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Será o papel da poesia e literatura manter viva na História a memória de um crime? Nada me dissuade, por exemplo, desta compreensão da máxima de Pound sobre a poesia ser news that stays news. A notícia que permanece notícia, mesmo em nossa sociedade insaciável por tragédias, esquecendo os mortos de ontem pelos que, mal nasce o dia, já começam a se acumular hoje. A narrativa histórica que se quer científica faz com os fatos (aqueles que compõem o mundo, segundo Wittgenstein) o que a ciência faz com o conhecimento: abstrai-os. Numera-os, classifica-os, generaliza-os. Transforma o acontecimento natural em fórmula. Já foi dito que esta é a diferença entre a ciência e a arte: se, para alguns, ambas funcionam como busca do conhecimento da verdade pelos humanos, a primeira o faz pela abstração deste conhecimento, a última por sua concreção. Talvez por isso o objeto artístico em si transforme-se em parte do mundo, em objeto, em fato, ele próprio permitindo-se entregar ao discurso científico, por exemplo, da crítica: como parte integrante do mundo.
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Talvez haja algo disso na proposta do correlato objetivo de Eliot? De que maneira esta compreensão da Literatura está guiada por minha formação cristã, a que sempre prega o Verbo que se faz Carne? Como compreender o conceito teológico de figura nesta discussão?
Tenho-a descrito assim: "FIGURA: acontecimento histórico que se liga a outro acontecimento histórico, prefigurando-o, dois fatos distintos e temporalmente segregados prevendo um último acontecimento (a parúsia?) que revelaria seus significados, além da noção de intervenção do sagrado no profano (o verbo feito carne, a história feita mito)."
Realidade histórica, ainda, como prefiguração de um acontecimento espiritual: exemplo: a saída dos Hebreus do Egito, guiados por Moisés, como prefiguração da libertação pelo Messias de um mundo materialista.
§Realidade histórica, ainda, como prefiguração de um acontecimento espiritual: exemplo: a saída dos Hebreus do Egito, guiados por Moisés, como prefiguração da libertação pelo Messias de um mundo materialista.
Ainda falaríamos sobre Gulags, ou falaríamos da mesma forma, sem a prosa de Soljenítsin, sem os versos de Akhmátova? Dos KZ, sem Celan, Jabès e Pagis?
Pensar em como a Era Vargas se nos torna muito mais concreta através da poesia de Carlos Drummond de Andrade e da prosa de Graciliano Ramos.
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O que sabemos, em concreção, da Era Collor? Algo através da Geração 90?
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Não se trata, é claro, apenas do trabalho de salvaguardar uma narrativa sobre nossos destinos coletivos, as valas comuns onde terminamos de bruços. Se Soljenítsin mostrou-nos o destino de milhares no Gulag através de um único homem fictício chamado Ivan Denisovich Shukov, devemos a poetas líricos como Tsvetáieva e Mandelshtam a possibilidade de conhecer as agruras e tragédias pessoais de homens e mulheres sob regimes totalitaristas. Pois ao fingirem as dores que deveras sentiam, revertendo-as em textualidade nos seus poemas, ficcionalizavam-se para que pudéssemos nos identificar com suas cicatrizes, e, identificando-nos com suas cicatrizes, reconhecermos nossas gangrenas.
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2 comentários:
Ricardo, suas ideias me pareceram mto interessantes e, até onde me é dado saber, originais. Eu particularmente n acho q seu desenvolvimento completo em forma de ensaio acrescente mais do q mera redundância na forma de exemplos, explicações, etc. Naturalmente, o stablishment pensa o contrário. Eu mesmo estou trabalhando num ensaio bastante complexo intitulado A superioridade “extática” da poesia e Finnegans Wake como SuperOmega textual (sic), há um bom tempo, por partes, em etapas, e n creio q saia antes de mais alguns intervalos e retomadas; talvez o seu ensaio possa se completar dessa maneira. Boa sorte!
Fábio,
eu concordo com sua proposição da "completude do fragmento". Ele é, em tantos casos, "bastante".
abraço grande
RD
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