quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Extrato de sardas (poema inédito).

(fotografia: Adelaide Ivánova)


Extrato de sardas

Ele chega 
sempre com nada
mais que seu corpo,
alto, rijo e magro,
o qual tira de dentro
de roupas e mostra
seus pelos loiros,
negros, castanhos,
ruivos, ou tão-só
ausentes, e exibe
o seu orgulho
ereto e perpétuo.

Eu o recebo 
como o projeto 
urbanístico 
de Brasília recebe 
o céu do cerrado.
Eu plano, ele pilota.

Não sabe conversar,
apenas convergir,
não possui discursos
além do descorçoo,
não sabe debater
senão como verbo
reflexivo. 

Minha juventude
acabou enfim,
rest in peace,
mas como esta
que ele esbanja
parece perene,
renovável, eterna.

É certo, pensa
que Wittgenstein, 
Huizinga, Agamben,
Fustel de Coulanges 
são 
marcas de remédio,
diz que meus filmes
em preto e branco
são só-tão soníferos,
e se na casa soam
gravações de Arnaut,
Bertran ou Marcabru,
pergunta se é o caso
de minha conversão
a uma seita New Age.
Uc de la Bacalaria?
Ele não come peixe.

Mas deita-se manso
quando quer
ou feroz se convém
e chega a hora
de tocaia e estocada,
e nisso nunca falha
o seu instinto imberbe
nas termas do contexto.

Não me basta a leitura
de Estratão de Sardes
se insistem em proibir
a vasão do meu corpo
introvertido ao avesso
nesse extrato de sardas.

Se vigoram os textos
de Konstantínos Kaváfis
em minha mente
e outras glândulas
é porque tenho dedos
a cavar fios nos côncavos
e convexos de corpos
mui alexandrinamente.

Nem vão me saciar só
poemas de Frank O´Hara
sem poder ser franco
e dizer: "esse é o cara!,
é com esse que eu vou,
agora, e agora, e agora."

Por que, ora, esperar
mais que a dádiva
de sermos ao menos
por alguns minutos
erastés e erômenos
na acrópole-e-abismo
dessa ativa e passiva
gangorra
da Musa Puerilis?

Entre e fique, menino.
A casa não é minha
mas, como sói
ser, sua.

.
.
.

Um comentário:

Alex disse...

Domeneck,

Que bela poesia, encontrei-a por aí e entre tantas outras aqui acabei me inspirando. Meus deditos ficaram enérgicos e saiu isso: http://procurando-violet.blogspot.com.br/2013/08/nem-maestria-nem-burguesia-nem.html

Obrigada pela sua poesia. É sempre bom encontrar maravilhas como essa nesse vasto mundo virtual.

Abraço.

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