domingo, 25 de setembro de 2011

Uma poeta portuense para celebrar minha chegada ao Porto

Porto

O trem avança por entre vinhas, até que percebo os trilhos correndo ao longo de uma praia, o sol começa a se por, e sei, sem jamais ter estado aqui antes, que estou chegando à cidade do Porto, com aquela explosão de luz e ar aberto, que experiência revigorante. Então, caminhar ao longo do Douro, olhar para a Ribeira e perceber que o Porto certamente é uma das cidades mais lindas do planeta deixou-me num estado de muita calma. Não sei explicar. Vocês já estiveram em cidades onde a única descrição da sensação que lhes causam é o pensamento estranho de "eu poderia ser feliz aqui"? Tive isso em poucas cidades.

Amanhã faço uma leitura na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Agradeço aqui mais uma vez publicamente a Patrícia Lino por sua hospitalidade (e de sua família simplesmente adorável) e pelo respeito com que vem tratando meu trabalho aqui no Porto.

Para celebrar esta passagem pela cidade, três pequenos poemas secos e lúcidos de Sophia de Mello Breyner Andresen, nascida aqui.


Para atravessar contigo o deserto do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen


Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento



§


Cada dia é mais evidente que partimos
Sophia de Mello Breyner Andresen


Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.


§


Os troncos das árvores
Sophia de Mello Breyner Andresen


Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga.



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