terça-feira, 16 de novembro de 2010

Meu amigo Jorge Wakabara visita Berlim. Postagem com um conto, sua colagem "Monstro", e minhas respostas para seu famoso "Questionário Dourado"

Meu amigo Jorge Wakabara está em Berlim há uma semana, misturando meus mundos paulistano e berlinense, fazendo deles agora nosso mundo paulistano-berlinense em uma experiência comum. É sempre uma sensação de cócegas no contexto, criando canais entre mundos estanques, quando amigos próximos meus de São Paulo visitam-me em Berlim. O legal é que eles saem daqui entendendo por que eu escolhi viver nesta cidade.

Conheci Jorge em 1999, creio. Tínhamos um amigo em comum, Roberto Borges, que era como eu membro da Tribo de Teatro Tumutupugá, com a qual encenamos, naquele mesmo ano, a peça 1999, para a qual servi de dramaturgista. Não, não dramaturgo, mas dramaturgista, aquele que tomava as improvisações e os textos não-teatrais que todos traziam para os ensaios, e os limava, redigia, teatralizava. Com esse trabalho coletivo, entravam no texto da peça fragmentos de Charles Baudelaire, Gaston Bachelard, Hilda Hilst, Vladimir Maiakóvski, Robert Browning, José Saramago, e até meus, contrabandeados por mim no trabalho de costura dos fragmentos.

Jorge e eu nos tornamos muito amigos e tenho memórias ótimas de conversas por caminhadas, descendo ou subindo a pé a Rua dos Pinheiros, zanzando pela Vila Madalena, na nossa São Paulo do início do século. Com ele, tinha conversas literárias que eram completamente diferentes das que tinha com outros amigos escritores. Suas perspectivas nunca eram formalistas, eram sempre intuitivas, instintivas, vinham de um gut feeling. Sua escrita era despretensiosa, e isso era refreshing, sem empáfia. Suas leituras eram também alheias às modas do momento, mesmo a muitas das minhas obsessões; ele lia Márcia Denser, Caio Fernando Abreu e João Silvério Trevisan, por exemplo. Seus poetas eram Allen Ginsberg, Ana Cristina Cesar. Nós compartilhávamos o amor por Hilda Hilst e Clarice Lispector, mas era também bom ouvir sobre um mundo literário com referências diferentes das minhas. Eu não amava J.D. Salinger como ele, nem me entusiasmava com C.F. Abreu, mas era legal saber que havia muitos cânones pessoais, que cada altar recebia seu santo.

Hoje, Jorge Wakabara é jornalista e editor de moda, braço direito de Lilian Pacce. O mais importante: ainda é um dos meus amigos mais queridos.

Reproduzo nesta postagem 3 coisas ligadas a Jorge Wakabara:

§ - em primeiro lugar, seu conto "Cinco minutos na cama", que publiquei há anos em uma versão antiga da Hilda Magazine.

§ - em segundo, a série de colagens "Monstro", inédita, que deveria ter entrado numa revista que planejei mas jamais saiu do projeto.

§ - por fim, reproduzo aqui o que ele já publicou em seu blogue esta semana: minhas respostas para o seu divertidíssimo "Questionário Dourado", uma sátira com o Questionário Proust que ele tem feito com amigos há muito tempo.


:


CINCO MINUTOS NA CAMA
Jorge Wakabara

Quando você olhou o meu pé e começou a rir, eu nunca pensei ter tanta placa tectônica dentro do meu crânio, por debaixo desse meu couro cabeludo, e pelos poros dessa minha pele que se revelou quente e áspera: pura reação psicossomática. Você riu, Carlos, por causa de um dedo, o meu dedo que seria o médio, o do meio, que era nitidamente maior que o meu dedão. E você disse, Carlos, com um humor que não te é peculiar, que eu tinha quatro mãozinhas no lugar de duas mãos e dois pés. Eu era, de repente, uma anormalidade digna de um 'freak-show'. Então eu estava ali, nu, com tantas coisas a serem vistas, e você notou o pior dos meus defeitos físicos. Notou-o descompromissadamente. Como se o fato de teu namorado ter aquele dedo médio comprido fosse equivalente à morte de um cachorro, ou ao enterro de uma vizinha chata. Eu fiquei muito perturbado, talvez sem razão, porém terrivelmente perturbado. O meu cabelo, por exemplo, podia estar feio e eu o cortaria, ou o pintaria, ou até mesmo o rasparia, se fosse esse o caso. O dedo, Carlos, não se corta, não se arranca, e muito menos se morde, já que se tratava de um dedo do pé e não da mão e ficaria muito mais difícil para mim, que tinha pouco condicionamento físico e alongamento, alcançar o dedo médio do meu pé com os meus dentes. Mesmo que ele fosse tão anormalmente comprido. Eu te detestei por vívidos e intensos segundos, eu te desejei morto e enterrado, mas antes de tua morte, ah, Carlos, desejei ainda que você sofresse doenças horrorosas, que te fariam coçar e escamar inteiro; imaginei tua cabeça estourando e teus miolos gritando "chega" em uma freqüência tão alta que não seriam escutados pelo ouvido humano. Depois eu quis que você se sujeitasse e lambesse aquele meu dedo médio horroroso, e todas as veias saltadas do meu pé magro horroroso, e ainda a minha canela magra, peluda e horrorosa; eu te chamaria de porco, canalha, bruto, e sussurraria com autoridade: "lambe mesmo, Carlos", "mais aqui", "agora te esmago". No entanto, teu sorriso cínico se desmanchou pouco a pouco e você, Carlos, percebeu que talvez eu tivesse certos traumas com aquele dedo específico, e também percebeu que talvez eu não gostasse que falassem daquele meu defeito físico. Imaginou que certamente eu já havia sofrido com gozações de família, colegas e desconhecidos. Eu derreti embaixo dos lençóis, levando as minhas terceira e quarta mãozinhas para longe de teu senso crítico com um “ar de cotidiano”, como se essas coisas acontecessem todos os dias, como se o cachorro tivesse morrido durante o enterro de uma vizinha chata. Esbocei algumas frases que lembravam algo muitíssimo inteligente vindo de alguém bem resolvido, enquanto apalpava o feio, o bobo, o metido que cresceu mais do que devia, e o acariciava, sangue do meu sangue, pele da minha pele, pedaço de mim metade adorada de mim, ao mesmo tempo em que mentalizava: "Calma, dedo. Não foi nada dessa vez".

2004


§


Monstro
um texto-colagem de Jorge Wakabara (2006)

(clique nas imagens para aumentá-las)






§

Ricardo Domeneck responde em Berlim às perguntas douradas de Jorge Wakabara:


QUESTIONÁRIO DOURADO INTERNACIONAL
COM RICARDO DOMENECK

(publicado originalmente no blogue Caminho Dourado. Adicionei aqui algumas notas em vermelho sobre as respostas.)


1. Me conta uma coisa que você fazia há 5 anos e não faz mais.
Ir no Biu.

(restaurante de comida caseira na Rua Cardeal Arcoverde, ao qual eu ia muito com meus amigos paulistanos quando morava na cidade, no início da década.)

2. Me diz um filme que você gostaria de ter feito, e o porquê.
“A professora de piano”, pra poder convidar a Isabelle Huppert quando eu quisesse pra gente tomar champanhe e ver uns pornôs.





(este filme é uma das minhas obsessões, eu o vi 11 vezes no cinema, ele conjuga todas as minhas preocupações políticas, estéticas, metafísicas e um vasto etc.)


“Me dá essa taça logo, então”

3. Me diz uma coisa que você comprou e nunca usou. Por que você nunca usou?
Uma calça xadrez no Mercado Mundo Mix da qual eu me arrependi assim que pus os pés pra fora do galpão. Isso foi em 2001! Coloca que foi em 2001!

(ah! meus tempos de pseudo-clubber!)

4. Qual é a fase da sua vida que você quer lembrar pra sempre?
Quando eu morava no Sobrado, com um bando de gente inteligente mas proletariado, escrevendo meu 1º livro e mais facilmente deslumbrado com as coisas.

5. Qual é a palavra que você está usando muito agora?
Banause” – que é uma expressão alemã pra cafona.

6. Me conta uma coisa muito exótica que você amava nos anos 90.
A tatuagem no braço esquerdo do Jon Bon Jovi – especialmente na perspectiva generosamente doada pelo vídeo “Keep the faith”.

(os anos 90 deram-nos uma adolescência meio insana, mas esta resposta vocês devem creditar mais à minha sexualidade adolescente desenfreada.)




Bon Jovi - Keep The Faith
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7. Me fala o que te faz rir muito, e o porquê.
Qualquer tipo de humor autodepreciativo.

8. Que personagem de novela você gostaria de ser? Por quê?
Viúva Porcina, porque é o mais perto que o Brasil já chegou de Almodóvar.


9. Me diz um defeito seu e um defeito meu.

Meu: Quando dois amigos meus que me tinham como elo passam a ter um relacionamento independente de mim, a minha primeira reação incontrolável é a ofensa.

Seu: na 1ª semana de julho de 2001, eu costumava achar você um pouquinho judgemental (a Carrie já disse isso pra Miranda).

10. Qual é a música mais linda que você já ouviu?
Vou dizer a 1ª que me veio na cabeça, sem pensar muito. “Rising”, da Lhasa de Sela.



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6 comentários:

Pádua Fernandes disse...

E não é que eu também adoro o filme A Pianista? Uma das maiores alegorias do Romantismo. Falta-me ler o livro da Elfriede Jellinek.
Abraços, Pádua.

marcio junqueira disse...

amei o Jorge Wakabar!!!

Ricardo Domeneck disse...

Pádua, eu sou obcecado por este filme. Para mim, uma das grandes obras do século que apenas começou. O livro consegue ser quase mais brutal que o filme.
abraços,
Ricardo

Ricardo Domeneck disse...

Márcio,

o Jorge é mesmo ótimo. Mas ele vai "wakabar" com você se você soletrar o nome dele errado de novo.

:)

É Jorge WAKABARA, e como ele adoooora dizer, significa algo como "campo belo" em japonês.

abraço

Ricardo

Jorge disse...

sim, campo belo, ou grande, ou qquer coisa desse gênero hahaha

miss u so much, darling rick.

marcio junqueira disse...

medo do wakabara!!!!!!!!!!

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