmos ou não apaixonados quando escrevemos ou lemos poemas de amor. É como aquela proposição do filósofo austríaco Ludwig Wittgesntein, que diz que "o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes", o que parece uma mera tautologia, mas tem implicações que chegam a me dar vertigem. Ou a maneira como todo mundo deveria estar apaixonado ao ler os "Fragmentos de um discurso amoroso", do Roland Barthes. Você já leu? É lindo.
Olha, não sei qual dos meus livros você comprou, mas se você quer ler outros poemas de amor que escrevi, eu recomendo o meu primeiro livro, chamado "Carta aos anfíbios", que saiu pela editora carioca Bem-Te-Vi, em 2005. É o mais desbragadamente amoroso. Mas espero que você goste dos outros, se tiver comprado um que saiu pela Cosac Naify. São um pouco diferentes, mas há muito poema de amor camuflado neles também.
abraço cordial,
Ricardo
Thiago! Que legal que era o próprio Celan. Talvez porque as garrafas dele chegaram muito à minha praia. Já havia introjetado, sem saber mais quem havia dito. Obrigado!
abraço
Ricardo
Ricardo,
Meu Juju é de Juliana. Juliana Hollanda... tá parecendo aquela coisa de Bond, James Bond...rsrsrs né?, mas enfim...
Sim, comprei o livro que saiu pela Cosac, mas ainda não recebi. Vou procurar seu outro...
Meus 2 livros, são de amor, de vida, de desilusão, de fluxo, mesmo, assim como meu blog...
Lí, sim o Barthes, mas na ocasião não estava TÃO... apaixonada... vou reler. Valeu a dica.
B-Juju
P.s- Vc é de SP, não?
P.s2- Vc tem FB?
Caro Ricardo, gostei muito de sua tradução do "Was es ist". Se tomar "liberdades tradutórias" equivale, justamente, a criar um poema que funcione na língua de chegada, devo dizer que você foi muito bem-sucedido (embora "É só dor", por exemplo, seja mais sintético do que a negativa comparação expressa em "Es ist nichts als Schmerz", a tradução funciona perfeitamente -- inclusive do ponto de vista rítmico, penso eu).
Na verdade, queria apenas comentar duas escolhas lexicais: "desastroso" não corresponde perfeitamente a "Unglück" e ainda assim está bem ("em tradução de poesia, o que importa é a poesia, não o significado vocabular das palavras", ecoando Fenollosa de memória); todavia, você não acha que, logo no primeiro verso, a solução literal "absurdo" funcionaria melhor do que "louco", para reconstruir "Unsinn"?
Abraço,
Flávio
Caro Flávio,
muito obrigado por seus comentários, e por discutir as escolhas. Eu gosto MUITO do trabalho de tradução, e poucas coisas me interessam tanto.
Deixe-me comentar a escolhas que você apontou como talvez "libertinas" demais, digamos.
Pode parecer estranho tomar uma certa liberdade logo no primeiro substantivo do poema, traduzindo "Unsinn" por "louco", em vez de "absurdo". Aqui, minha liberdade começou já na escolha de usar adjetivos em vez de substantivos, porque me parece muito mais próximo do que falaríamos em português. Mesmo a tradução "É absurdo" teria deixado aberta esta questão. Talvez aqui tenha me deixado levar pelo desejo de buscar soluções diferentes das de tradutores anteriores... as traduções que encontrei do poema em português recorriam todas a "absurdo" para "Unsinn". Quis tentar outra solução, e cri que não me afastava demais do poemas. Onde cresci, alguém diria tanto "Que absurdo!" como "Que louco!" para uma situação de "Unsinn". Confesso que talvez "louco" poetize demais a coisa, no pior sentido. "Amor louco" é mais clichê que "amor absurdo", esta seria uma crítica bem válida. Acho que vou mudar para "absurdo", talvez você tenha razão.
Quanto a "desastroso" para "Unglück", tenho quase orgulho desta solução minha, pelo seguinte: sim, em um dicionário, o significado de "infelicidade" pareceria sobrepor-se a "Unglück", mas na linguagem coloquial alemã, ou pelo menos aqui na antiga Prússia (vivo em Berlim), "Unglück" é muito usado no sentido de "Unfall" e "Katastrophe". Por exemplo, o que nós chamamos de "desastre de automóvel" é dito, em linguagem coloquial alemã, "autounglück" ou "Auto-Unglück". É por isso que achei que poderia salvar estas implicações semânticas ao usar "desastroso", já que o amor é com tanta frequência pior que um "desastre de automóvel".
grande abraço
Ricardo
Caro Ricardo,
Demorei a conferir sua resposta a meu comentário.
Pois então, achei ótima a solução de "desastroso" para "Unglück" -- embora desconhecesse tal acepção na linguagem coloquial (veja bem, meu alemão é indígena, mas eu me esforço, rs)
Não cheguei a conferir outras traduções do poema, mas acho louvável sua tentativa de explorar outras soluções. De qualquer modo, para além do clichê do "amor louco", eu pensaria a troca de "louco" por "absurdo" baseado no seguinte: você não acha que "louco", apesar de ser um adjetivo bastante corriqueiro em português, carrega alguma conotação patológica? Por outro lado, "absurdo", em seu sentido primeiro, designa justamente aquilo que escapa à racionalidade, ao âmbito da lógica etc.
Ora, em vista do termo ao qual "Unsinn" se opõe no poema, "Vernunft" -- o qual, até onde posso inferir, evoca forte carga filosófica em alemão --, "absurdo" simplesmente me parece uma melhor pedida.
Ademais, acho que, sonoramente, o par "absurdo"/"razão" está mais próximo do efeito provocado por "Unsinn"/"Vernunft" do que "louco"/"razão" -- embora você possa argumentar que a oposição do fonema /l/ ao /r/ possa reforçar a cisão entre os dois termos, talvez.
Mas enfim, em matéria de poesia, quase nunca as melhores soluções se encontram nos dicionários, não acha?
Abraço,
Flávio
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